Apenas Lena escrita por Morita


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura, espero que gostem.



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Lena Krause é meu nome. Minha família saiu da Alemanha faz muito tempo, mas eles insistem em colocar nomes de origem alemã em seus filhos e netos, acham que assim nossas raízes permanecem. O que eles não entendem é que um nome não é nada comparado ao Big Mac que comemos em todas as idas ao shopping.

Apesar de tudo não os culpo de nada, praticamente todo mundo gosta de se agarrar em suas raízes e também em suas crenças, as pessoas se sentem melhores assim. Porém eu não vejo sentido nisso.

“O dia está terrível!”, exclamava minha mãe da cozinha. Para mim o dia está bonito, isso é só uma questão de ponto de vista.

A chuva insistia em bater em minha janela com força, como se pedisse pra entrar. Andei rapidamente até ela e cheguei a tempo de ver um clarão no céu que se expandiu e logo sumiu, deixando apenas o barulho do trovão.

Escolhi uma calça jeans comum de cor escura, um suéter bordô, meias que iam até meus joelhos e minhas botas especiais para dias chuvosos, complementando com um casaco impermeável que pesava um pouco.

Abri a porta do meu quarto e fui em direção a cozinha, encontrando minha mãe atarefada ao mesmo tempo que assistia ao jornal na pequena TV em cima do balcão.

-Mãe, a ração do Augustus acabou. –disse eu avistando meu gato cinza entrando na cozinha em busca de comida.

-Por que não me disse isso antes, Lena? Eu teria comprado ontem se alguém tivesse me avisado mas não, é tudo eu. Francamente...

Minha mãe vive ocupada e se irrita muito fácil quando algo dá errado, esse tipo de reação já é comum.

-Eu só fui ver isso hoje mais cedo. Eu vou comprar agora, não tem problema.

-Com essa chuva?

-Não posso deixar Augustus sem comida.

-Tudo bem, pega dinheiro na minha bolsa e não se esquece se levar um guarda chuva.

Acenei com a cabeça, fazendo o que ela havia dito. Dobrei o dinheiro e pus as notas no bolso interno do casaco e antes de sair de casa peguei um guarda-chuva preto. Logo que saí na rua fui atingida por uma rajada forte de vento, o guarda-chuva iria virar se eu o abrisse.

Deixei-o encostado na varanda e puxei o capuz para a frente, cobrindo minha cabeça. Comecei a andar, sentindo os respingos de água em minhas bochechas. Minha mãe sempre diz que eu devo desviar das poças, mas uma das coisas mais divertidas é pisar bem no meio delas e ver a água de espirrando.

Rumei até o pet shop mais perto e quando entrei, molhei o piso, não que este já não estivesse úmido mas contribuí com algumas pegadas e resquícios de lama. Pedi a ração de sempre, a que Augustus gostava. A moça do caixa agradeceu como sempre e sorriu amigável, como sempre. É sempre assim.

Voltei para casa, andando mais lentamente, aproveitando a chuva. Lamentei um pouco pelo caminho ser tão curto, queria aproveitar mais daquela sensação de caminhar sob a chuva mas se eu não entrasse logo, minha mãe iria se irritar, como sempre.

Entrei.

Dei comida a Augustus que miou contente, tirei o casaco e o deixei secando, então fui para o meu quarto mais uma vez.

Um sábado chuvoso e entediante. Liguei a TV mas não passava nada de interessante. Esse sábado se parecia com tantos outros sábados da minha vida. Pra falar a verdade, todos os dias se parecem com outros dias já vividos.

É sempre assim.

Quase nada muda, porém não é exatamente algo ruim.

Eu não sou especial. Não sei fazer nada de diferente das outras pessoas da minha escola, por exemplo. Não sou boa em esportes nem recito poesias, também não sei tocar nenhum instrumento e nem nada do tipo.

Eu sou comum.

Sinto que eu apenas existo.

Eu não tenho poderes especiais, meu guarda-roupa não me leva para outro mundo, um coelho falante nunca me disse que estava atrasado, nenhuma carta de escola de bruxaria chegou.

Eu sou comum.

Eu apenas existo, eu apenas sou eu.

Minhas maiores responsabilidades são manter minhas notas na escola e cuidar do meu gato cinza e gordo que agora ronrona enquanto se enrosca em minha perna. Nada de proteger pessoas ou salvar o mundo.

As pessoas não gostam de pensar assim. As pessoas gostam de pensar que elas existem para algum propósito que só elas podem cumprir, mas a realidade é que, por exemplo, se a moça de sorriso amigável que trabalha no pet shop não tivesse nascido, outra pessoa me sorriria igualmente amigável sempre que estendo as notas verdes.

Então, que sentido faz tentar ser melhor ou competir? Todos apenas existimos.

Prefiro pensar que eu sou apenas o nada de lugar nenhum. Não faria diferença se eu tivesse nascido em outro lugar, em outro país, eu continuaria sendo o que sou.

Eu apenas existo ao mesmo tempo que desapareço aos poucos.

Eu sou comum.

Eu sou Lena, apenas Lena.


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Notas finais do capítulo

E então?