Ao ouvir o estrondo da garrafa de vidro sendo arremessada contra a parede, Annabeth soube que o pai estava em casa.

Aumentou o som da música em seu ipod, para que a briga prestes a começar não chegasse aos seus ouvidos ou atrapalhasse seus estudos. "Trigonometria, Annabeth" ela pensou "Essa é a maior de suas preocupações". Não importava quantas vezes ela repetisse essa frase por dia ; elas nunca lhe soavam verdadeiras. E a melodia de Asleep mascarando o que realmente acontecia lá fora apenas confirmava essa suspeita. Porém, nem mesmo o volume máximo da música conseguiu encobrir os gritos femininos e indefesos de sua mãe. Uma faca lhe atravessava o peito toda vez que ouvia esse som agonizante, mas o que poderia fazer? Era fraca e pequena demais para impeder Frederick, seu pai, de qualquer coisa. Por outro lado, ficar deitada em sua cama fingindo que nada acontecia agora lhe parecia muito mais improvável.

Em um misto de medo e adrenalina, Annabeth levantou-se da cama e abriu a porta do quarto, que antes estava trancada. Frederick não encostava um dedo em Annabeth, desde que ela ficasse quietinha em seu quarto e no se intrometesse. Não sabia o que podia acontecer caso resolvesse estragar suas noites de bebedeira.

No momento em que pôs os pés para fora de sua zona de comforto, teve vontade de voltar. Ela temia seu próprio pai e não negava isso. Mas apenas maior do que seu medo, era a necessidade de proteger sua mãe. Ainda mais porque, a única razão de ela ainda aturar esses abusos é Annabeth. Sem Frederick, elas não teriam para onde ir. Como não tinha feito faculdade, era improvável que sua mãe conseguisse um emprego que sustentasse as duas na cidade de Manhattan, e não haviam parentes próximos para acolhê-las. Annabeth se sentia ingrata ao assistir sua mãe ser violentada e simplesmente aumentar a música, ignorando o que acontecia.

Ao chegar a sala de estar, seu coração falhou. Sua mãe estava encostada na parede, chorando, enquanto Frederick berrava com ela e lhe apontava uma garrafa quebrada ao meio. Não demorou muito para que percebessem a sua presença.

– Annabeth, volte para o seu quarto – a mulher suplicou.

No entanto, Annabeth não moveu um músculo. Frederick se dirigiu até ela, seus olhos exalando ódio. Ele não disse uma palavra, apenas a olhou com desaprovação, talvez um pouco perplexo demais para dizer alguma coisa. Ele levou sua mão até os cabelos loiros da garota. Esse gesto mexeu com algo nela. Ela não queria que ele a tocasse. Em um acesso de raiva, desferiu um tapa nele, sem acreditar no que tinha acabado de fazer. Os olhos do homem voltaram a inspirar ódio, não mais perplexidade. Todo o resto aconteceu muito rápido. Sentiu os dedos dele apertando seu pescoço, seus pulmões doendo pela falta de ar . Por um momento, realmente pensou que ele seria capaz de matá-la. Mas ele a soltou no momento em que a mãe de Annabeth corria em sua direção para proteger a filha. A garota caiu no chão, suas pernas tão bambas que eram incapazes de sustentar o peso do próprio corpo. Ela se arrastou até a porta do quarto e se trancou lá dentro, completamente ciente de que sua mão pagaria pelo o que tinha feito. Tudo o que fez foi piorar a situação.

Seu pescoço ainda doía, as pernas tremiam e os gritos de sua mãe ficavam cada vez mais altos. E, dessa vez, a única coisa que fez foi abraçar seus joelhos e chorar. Chorar como nunca havia chorado antes.