Herança escrita por Janus


Capítulo 39
Capítulo 39




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     - Desculpe a demora, mas eu me atrapalhei um pouco com as ervas.
     A jovem adolescente de cabelos negros como a noite sorriu encabulada enquanto deixava a bandeja com o bule de chã e duas xícaras na mesa de centro que separava sua mãe a o visitante desta.
     O visitante de cabelos avermelhados a olhou com um sorriso simples e agradeceu com a cabeça. Pegou uma das xícaras e se serviu. A criança estava com claro receio de que talvez ele não gostasse.
     - Igual ao chá de sua mãe. Obrigado.
     Ela suspirou de alívio. A coitadinha devia sentir um certo peso de ser filha de alguém tão importante naquele reino.
     - Mãe – disse ela com certa timidez – eu... posso passear?
     - Claro que sim filha – respondeu a dona da grande casa que também possuía longos cabelos negros – divirta-se. É muito bom ter amigos. Aproveite-os.
     A jovem fez uma mesura e saiu correndo da sala.
     - Ela ficou muito parecida com você – comentou o visitante – mas dá para perceber que tem muita coisa do pai também.
     - Sim – concordou a mulher – felizmente. Sabe... ainda sinto a falta dele...
     - Desculpe. Eu não queria despertar lembranças amargas.
     - Não é culpa sua, Sohar. Pelo menos ele me deixou uma linda filha, que felizmente jamais terá de enfrentar o que eu passei. Ela é uma criança perfeitamente normal com uma vida normal. E já anda fazendo muita arte de adolescente – ela sorriu – graças a Deus.
     - Majestade...
     - Eu não sou mais rainha. Já esqueceu disso, meu caro príncipe da Cidade Dourada?
     - Desculpe – ele ficou encabulado – como Luna diz, é um velho hábito. Pelo menos você não me chamou de lorde...
     - Até que lorde Sohar soa bem...
     - Não comece... – disse ele olhando um pouco enviesado para ela.
     Ela apenas riu. Pegou a sua xícara da bandeja e saboreou um pouco do chá que sua filha fez. Afastou um pouco esta e ficou parada por alguns momentos, como que avaliando o sabor da bebida.
     - É... ela está aprendendo – disse por fim. Bom, meu caro "embaixador" – ela frisou a palavra de uma forma meio de chacota – qual o real motivo de sua vinda até o mundo em que vivo? Duvido que seja mera cortesia de sua soberana, senão ela teria enviado a sailor Urano.
     - Haruka já está com outros compromissos. Como sou o único que sabe o caminho até aqui, acabei escolhido – ele pousou a xícara de chá na bandeja e a observou com mais seriedade - A rainha estava um pouco preocupada. Faz tempo que você não dá notícias e com os últimos incidentes no Milênio de Prata ela acabou temendo que vocês estivessem com problemas.
     - Os fantasmas negros... – disse ela sorrindo levemente, mas era um sorriso amargo – eu soube disso. Parece que vocês estão sendo invadidos. E este oponente é diferente dos outros. Está agindo as ocultas, debaixo do nariz de todos vocês.
     Sohar franziu um pouco o cenho. Como ela soube disso? Ele teria percebido se ela ou a filha tivessem saído de sua dimensão e ido até a Terra. Quem poderia... ora... claro!
     - Aquela baixinha continua falando demais – murmurou ele maneando levemente a cabeça.
     - Ela não é baixinha! – disse ela com um bico e pondo as mãos na cintura.
     - Não comece você também! – ele riu – pelo menos isso confirma que é você quem anda conversando com ela em seu quarto. A mãe dela chegou a pensar que ela já estava namorando.
     - Talvez esteja... – disse ela em um tom de confidência – quem sabe?
     Logo em seguida, seu semblante ficou mais sério e ela estava agora claramente preocupada.
     - Sohar... você não veio pedir para que eu me envolva nisso, não é?
     - Não. Só vim ver se tudo estava bem por aqui. E... também gostaria que me dissesse se sabe algo a respeito destes generais de Klarta.
     - Não, eu não sei – suspirou ela, como se o assunto a deixasse muito magoada - Não sei nada sobre eles. Ocasionalmente entro em contado com minha sobrinha na Terra para conversar um pouco, mas isso é tudo. Eu não tenho vigiado ou observado o seu planeta. Já tenho meu próprio mundo para desbravar e conhecer, bem como uma filha para cuidar e ver crescer. Eu não quero mais guerras. Já causei muito mal, já sofri muito e aqueles que me cercavam também tiveram sua parcela de sofrimento. Só quero viver o resto de meus dias em paz e vivendo minha vidinha sem incomodar ninguém.
     - Eu sei – disse ele – é a mesma coisa que eu quero. Mas no meu caso isto esta ficando de novo fora de minhas mãos. Bom, não vou incomoda-la mais. Eu já vou partir.
     - Termine o seu chá antes – ela apontou para a xícara com um ar de reprovação – não vai me fazer passar por má anfitriã não.
     Ele pegou a xícara e a levou até a boca com delicadeza. Quem diria que um dia ele estaria em uma sala de estar tomando chá com ela? Uma das mais perigosas oponentes de sua falecida cunhada? O futuro é mesmo incerto, e teima em dar voltas e em ser irônico.
     - Você ainda sabe como ser ameaçadora...
     - Só para coisas triviais. Pode continuar bebendo!
     Ambos ficaram em silêncio enquanto sorviam o líquido quente e adocicado. Até que o gosto daquele chá era mesmo diferente. Podia ser uma boa jogada pedir um pouco daquelas ervas que usaram neste para levar para casa.
     Quando terminaram, Sohar se levantou, fazendo menção de se despedir. A sua anfitriã se levantou e o acompanhou até a sacada, onde estava o "caminho" de volta dele. Ela lhe deu um abraço para se despedir e se afastou um pouco. De onde estavam, dava para ver sua filha nos jardins da casa conversando com alguns outros garotos de sua idade. Deviam ser seus amigos.
     A distância era possível ver o imponente castelo onde os atuais soberanos que governavam aquele reino viviam. Ele chegou a ser chamado de Castelo das Trevas. Hoje era conhecido como Castelo das Sombras. Talvez não tenha sido uma grande mudança de nome, mas pelo menos não invocava mais medo. Foi o último ato da rainha antes de abdicar em prol de uma vida mais pacata e simples.
     Uma pena que seu marido tenha morrido.
     - Vê se não demora tanto para me visitar novamente – disse ela de repente, tirando-o de seus pensamentos - e traga suas filhas. Eu gostaria muito de conhece-las. Da última vez que as vi eram ainda muito pequenas. Se bem que estavam tão fofas...
     - Farei isso – disse ele a encarando com simpatia.
     Ele olhou para cima e fechou os seus punhos. Uma luz surgiu acima dele logo em seguida. Uma luz que cresceu e inflamou-se de tal forma que ficou similar a uma estrela. Ela brilhou intensamente por alguns momentos – tanto que chamou a atenção das crianças no jardim – e então ficou escura e se contraiu, como se fosse um mini buraco negro.
     Satisfeito, Sohar deu uma última olhada para a outrora rainha da Lua Nova. Era hora de partir.
     - Adeus Neherenia. Foi bom visitar seu mundo de novo.
     Dito isto, o buraco negro cresceu e o envolveu, desaparecendo em seguida. As crianças comentaram um pouco sobre o que tinham visto do jardim mas logo voltaram aos seus assuntos. Aquilo não era propriamente novidade para eles.
     - Adeus Solaris – murmurou Neherenia observando sua filha com seus amigos – espero que encontres tuas respostas. Mas creio que estas estão em vosso passado que ainda insiste em perseguir-vos.

 

-x-

 

     - Ai... e você tinha a pachorra de dizer que eu quem era gorda...
     - Não reclama! Minha bunda está doendo mais do que as suas costas. Não disse que ia me pegar?
     - Você devia ter pulado de frente e ficado com os braços abertos – disse ela com uma careta – e não precisava cair sentada na minha cabeça também.
     - Sua cabeça? Eu acertei a pedra!
     - Antes de chegar nela você passou pela minha cabeça... foi ai que perdi o equilíbrio e caí de costas. GORDA!
     - Gorda nada! Você é que é uma fracote agora...
     - Delicada, por favor!
     Serena apenas mostrou a língua para ela. O pior não foi a vergonha do pequeno desastre que ambas sofreram, mas o fato de que sua saia se enganchou nas rebarbas daquela pedra e tinha soltado sua costura interna. Se não tomasse cuidado ela ia desfiar e a saia iria cair. Estava andado com a mão segurando na saia do lado direito. Tinha tentado dar um nó no fio solto, mas com aquelas costuras modernas em que um fio é usado para coser todo o tecido, isso era impossível. Não havia onde amarrar a ponta solta sem soltar um pedaço enorme da costura – e ficar um pouco abusada demais com isso.
     - Nem sonhando que vou te chamar assim. Fracote...
     - Não enche! Estamos aqui, não estamos? Tudo bem que estou mancando e acho que estou com desvio na coluna por causa de suas banhas, mas...
     - QUER PARAR DE ME CHAMAR DE GORDA? Olha o corpinho de... OPS!
     - O que foi?
     - Nada não – disse envergonhada – vamos indo.
     - Serena! – disse ela com os olhos arregalados – sua saia está se desmanchando!
     - Eu sei!
     Ela saiu correndo da área descampada e foi direto onde as árvores estavam. Escondeu-se atrás de uma destas enquanto via o estrago feito no seu vestido. Para piorar era um vestido de peça única. Tudo o que tinha embaixo deste era a sua roupa íntima.
     - Menina... você está numa encrenca! – disse Joynah assim que se juntou a ela.
     E ela tinha razão. Seu vestido de estampas rosas estava se desmontando, ficando totalmente aberto do lado direito. Ela precisava usar um clássico de algodão ao invés dos metálicos, tinha que querer ser diferente. E agora? O que ia fazer? Não podia andar por ai assim, e certamente ninguém teria trazido uma roupa extra. Hum...
     - O que você está olhando?
     - Esta sua camiseta não é aquela que pode virar um vestido?
     - Na verdade ela vira uma micro saia... – respondeu a olhando com um certo medo – eu a vesti hoje para fazer uma festa especial para... aham – ela ficou vermelha - no que está pensando?
     Cinco minutos depois as duas saiam de trás da árvore e continuavam seguindo em direção ao seu destino. Joynah estava agora com uma "camiseta" estampada com rosas e Serena tinha um novo vestido da cor preta, que devido ao seu manequim ser menor que o de Joynah ficou muito bem nela, sem parecer abusada – mas lhe dava um ar de atrativo todo especial. Quanto a Joynah, com a sua calça prendendo bem a parte inferior do vestido não havia perigo de que este continuasse a se abrir.
     - Como é que você consegue me convencer a fazer essas coisas?
     - Herança de família – riu ela – pode acreditar!
     - Eu imagino o que seu pai andou passando com a sua mãe...
     As duas gargalharam daquele pensamento. Realmente o rei devia ter tido sua cota de embaraços com a esposa e atual soberana de Cristal Tóquio.
     - Você se lembra dela no passado... ela é única!
     - Graças a Deus...
     - Bom... eu puxei muito a ela...
     - É... tem a inteligência do pai e todo o resto da mãe...
     - Senti um sarcasmo ai? – perguntou indignada.
     - Pode ter certeza de que sim, minha princesa – fez uma mesura.
     - De que adianta ser princesa se todos podem tirar sarro de sua cara? Eu devia mandar prender todas vocês.
     - Hi menina... você é uma princesa com menos status que a princesa da Inglaterra. Ela ainda estuda com professores caríssimos e particulares, e você está numa escola pública...
     Serena parou de andar e olhou para sua amiga com um pequeno sorriso de alegria.
     - Princesa? Eu não estava querendo te ofender de verdade...
     - Eu não trocaria de lugar com ela de jeito nenhum – afirmou mantendo o sorriso doce – Prefiro mil vezes minha vida "atormentada" com meus amigos a uma vida de luxo e tranqüilidade e sem amigos. Eu sei o que é ser mimada ao extremo, e sei o quanto isso pode estragar uma pessoa. Eu fui assim. Por séculos meus pais me mimaram com amor, brinquedos, presentes, festas... – ela olhou para o céu começando a ficar levemente avermelhado em anúncio ao crepúsculo que iria começar em breve – e isso me deixou egoísta e arrogante. Foi só depois fui ao passado e conheci minha mãe quando ainda era uma adolescente que acabei percebendo isso. Ela acabou me mudando, me mostrando que a pessoa que eu idolatrei como Sailor Moon era muito pálida em comparação a ela. Serena Tsukino era muito superior a Sailor Moon. E ainda hoje o é.
     Olhou fixamente para Joynah – há quanto tempo não fazia isso? – lembrando-se de quando se conheceram, das aventuras que tinham passado juntas, das brincadeiras de infância que compartilharam que tanto a alegraram e influenciaram em seu desenvolvimento. Olhava para sua amiga, a "raio de esperança" nascida da princesa do planeta das tempestades.
     - Joynah – ela pegou nas suas mãos e aumentou o seu sorriso – acho que eu nunca disse isso, mas muito obrigada por ser minha amiga. Apesar de as vezes encher a minha paciência eu estou muito feliz pela nossa amizade. E espero que sempre sejamos amigas.
     - Nossa! – Joynah ficou de olhos arregalados – o que deu em você? Não que eu esteja reclamando mas... – ela olhou para o chão tentando encontrar as palavras – porque toda essa rasgação de seda logo agora?
     - Eu não sei – ela ficou em dúvida – apenas senti que precisava dizer isso. Desde a primeira vez em que a vi, apesar de sempre acabar sentindo inveja de sua simpatia e habilidades, foi como se estivéssemos ligadas de alguma forma, muito mais do que simples amizade ou um parentesco meio obscuro de seu pai com a família de minha mãe. Talvez ter ficado o dia inteiro paquerando o Yokuto me tenha deixado meio piegas... vamos! Vamos ver logo o que tem no fim destas árvores.
     Sem se incomodar com sua resposta, a princesa seguiu andando pelas árvores, estranhamente com o coração mais cheio de alegria e tranqüilidade.
     - Você tem inveja de minhas habilidades? – perguntou Joynah depois de algum tempo pensando no que tinha ouvido.
     - Quem não tem? – respondeu ela – É uma excelente cozinheira, tem uma simpatia até maior que a da sua mãe, só Anne se equipara a você nas artes marciais e, acima de tudo... – olhou para trás para terminar – consegue ser mais curiosa e moleca que eu!
     - EI? Isso ai é motivo de inveja?
     - Para mim é. A única coisa a mais que eu tenho é ser uma princesa. Vamos logo! Ou perdeu a curiosidade?
     A resposta dela foi começar a andar muito mais rapidamente usando as suas pernas longas. Serena teve praticamente que correr para acompanhar o seu ritmo.
     Quando estavam mais próximas do fim daquele local cheio de árvores, ouviram um estranho som. Algo parecido com um sopro de vento em uma caverna. Fosse o que fosse as deixou subitamente alertas.
     E com medo.
     - O que foi isso?
     - Nem imagino – respondeu Serena olhando ao redor com os olhos bem abertos – não faço idéia mesmo.
    

-x-

 

     Naquele mesmo instante, Setsuna parou de andar junto com Orion e ficou estática. Alguma coisa acabara de acontecer com o fluxo do tempo. Era algo tão poderoso e gigantesco que ela começou a suar frio.
     De medo!
     Mas a sensação logo desapareceu, deixando-a apenas intrigada. O que teria sido aquilo? Não era uma ameaça, mas tinha uma força enorme. Uma força quase igual a dos elementares da Terra... Dos elementares que a sailor Terra comandava.
     - Algum problema?
     - Eu não sei Orion – respondeu ela – não tenho como saber. Senti algo rasgando o tecido de nossa dimensão. Mas pode ser apenas Sohar retornando da Lua Nova.
     Ela ficou mais alguns minutos prestando atenção aos seus sentidos, mas nada aconteceu. Um pouco mais tranqüila – mas ainda intrigada – ela voltou a caminhar com Orion.


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