Não me lembrava de nada.

Minha cabeça ainda doía, como se alguém houvesse me dado uma martelada. Só esperei que aqueles caras não tivessem feito isso. E algo mais.

Tentei abrir os olhos, mas ficava difícil ver algo com aquela visão turva. Tive vontade de dormir de novo, mas eu não havia me entregado aos sulistas para dormir.

Então me sentei e cocei os olhos.

- Senhorita? - uma voz perguntou, e olhei para o lado. Só então percebi que ele estivera sentado há um bom tempo do meu lado, numa cadeira.

Lendo um livro.

Na mesma hora, senti uma súbita raiva tomar conta de cada nervo meu. Mas que palhaçada era aquela, afinal? Um sulista musculoso e malvado lendo contos? Ah, fala sério. Aquilo era ridículo, completamente. Quis vomitar toda a raiva que sentia em palavras, mas tive de ser cautelosa. Ainda se tratava de assassinos. Nada mudara.

- Quem são vocês? - perguntei, com raiva.

Mas o cara riu.

- Pensei que já soubesse disso, senhorita America. - ele respondeu, olhando em meus olhos.

Ah, não, não, ele estava brincando com a minha morte, era isso?

- Qual o seu nome? - tentei recomeçar.

- Jason. - ele respondeu, para minha surpresa. 

Eu olhei para ele com os olhos apertados, esperando até onde iria aquela conversa.

- America, mas isso você já sabia. - afirmei, com uma pontada de sarcasmo na voz.

- A senhorita não parece a America de antes. - ele disse, rindo, e depois voltou ao seu livro. 

Só que aquilo já me irritara o bastante.

- Certo. - eu disse. - Senhorita? Mas que droga é isso, afinal? Quer dizer, é ridículo. Não vão simplesmente arrancar minha cabeça fora ou algo assim? Pra que essa cortesia? Isso está parecendo uma novela. - as palavras simplesmente pularam de minha boca, e quando dei conta do que havia dito, meu corpo estremeceu. Quando eu aprenderia a me controlar?

Mas para minha surpresa, Jason riu.

- Agora você é a America de antes. - falou, folheando o livro pacientemente. 

Só que sulistas não eram do tipo paciente. 

- Do que está falando? - perguntei, aflita. Ele parecia saber muito de mim. Até demais, na verdade.

- Esquece. - ele firmou a voz, e eu engoli em seco. Não quis ativar seu lado assassino. 

Recomecei a conversa.

- Tudo bem, tudo bem. - me desculpei, colocando as mãos para cima. - Só não me matem. - pedi, esperando que meu humor ajudasse. - É que você não é o que eu... - escolhi com cuidado as palavras. - pensei.

Jason sorriu.

- Eu não a culpo, - ele deu de ombros. - sei que é o que vocês pensam de nós.

- Vocês? - perguntei.

- Cidadãos de Illéa. - Jason respondeu, despreocupado. - Clarkson nunca foi mesmo de muito caráter. É o mínimo que nos aconteceria. - ele havia mesmo dito isso?

- Hein? 

- Você sabe, - ele falou com as sobrancelhas arqueadas - que o rei não é lá essas coisas. Não é a favorita de Maxon? - alguns segundos pairaram na conversa. - Então deve saber. - ele falou, olhando para o livro. 

Por Deus, quem era aquele cara?

- Como assim? - continuei. Provavelmente ele achou graça de eu estar o interrogando, mas logo retomou a postura.

- Não é algo do qual lhe interesse. - falou, com um meio sorriso nos lábios.

Ótimo. Então era isso. 

- Claro. - engoli em seco. - Onde estamos?

Jason me olhou e balançou a cabeça.

- Caramba! - eu reclamei, batendo na perna. Então me inclinei para ele.

- Jason, por favor, me diga algo sobre qualquer coisa que me certifique de que não me entreguei à morte á toa. - implorei o mais sinceramente que pude.

Ele me encarou por uns segundos, curioso. Então se inclinou para mim, olhando para os lados, e sussurrou:

- Não somos quem você pensa que somos. - ele olhou para os lados mais uma vez. - Mas não abuse. - suspirou. - Olha, talvez possamos ser amigos, se você souber jogar. - ele disse, olhando para a porta. - Não comigo, com eles. 

Então Jason se levantou de sua cadeira e andou em direção a porta, abrindo-a. Dois homens de preto entraram, e Jason saiu. Senti medo e quis gritar para que ele não me largasse á própria sorte, mas isso não fazia parte nem do meu nem do plano dele. Portanto, era apenas eu e minha lábia a partir daquele momento.

- Sente-se. - um dos homens me ordenou. Ele era o mais alto, com uma estrutura robusta e voz de trovão. Como estava vestido numa farda preta pesada cercada de fuzis no cinto e máscara no rosto, não pude ver nada mais. O outro homem apoiou-se na parede, cruzando os braços. Meu corpo estremeceu e tratei de sentar imediatamente. 

Mas eu não estava completamente perdida. 

Jason havia dito que eu só precisava jogar. E aí, saquei. 

Era hora de tirar de cena a America Singer. E por em cena outra pessoa.

America, a Selecionada.

Eu estava pronta para jogar.