Metal contra as Nuvens escrita por giveluvbadname


Capítulo 1
Atitude




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"Viajamos sete léguas
por entre abismos e florestas
Por Deus, nunca me ví tão só
É a própria fé o que destrói
Estes são dias desleais..."

O Santuário não era e nem seria mais o mesmo depois da última batalha. Todos estavam envolvidos na reconstrução do lugar, mas a verdade era que se sentiam estranhos. Eram muito gratos pela nova chance de viver, mas ajustar-se àquela paz toda depois do que passaram estava sendo mais complicado do que se pensava. Saori fazia o que podia para mantê-los animados, mas percebia que todos alí tinham dificuldades em retomar os laços de antes. Eles mal se falavam, evitavam-se o tempo todo, era como se quisessem se isolar mesmo. O único tempo que podiam chamar de convivência era quando eram chamados em reunião por ela, mas assim que terminava, cada um ia para um lado.

E aquela tarde quente de verão não estava sendo diferente. Assim que Saori deixou o salão - ela mesma parecia saturada daquele clima - cada cavaleiro seguiu para um lado. Alguns ainda se despediram timidamente entre si. Milo chegou a cruzar o olhar com Saori, e a frustração que viu nos olhos da moça refletia a dele mesmo. Saiu do salão ainda mais frustrado, consigo mesmo, com os companheiros e principalmente com "Ele".

"Ele", que era sempre tão racional, tão comedido em suas emoções e ações. Deveria estar agindo de forma diferente, deveria estar tentando pelo menos melhorar os ânimos. Não eram inimigos, mas agora sequer chegavam a ser companheiros. Milo não entendia o porquê da atitude de alguns deles. Experimentaram a morte, a separação eterna, e agora que tinham a chance de viver novamente, de fazer as coisas direito, agiam daquela forma.

Milo andou por muito tempo, como fazia quando era obrigado a deixar seu templo para atender às reuniões, mal notou que não estava só. Havia alguém caminhando quase que ao lado dele. Era "Ele". Seu "amigo desde sempre". Camus andava com as mãos nos bolsos. Olhava para a frente, mas Milo percebeu que de tempos em tempos o amigo olhava para ele disfarçadamente. Aquilo foi a gota d'água.

"Chegar mais perto e falar comigo não vai tirar a sua vida, Camus."

Camus baixou o olhar e se aproximou timidamente de Milo. Os dois continuaram caminhando, agora lado a lado, por mais um tempo. Milo queria que ele começasse uma conversa, que dissesse qualquer coisa para quebrar aquele silêncio, mas pelo jeito seu amigo não queria falar. Tudo bem, já se sentia bem contente por ele ter se aproximado sem que isso fosse uma ordem da Deusa. Mas ele queria falar com Camus. Nem que ficasse falando sozinho, tinha que falar com ele.

"E o seu templo... está tudo ok por lá?"

Camus fez um sinal afirmativo com a cabeça. Milo percebeu que ele tinha o esboço de um sorriso, que logo se apagou. Resolveu continuar tentando.

"E a armadura? Saori disse que Mu já terminou a sua..."

"Está recuperada." - Camus respondeu.

Caminharam mais um tempo em silêncio. A revolta crescia em Milo a cada minuto. Quanto tempo mais? Por Milo, nem um minuto sequer. Ia acabar com aquela palhaçada, mesmo que isso significasse perder de vez qualquer chance de convivência entre eles.

"Camus, pára." - Milo falou alto, e Camus parou alguns passos adiante - "Por que está fazendo isso? Por que todos estão agindo desse jeito?"

Camus virou-se para Milo e viu a súplica e um bocado de revolta nos olhos do rapaz. Nada respondeu, não sabia como dizer o que se passava em sua cabeça. Milo não esperou.

"Puxa, pra que é que estamos aqui vivos se vamos viver assim isolados? Pra quê isso, Camus, me diz!"

Milo chegou mais perto e Camus não se moveu de onde estava, apesar de temer imensamente os próximos movimentos de Milo. Ele sabia, podia sentir. Só não sabia como reagir.

"Se você soubesse..." - Milo levou uma de suas mãos na direção do rosto do amigo, mas não o tocou - "Camus, a primeira vez que você..." - Afastou-se, virando as costas, tentando manter um mínimo de dignidade enquanto falava - "A primeira vez que você se foi, se você soubesse como foi... doloroso ver a casa de Aquário vazia daquele jeito..." - Milo tomou fôlego, tinha a voz embargada - "...e saber que você não ia voltar, aquilo foi horrível. Estar vivo não significava nada, nem mesmo pela Deusa. Doía demais a certeza de nunca mais te ver, Camus."

Silêncio. Milo, de costas, sentia a presença imóvel do amigo, sabia que ele ainda estava ali e que o ouvia. Decidiu continuar, aproveitar aquela chance única de deixar sair o que sentia de uma vez, afinal, se bem conhecia Camus, quando terminasse jamais se falariam novamente, não que estivessem se falando, claro.

"Quando você morreu daquela vez eu não tinha tido ainda a oportunidade de te falar. Éramos amigos, lembra? Você me ensinou um monte de coisas. Eu sempre te fazia rir com as minhas palhaçadas. Era bom te ver rindo, mesmo que fosse da minha cara. Deixei passar o tempo, deixei as coisas como elas estavam, apenas porque sabia que no dia que eu te dissesse que..."

Milo parou quando sentiu os braços de Camus o envolverem num abraço, e ouviu a voz baixa do amigo bem perto de seu rosto.

"Eu me lembro, sim... me lembro de querer estar perto de você o tempo todo. De ficar esperando você voltar das suas noitadas e te dar uma bronca só pra ver a sua cara de arrependido... de ouvir as suas histórias malucas e... e querer me matar de ciúmes, mas ainda assim rir das partes engraçadas... eu me lembro que sempre fomos amigos, Milo, e que antes de partir desse mundo eu quis tanto te dizer... te dizer que te amava..."

Milo sentiu uma lágrima quente tocar seu ombro, enquanto as suas próprias lágrimas embaçavam sua visão. Estava, antes de tudo, surpreso com o rumo que aquela conversa havia tomado. Camus virou-o para que pudessem se olhar, e Milo viu medo nos olhos do amigo. Ainda que hesitante, Camus continuou.

"Eu não consigo pensar que vai ficar tudo bem. Acho que ninguém está conseguindo. Talvez seja esse o motivo de todos estarem tão distantes. Eu falo por mim, não suportaria perder mais ninguém. Sei que somos guerreiros, sei que nossas vidas valem pouco ou nada neste mundo. Eu não quero... não quero te ter e te perder em seguida, mon ange, eu não suportaria... me desculpe..."

Beijaram-se alucinadamente. Esqueceram-se momentaneamente da conversa que estavam tendo, do sofrimento que passaram, das pessoas que possivelmente estavam olhando, de tudo. Apenas sentiam-se um ao outro, sentiam a falta do tempo que perderam, sentiram mais do que nunca a falta um do outro. Camus acariciou levemente o rosto de Milo antes de interromper o beijo. Olharam-se por alguns instantes, deixando que as últimas lágrimas rolassem por seus rostos, agora um pouco mais aliviados.

"Camus, eu..." - Milo segurou fortemente uma das mãos de Camus - "...eu também não quero te perder... juro, eu não agüentaria, não de novo... mas também não quero sufocar o que sinto por você por causa desse medo. Já me arrependo demais de ter perdido tanto tempo... você me quer?" - Camus acenou levemente com a cabeça - "Então não me peça desculpas, apenas... apenas fique comigo. Não me deixe mais... e se a morte vier buscar um de nós qualquer dia desses, pelo menos vamos ter coisas bonitas pra contar..."

Camus puxou Milo para um abraço e ficaram alí mesmo na escadaria, sentados, apenas apreciando a presença um do outro. Agora Milo não mais se incomodava com a falta de palavras, porque sabia que não significavam indiferença ou frieza. O silêncio deles agora era apreciativo, era o silêncio bom de quem não precisa de palavras para entender ou ser entendido. Era o silêncio de quem ama e sabe ser amado.

"E nossa história
não estará
pelo avesso assim
sem final feliz

Teremos coisas bonitas pra contar...

E até lá
vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos

O mundo começa agora...
Apenas começamos"


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Notas finais do capítulo

A música é "Metal contra as nuvens", da Legião Urbana. Capítulo escrito em 15/10/2005.



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