"Sinto algo tão bom

Fazendo a coisa errada

Eu sinto algo errado

Fazendo a coisa certa

Eu poderia mentir, poderia mentir, poderia mentir

Tudo que me mata me faz sentir mais vivo"

– OneRepublic (Counting Stars)

Pov. Austin

Toc,toc. O som de alguém batendo na porta de meu quarto me acordou. Meus pais deveriam ter voltado de viagem. Mas eu não estava nem aí pra isso. Pensava na Ally,e no que "quase" aconteceu ontem ... Cara,não acredito que no último dia ela recusou o beijo. Depois disso,ela apenas se levantou rapidamente,pegou sua mochila que estava em cima de uma mesinha do lado do pequeno sofá que estávamos sentados e foi embora.

Assim como no dia em que nos beijamos no corredor da sala,ela fugiu. Saiu correndo feito uma louca,e eu nem tentei chamá-la de volta. Eu sei que ela não daria ouvidos. Sorri,totalmente sozinho no quarto. Eu gostava desse jeito dela. Esse jeito quieto e misterioso. Tenho certeza que ela também queria aquele beijo. Mas o fato dela recusar tornava as coisas incrivelmente interessantes ...

Toc,toc. Mais uma vez. Dessa vez,mais forte. Me revirei na cama. Finalmente levantei e abri a porta. Minha mãe me encarava com uma cara nada boa. Será que ela estava me chamando ali a muito tempo ?

– Finalmente ! - ela exclamou - Não deveria dormir até essa hora,mesmo que seja sábado.

– Eu sei - disse totalmente desinteressado. Nada disse de "Oi filho,como você ficou esses dias ?"

– A propósito,está tudo bem ? - ela perguntou.

Passei uma das mãos nos olhos como se me ajudasse a ficar mais atento.

– Claro - disse, apenas.

Pelo menos minha mãe parecia se importar um pouco mais comigo do que meu pai. Que aliás,nem sequer me vê direito ou vem falar comigo. Depois de um tempo parei de me importar com isso. Simplesmente perdi o interesse em saber mais sobre seus negócio e ele claramente não tinha mais outro assunto para conversarmos. Dei de ombros enquanto me lembrava desse pequeno "detalhe".

– Ah,filho - ela me chamou de volta assim que eu já tinha me virado para voltar ao meu quarto - Hoje á noite,iremos jantar na casa do Jimmy. Então,esteja pronto as 7.

Meu pai trabalhava com Jimmy - pai de Kira - e digamos que era meio bajulador.

– O que ? - perguntei - Eu odeio esse tipo de coisa,mãe !

– Como assim ?

– Toda essa bajulação,você sabe do que estou falando.

– Apenas seja bonzinho,ok ? E logo já vai ter acabado.

Ela veio até mim e passou as mãos pelos meus cabelos como se tivesse tentando arrumá-los. Sorriu carinhosamente e saiu. Não acredito que vou ter que aguentar Kira e suas idiotices no jantar. Bom,pelo menos,eu vou ver a Ally. E dessa vez,ela não vai ter como fugir de mim.

Pov. Ally

Eu definitivamente não deveria ter atendido o telefone. Pelo menos,não teria que estar nesse momento ouvindo a idiota da minha irmã mais velha,Lindsay,falando sobre como eu e minha mãe estragamos a vida do meu pai.

– E graças a vocês as coisas pioraram !– ela praticamente gritava do outro lado do telefone.

– Foi você que escolheu ficar aí,eu não tenho culpa disso - disse tentando estar no tom mais calmo possível. O que era realmente difícil já que nós duas nunca nos demos bem.

– Mas vocês poderiam estar aqui para ajudar ! E você deveria ser mais gentil com ele,Ally. E agora,papai perdeu quase todo o nosso dinheiro na porra de uma aposta !

– Você fala como se fosse minha culpa !

Acontece que Lindsay realmente acha que nosso pai - que sempre foi viciado em jogos - não estaria nesse ponto,se Penny e eu tivéssemos ficado em casa. Mas a culpa não é nossa,apenas não aguentávamos mais aquela situação.

– Se estivesse aqui,poderia estar nos ajudando. Poderia estar apoiando ele agora– ela falou bem mais calma,e por um momento pensei que ela estivesse chorando.

– Desculpa,maninha - falei num tom irônico - Vai ter que se virar sozinha.

E desliguei o telefone. Sem esperar por uma resposta. Ela provavelmente deveria estar furiosa nesse momento. Se estivesse do lado dela, poderia tirar sarro falando sobre a "fumaça" saindo de sua cabeça.

– Ally,isso não é certo - Penny que até agora andava sem parar pelo quarto parou para me repreender - Sua irmã precisa de ajuda.

– Ela tem 20 anos. Pode se virar sozinha.

– Não seja tão dura. Seu pai também não está numa fase fácil - ela disse abaixando os olhos e vindo se sentar na cama a minha frente.

– Você fala como se você se importasse com ele - disse,mais uma vez,dura e fria.

Ela fechou os olhos com força e depois os abriu e me encarou.

– Você não pode falar isso ! - ela exclamou elevando um pouco o tom de voz - Não,nesse momento - ela se levantou - Vou dar um jeito de mandar algum dinheiro para Lindsay.

Meus olhos se arregalaram.

– Penny ! Mal temos dinheiro pra gente,ainda moramos de favor,e você quer tirar o pouco que temos pra dar pra ela ? Que só sabe nos xingar agir como uma garota mimada ? - perguntei levantando da cama e indo até ela.

– Logo eu vou dar um jeito nisso,já estou fazendo entrevistas para novos empregos. Vai dar tudo certo. Mas é a sua irmã,minha filha também,e precisa de ajuda. Não estou fazendo isso pelo seu pai.

– Ainda não acho certo - murmurei de braços cruzados.

– Tudo bem - ela disse erguendo os braços - Eu não vou mais falar nada. Pode ficar aí,no seu mundinho onde ninguém consegue entrar. Não se preocupe com isso,eu dou um jeito sozinha - ela disse com a voz mais baixa,mas ainda estava muito enfurecida.

Deu passos longos até a porta,a abriu e fechou quase ao mesmo tempo. Ela com certeza estava brava. Voltei para minha cama. Me deitei a abracei o travesseiro. Não,eu não estava errada. Eu tinha minhas razões para achar que Lindsay podia se virar sozinha.

Mas não se tratava mais apenas de isso. Podia ver nos olhos da minha mãe. Se tratava da maneira como eu negligenciava qualquer contato com Lester. E eu sei que no fundo,ela se sente culpada por ter ido embora,e também por ter me levado com ela. Por mais que a decisão tenha sido minha. De repente parecia como se tudo o que vivi nos últimos anos estivesse passando pela minha cabeça como um flash.

Tive momentos em família,tive brigas com meus pais,com minha irmã. E por mais incrível que pareça - e também totalmente estranho para mim - teve uma época em que eu tinha amigos. Mas eu ignorei a todos. Assim como ignorei meu pai quando ele precisava de ajuda. Assim como ignorei minha irmã. Assim como ignorei todas as lembranças e memórias que nesse momento,estavam me perseguindo outra vez. Abracei o travesseiro mais forte e fechei meus olhos. Não,eu não iria chorar. Foda-se ,pensei quando senti algumas lágrimas fugindo de meu rosto.

Pov. Austin

Meu pai olhou para mim pelo retrovisor do carro. Sim,já estávamos a caminho da casa da família Starr,e eu realmente não estava nem um pouco animado com isso.

– Lembre-se de ser gentil,ok ?

Minha mãe passou quase todo o caminho falando sempre a mesma coisa. Gentileza,educação,e que eu tinha de sorrir e conversar direito com a Kira. Isso é realmente um inferno. Quem é que consegue aguentar a Kira e sua vozinha irritante por mais de 5 minutos ? Certamente eu não conseguiria.

Desviei do olhar duro e frio que ele manteve em cima de mim por um segundo.

Tentei pensar que pelo menos nesse jantar,eu veria Ally. Poderia implicar com ela,e fazê-lá ficar brava. E ela ficaria,não de verdade,eu sei que ela está mentindo quando fala que eu sou um idiota e que me odeia.

– Chegamos - ouvi a voz de meu pai pela primeira vez naquele dia.

( ... )

Até agora,o jantar está sendo exatamente como eu imaginei. Chato. Meus pais pareciam estar falando em outra língua com a família Starr. Como se estivessem tomando cuidado para serem o mais bajuladores possíveis. E eu ... Bom,tenho certeza de que minha cara não está das melhores.

Kira está sentada bem ao meu lado tagarelando sobre a escola,suas amigas e outras coisas que eu nem mesmo fiz questão de escutar. Respondi algumas perguntas de Jimmy,sobre a escola e planos para meu futuro. Eu praticamente não tinha nenhum,mas vi minha mãe me olhar de canto como se já fosse repreender qualquer coisa que saísse da minha boca. Então,simplesmente disse que ainda estava "avaliando minhas opções" e acho que nunca disse algo tão esnobe na minha vida.

Pelo menos,foi o que pareceu pra mim.

Talvez também fosse por eu estar completamente desconfortável.

Ally não estava ali,o que me fez ficar completamente ansioso. Aonde ela estava ? Provavelmente trancado no quarto,pensei. Ela disse que nunca saía muito de lá. Mas sua mãe estava ali,em um canto afastado da mesa. Ela tinha um olhar triste e incomodado. E parecia que sua mente não estava ali,e sim em algum lugar bem distante. Duvido que ela tenha prestado atenção em algo que eles tivessem falado. E poucas vezes algo saía da sua boca. A observei por um pequeno momento. As semelhanças entre ela e a filha eram bem óbvias. Os cabelos castanhos,e os olhos eram o que mais se parecia. Mas também tinha traços muito presentes ao longo do rosto.

Depois do jantar - que pareceu quase eterno para mim - fomos até a sala de estar. Outra conversa chata se iniciou e eu mal podia esperar para aquilo acabar logo.

– ... ah,ela está no quarto. Não estava se sentindo bem - a mãe de Ally falou. Parecia estar respondendo a pergunta de alguém,mas como eu não estava prestando atenção,não sabia dizer quem era.

– Nunca está - ouvi Kira sussurrar,e parecia que estava falando comigo. Pela primeira vez naquela interminável noite,eu a olhei com um pouco mais de atenção.

– Como assim ? - perguntei

– Ela nunca está bem. Só vive trancada. Ela é uma idiota - Kira disse com seu ar superior idiota.

Se eu já não gostava dela antes,digamos,que agora minha impressão sobre ela piorou. Ela só era mais uma garota mimada,sabe ? Tenho certeza que não se importa com mais nada que não seja seu cabelo ou suas roupas.

Depois de uns 5 minutos,pedi licença para ir ao banheiro. Ficava no segundo andar,e depois de algumas pequenas instruções da mãe de Kira - que parecia incrivelmente mais gentil do que a filha - subi as escadas. Não,eu não iria ao banheiro. Eu queria ver o que tinha acontecido com a Ally.

Eu me lembrava exatamente aonde ficava o quarto dela e fui direto até lá. Na sala,todos - menos a mãe de Ally - pareciam animados com a conversa e nem notariam se eu demorasse um pouco mais.

Cheguei até a porta dela e bati. Uma ou duas vezes ... Mas ela não atendeu. Respirei fundo e abri a porta com cuidado. Bem devagar,entrei. Estava meio escuro,só a luz do abajur que ficava do lado da cama estava ligado. Acendi a luz do quarto,e logo vi aonde ela estava. Ally estava de costas,olhando para a varanda e se virou assustada quando percebeu que alguém havia acendido a luz.

– Austin ? - ela perguntou,perplexa. Ally não se moveu. Nem abriu mais a boca. Sua voz estava meio fraca e embargada,como se ela tivesse chorado.

– O que houve ? - perguntei.

Silêncio. Tudo ficou em silêncio por um longo minuto. Ela abaixou a cabeça e parecia olhar para o chão como se fosse a coisa mais interessante do mundo.

– Ally ? - a chamei.

– Eu só queria ficar sozinha - ela murmurou depois de um segundo.

– Por que ? O que aconteceu ? - perguntei,tentando insistir mais.

Ela não parecia nem um pouquinho bem. Dei pequenos três passos em sua direção,mas parei. E ela ainda não se movimentava. Queria poder envolvê-la em meus braços naquele momento.

E como se ela tivesse lido meus pensamentos,veio correndo até mim e me abraçou. Meus braços não exitaram em abraçá-la no mesmo instante em que ela se aproximou de mim. Então,ela começou a chorar novamente. E enfim constatei que ela não estava mesmo bem,até por que se estivesse,ela estaria tentando evitar qualquer tipo de aproximação nossa.

Ainda a abraçando,a levei até a cama e nos sentamos lá.

– Ally,o que houve ? - perguntei mais uma vez. E esperei não estar pressionando muito ela.

Ally me olhou nos olhos,e pude ver seu rosto um pouco inchado e as lágrimas ainda escorrendo sem parar. E naquele momento,eu quis poder entendê-la melhor. Quis poder ajudá-la. A ver chorando foi provavelmente a única coisa que partiu meu coração.

– Eu ... - ela se perdeu nas palavras. Não sabia por onde começar.

Ela se deitou na cama,e me encarou novamente. Limpei algumas lágrimas de seu rosto. Pareceu ter se passado mais um minuto,até que ela disse :

– Fica comigo essa noite ?