Herança escrita por Janus


Capítulo 37
Capítulo 37




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     Aquelas estátuas, apesar de pequenas, eram bem bonitas. Muito mesmo! Mas pareciam ser esculturas do tipo abstratas. Do tipo que poderia encontrar em algumas casas ou até uma sala de estar de alguém com gosto para arte. Tinha certeza de que já tinha visto coisa do mesmo tipo na casa da Anne. Fechou os olhos e forçou um pouco sua memória. Sim. Tinha visto algo no mesmo esquema. Havia uma escultura de um tipo de cubo aberto com uma esfera presa em uma de suas pontas.
     Claro que aquelas eram diferentes. Eram muito mais abstratas e pareciam mais com os castelos de areia que fazia quando criança na praia. Ou dependendo do ponto de vista, seriam metais retorcidos de um acidente automobilístico, mas feitos de pedra.
     Ou melhor, de cristal. Pelo menos era o que diziam os textos abaixo das esculturas.
     - Anne?
     - Hum? – fez ela distraída enquanto observava as esculturas protegidas pela tampa de vidro que vedava completamente o mostruário.
     Acho que as esculturas lá da sua casa são mais bonitas que estas. Estas aqui parecem mais um monte de barro remexido...
     - São símbolos – disse ela se lhe dirigir o olhar – não são esculturas, mas uma escrita. Deviam estar ornamentando algum arco ou parede.
     - Uma escrita? E o que diz?
     - Isso depende. Esses símbolos aqui formam o nome Gaia – ela apontou para cinco esculturas dentro da vitrine – e estes aqui eu não sei. Está faltando algo para dar sentido.
     - Mas você sabe tudo heim?
     - Se me chamar de computador ambulante vai ter, viu?
     - Que milagre! Vocês em um museu?
     Rita olhou para trás e viu Orion ali na sua frente. Bem sorridente, na verdade.
     - Como assim milagre? – disse Anne empertigada – eu tenho uma vida cultural muito rica, viu?
     - Claro! – disse Rita concordando – a mãe dela é milionária e é uma artista, e a outra mãe também toca piano.
     - Rita – disse Anne encabulada – não me ajude mais, tá?
     Orion riu daquilo. Rita por sua vez não entendeu nada.
     - Eu estava sentindo sua presença desde manhã – apressou-se Anne em falar antes que Rita a deixasse com mais vergonha ainda – resolveu aproveitar e conhecer estas ruínas? Eu tenho certeza que elas tem alguma relação com a sailor Terra.
     - Na verdade – disse ele surpreso – não. Eu vim passear com Setsuna, mas ainda não a vi. Sem querer ser chato, pode me dizer se ela está por aqui?
     - Hum... deixa eu ver.
     Anne se concentrou um pouco, tentando identificar nos seus sentidos se Setsuna estava ao alcance. Sentiu todas as suas amigas, os filhos de Ray, Orion e... hum... não. Não sentiu mais anda.
     - Desculpe – respondeu ela – mas acho que ela não está por aqui não.
     - Tudo bem. Não será a primeira vez que nos desencontramos. Espero que aproveitem bem o passeio.
     Ele se despediu e saiu do museu. Não sem antes dar uma boa olhada naquelas esculturas pequenas e em outros objetos expostos ali.
     - Coitado... Acho que se apaixonar pela sailor mais sem graça do reino deve ser uma tortura.
     - Anne... pelo que minha mãe e meu pai estavam comentando ontem a noite, acho que ela perdeu este título.
     - Como assim?
     - Bom, eu fiquei meio apertada ontem e precisei usar o banheiro. E acabei ouvindo meus pais conversando na sala de estar sobre eles. Disseram que Setsuna estava com uma cara de satisfação enorme.
     - Hum... Joynah andou comentando alguma coisa também... mas não prestei atenção.
     - Não prestou? – Rita ficou impressionada – ela disse que encontrou Setsuna estava na casa de Orion, quase pelada!
     - E daí?
     - E daí? Oras! O que acha que ela estava fazendo lá deste jeito?
     - Nada que eu não tenha vontade de fazer – disse ela se afastando – nada mesmo. Mas preciso beijar o sapo certo antes...
     - Sapo...? – murmurou Rita – ei Anne – chamou correndo atrás dela - Me conta esta história direito...

 

-x-

 

     - E então?
     - Funciona perfeitamente – respondeu ele se curvando um pouco para avaliar alguns dados no pequeno aparelho preso na cintura dela – Anne não sentiu sua presença. O aparelho bloqueia totalmente o "brilho" de sua semente estelar.
     - Perfeito – comentou Setsuna – isso deve evitar que Anne sinta o Afonso no torneio e desconfie de onde terá vindo o "invencível inimigo" que irá surgir durante este. Mas acho que não é uma boa idéia desliga-lo agora... Se Anne sentir minha presença assim de repente, pode ficar desconfiada. Ela é muito inteligente apesar de voltar a maioria de seus esforços para agir como uma adolescente comum.
     - Eu não chamaria ela de comum não... – comentou Orion.
     - Vamos esquecer isso. O que fazemos agora?
     Havia uma certa displicência na sua pergunta. Logicamente ela podia descobrir algo para fazer, seja ajudando a rainha com seus deveres de estado, seja desenhando roupas ou até mesmo dando uma mão para Sohar em sua missão... bem... pode-se dizer que era algo diplomático o que estava fazendo naquele reino em outra dimensão.
     Ele sorriu para ela e ergueu o seu braço por sobre o seu ombro de forma a abraça-la. E começou a caminhar com ela assim.
     - Vamos passear um pouco. Quem sabe você acaba se lembrando a qual cidade do Reino da Terra estas ruínas pertencem.
     - Não pertencem a nenhuma cidade – respondeu ela – mas sim a um local de estudos. Esta é a Cidade da Sabedoria, o equivalente as universidades de hoje para àquela época. Aqui artistas aprendiam seu ofício, escribas aprendiam a ler e a escrever, políticos e príncipes aprendiam a arte da oratória, e soldados aprendiam artes de guerra.
     - Interessante – disse ele impressionado – mas o que Gaia tem a ver com esta "universidade"?
     - Gaia! Como soube disso?
     - Não fique tão surpresa. Eu já conheço muito bem a grafia da língua dos antigos, tanto quanto você e Sohar. Aquelas pequenas esculturas que estão expostas naquele pequeno museu onde conversei com Anne são na verdade símbolos desta escrita. E eles formam a palavra Gaia.
     Ele a olhou de forma inquiridora e isso a deixou levemente ruborizada. Bom, não havia assim um grande motivo para manter aquilo em segredo. Mas a ordem da rainha tinha sido clara no tocante as explorações das ruínas: "Os arqueólogos devem fazer suas descobertas sem a nossa ajuda".
     Mas Orion não era arqueólogo.
     - Esta cidade foi escolhida para homenagear a memória da defensora do planeta Terra. A sailor Terra. A primeira sailor Terra – acrescentou depressa – que antecedeu Joynah neste título.
     - Gammy... – murmurou ele – mas onde Gaia entra nisto?
     - Gaia era mãe de Gammy – comentou ela – não conseguiu imaginar isso?
     - Pensei que fosse irmã dela...
     - Também... – ela riu – houve duas Gaias, a mãe e a filha primogênita. Gammy era a filha do meio e havia ainda a mais jovem, Prismey, que acabou sendo rainha da cidade Ametista. Se bem que Prismey era uma ovelha negra com tudo o que isso representa. Nunca se interessou pela Terra ou com suas responsabilidades. Gammy e Gaia, a filha, seguiram os passos da mãe e se tornaram guerreiras estelares. Gammy assumiu o nome de sailor Terra enquanto que sua irmã acabou fazendo parte de um grupo de seres poderosos reunidos pela rainha da Lua.
     - As sailors?
     - Não – respondeu ela – um outro grupo. Não pense que haviam só sailors naquela época não. Mas elas eram as mais conhecidas pois defendiam o reino e a família real. Ainda me lembro de quando recebi o manto de sailor Plutão... eu detestava este nome e aquela roupa.
     - Como?
     - Escuta... eu era uma princesa, acostumada a usar roupas chiques ou então roupas mais comuns. Quando fui escolhida para ser uma guerreira e prosseguir com uma linhagem orgulhosa e nobre adorei a idéia. Agora, como acha que eu me senti quando soube que teria de usar uma roupa sexy de marinheira? Já imaginou uma guerreira assim? Se Anne descobrir uma forma de mudar esse desenho eu juro que serei a primeira a pedir sua ajuda.
     Ele riu um pouco da franqueza dela. E ela acabou rindo também quando percebeu o que tinha dito.
     - E quem foi que começou com isso de sailor?
     - Gammy. A roupa dos guerreiros estelares era bem melhor. Dava um ar de autoridade. Bom, as das mulheres também eram assim sexy, mas tinham um ar de armadura. Mas não posso reclamar muito. Ela morreu muito antes de eu nascer.
     - Então como você a conheceu?
     - Eu posso "passear" pelo tempo, lembra? Pelo menos podia, antes de Sohar acabar com a porta do tempo.
     Ela ficou quieta quando ele forçou um beijo. Apesar de impressionada com sua ousadia – até então ele não tinha feito nada deste tipo de surpresa – não se fez de rogada e correspondeu a ele com paixão e vontade.
     - Nossa! – exclamou ela – você está ficando ousado...
     - Não viemos aqui para que eu a alugasse para me falar do passado. Quero passear com você e curtir o dia.
     - Bem... eu... – ela não sabia bem o que dizer – para falar a verdade, já esqueci do que estava comentando mesmo...
     Continuaram a andar lentamente por entre as ruínas, mas agora estavam mais agarrados e andavam como se fossem adolescentes apaixonados. O que não deixava de ser verdade. Aquilo que ele fez para ela naquela noite em que sailor Júpiter foi bater a sua porta tinha sido a melhor demonstração de corte que alguém já tinha lhe feito.
     Olhou um pouco para as ruínas e lembrou-se de como eram antes. As fontes, os caminhos limpos, aplainados e confortáveis...
     Mas não conseguiu manter este pensamento por muito tempo. Logo sua mente voltou para a época em que andou "passeando" pelo tempo, quando conheceu Sohar, Gammy, Serenity e Kronos. Das aventuras que tiveram juntos, das alegrias e tristezas destas...
     Também se lembrou das sailors lunares – as sailors lunares originais – com sua própria linhagem e reinos, extintos por Chaos. Não demorou muito para que sua mente se concentrasse nas crianças e o fato de que não poderiam ser sailors lunares. E no entanto, eram.
     E isso por sua vez a levou a pensar no broche estelar, a única coisa que acabou sendo salva da Cidade Dourada além do cetro Solar.
     Estava muito pensativa quanto a Anne... suas habilidades eram bem mais avançadas do que as das outras jovens sailors. Muito mais! Tinha quase certeza de que era ela quem devia estar carregando o broche estelar em seu coração puro. Ele devia estar lhe dando essa capacidade extra para controlar suas habilidades. Habilidades que a deixavam quase que em pé de igualdade com uma inner.
     Todas as outras eram muito inferiores ainda. Mesmo as filhas de Lita – excluindo Joynah – tinham habilidades impressionantes mas limitadas. Não era difícil desviar de seus ataques ou supera-las fisicamente. Isoladamente não eram realmente oponentes para as sailors mais experientes. A não ser a sailor Terra e sailor Titã. A sailor Terra porque nasceu assim, tanto que por brincadeira chegaram a chama-la de menina borboleta devido a suas asas transparentes. Cresceu e se desenvolveu com estes poderes, o que a deixou com muito controle sobre os mesmos. Mas Titã... essa era sailor há muito pouco tempo. Como podia usar seu ataque máximo assim de cara? Como foi possível que instintivamente tenha conseguido invocar todos os poderes que possuía?
     Os elementares emotivos de Titã... foi assim que Sohar os tinha chamado. Com eles ela podia curar, erguer um escudo impenetrável de defesa, ampliar o ataque de outra sailor ou simplesmente usar um poder de devastação que bem poderia ser pior que o seu próprio. Era poder demais para alguém jovem manipular assim de forma tão direta.
     Claro que havia outra explicação além dela ser a portadora do broche estelar... podia muito bem ser o resultado da combinação genética de suas progenitoras. As sailors Urano e Netuno. Ela era tecnicamente filha de duas princesas poderosas. Isso nunca tinha ocorrido antes... unir duas descendências de uma forma tão direta assim. O motivo dos defensores dos planetas serem apenas mulheres era para evitar isso... uma união direta entre dinastias diferentes.
     E quanto a Herochi e Yokuto? Eles não deviam ter nascido com poderes herdados da mãe, ainda que ela estivesse transformada quando eles foram concebidos. A habilidade é latente nos homens, apenas as mulheres poderiam desenvolve-la.
     Mas eles desenvolveram estas habilidades... assim como Joynah. E todos na mesma idade. Tudo bem que tenha ocorrido com Joynah... talvez fosse devido aos genes de Sohar. Mas porque com os rapazes também? O que teria sido alterado nelas que permitiu que a nova geração pudesse ser assim?
     As meninas não poderiam ser novas sailors... seriam no máximo herdeiras dos poderes de suas mães. Os filhos de Ray não deveriam ter poderes! Estes seriam da primeira mulher que nascesse daí em diante. Talvez de sua primeira neta. Esta seria a nova sailor Marte. Joynah deveria ter sido a nova sailor Júpiter, Rita e Suzette deveriam ser as novas sailors Vênus e Mercúrio. Nunca poderiam ter recebido os poderes das sailors lunares. Poderes estes que estavam esquecidos e praticamente moribundos, tal como o broche da Terra e o broche Estelar.
     E a única pessoa além dela que podia saber sobre isso jamais demonstrou qualquer tipo de surpresa. Sequer se preocupou com isso. Bom ela também não deu muita atenção a isso no começo. Eram filhas de sailors... portanto, nada mais lógico do que serem sailors também.
     Joynah nasceu filha da sailor Júpiter... fato comprovado pelo fato de suas irmãs terem nascido perfeitamente normais. E endossado com o nascimento dos filhos da sailor Marte.
     Tudo perfeitamente explicável. Tudo facilmente aceitável... até Orion lhe fazer perguntas na noite passada. Perguntas sobre o que Ray e Afonso estavam conversando... porque de te-la chamado de princesa... o porque dela própria também ser uma princesa – aquele computador delator de seu castelo! Tinha que chama-la de princesa de Plutão sempre que ia até lá? Foi fácil explicar isso quando ele tinha ido estudar um pouco da tecnologia do antigo Milênio de Prata. Bastou dizer que no seu tempo ela tinha sido uma princesa. Agora explicar o porque de Ray – que tinha renascido na Terra – ter o mesmo título foi impossível sem simplesmente falar a verdade.
     Bom, agora ele sabia. Sabia sobre todas as princesas, mas não de toda a verdade. Será que era justo não lhe contar? Estava sendo justa em não compartilhar com ele suas dúvidas de agora? Dúvidas que acabou levantando quando se lembrou de como funcionava a forma de transferência de responsabilidades e poderes de uma geração para outra?
     As sailors lunares nunca poderiam ter ressurgido! Sua descendência foi extinta na grande guerra antecessora a fundação do primeiro Milênio de Prata. Não havia nenhum parentesco entre essas crianças e àquelas que ostentavam estes títulos antes.
     Como podia ter acontecido? Onde estava a diferença desta geração?
     Porque Sohar não lhe respondia o que estava errado? Porque não explicava essa falha nas suas heranças? A única que tinha herdado corretamente a função de sua antecessora foi a pequena dama. Porque as outras não? Teria algo a ver com os maridos das sailors terem também seus próprios poderes? Se fosse assim... então se tivesse filhos com Orion estes também teriam habilidades de nascença.
     Talvez...
     - Não consegue ficar cinco minutos sem ficar preocupada com alguma coisa?
     Ela o olhou e deu um sorriso simpático. Logo em seguida lhe deu um beijo bem gostoso.
     - Leva tempo para mudar um hábito cultivado por séculos – respondeu – mas eu aprendo – deu-lhe um outro beijo – só preciso de um bom e paciente professor...
     - Está me indicando para isso?
     Ele estava sorrindo para ela. Um belo sorriso. Naquele instante Setsuna esqueceu completamente suas preocupações e dedicou-se a fazer algo que ainda era de extrema novidade para si. Sentir-se feliz ao lado de quem se sente apaixonada.
     - Vamos deixar as crianças passeando pelas ruínas e fazer nosso próprio passeio, está bem?
    


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