Apartamorte escrita por SamHBS


Capítulo 2
A água rubra da piscina 2/5


Notas iniciais do capítulo

Leiam e deixem um review.



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Hoje acordei bastante confuso. É uma sensação terrível. Toda vez que eu acordo, sinto remorso dos meus sonhos. Lavei meu rosto e fui tomar café da manhã com meu pai. Sentei-me a mesa e comecei a conversar com ele. Peguei o pote de requeijão e falei, enquanto passava-o na torrada:

– Eu acho que eu tive um pesadelo terrível hoje.

– Você acha que teve um pesadelo terrível hoje? – Ele respondeu, me encarando.

– Acho.

– Como foi?

– Eu tinha chegado ontem a noite em casa e você perguntou se eu tava bem. Eu não entendi, então você me falou que um morador do prédio, é... O nome dele acho que era Lucas, então você me disse que ele tinha morrido na sauna do prédio. Um assassino prendeu ele lá.

– Simon – Fez uma pausa –, é isso mesmo.

– É o quê?

– Esse sonho que você me contou não é um sonho, aconteceu de verdade.

Droga. Não foi um sonho.

– Ai meu Deus! Como... Crueldade... Que pena do homem... – Eu disse.

– Pena não... Como alguém conseguiu se infiltrar nesse prédio e cometer uma crueldade dessas? – Respondeu meu pai.

– As câmeras... A polícia já viu as câmeras? O que elas registraram?

– Registraram nada.

– Tá, mas mesmo assim... Nenhum morador viu nada?

– A polícia está investigando isso, mas pelo visto ninguém viu nada. Isso me dá...

– Medo? Eu estou morrendo de medo agora...

– O pior é a mensagem que ele escreveu na parede da sauna... Parece que ele não queria acertar as contas somente com o Lucas.

– Ruindade...” Bem-vindos ao pesadelo”... Porque ele fez isso...

– Também fiquei pensando porque ele fez isso.

– É... Eu estou sem palavras pra descrever meu medo.

Se tudo isso bastasse, a campainha não tocaria essa hora. O medo tomou conta de mim. Eu poderia muito bem levantar e abrir a porta, mas uma força interior me disse que eu deveria raciocinar antes. Quem poderia ser? Passei a observar a metálica maçaneta da porta. Poderia rodá-la, escutar o ruído, puxar a porta e levar muitas facadas nas costas. O assassino estaria a minha espera. Pegaria sua faca e começaria a rasgar cada célula do meu tecido, enquanto eu esperaria pela morte, até a facada certeira, no coração. Tudo estaria acabado.

Poderia, também, roçá-la, abrir e dar de cara com o policial, que me falaria que acharam o safado do assassino. Mas não. As partículas de ar meramente poluídas não me deixavam pensar no que fazer...

De repente, uma luz brilhou no meu interior. E se houvesse uma solução para tudo? Como eu poderia saber quem estava do outro lado? Perguntar “quem é” seria uma atitude burra. Chegar perto de mais colocaria minha vida em risco. Passou, porém, uma visão, uma solução para os meus problemas: o olho vivo da porta.

Levantei-me da mesa e comecei a dar lentos passos em direção à porta. Pisava e minha sombra me seguia. Um inteligente pensamento, entretanto, veio a minha mente. Uma coisa muito clichê que todos que passassem por essa situação já teriam percebido. Era só colocar o meu olho naquele olho vivo da porta que meu olho seria atravessado por algum pedaço de metal, uma faca, um ferro quente. Isso era óbvio, mas não havia outra forma. Teria que tomar coragem e ver quem tocou a campainha.

Meu olho foi se aproximando lentamente da porta. Quanto mais perto eu chegava, mais o medo tomava conta de mim. Estava me despedindo da vida. Cheguei perto o suficiente, e os raios de luz começavam a atravessar minhas pupilas e a imagem começava a se formar.

Ufa!

Lá estava Heather, minha vizinha, minha amiga. Eu abri a porta.

– Eu sei como você deve estar se sentindo. – Adiantou.

– Eu sei que você sabe que eu vou falar que você não sabe. – Deixei claro. – Alanna e Jordan não eram meus melhores amigos, mas eu gostava deles. Estou muito triste com a situação. Eles morreram de formas brutais. No shopping, eu senti que estava bem perto deles, mas não consegui salvá-los.

– Simon, vamos conversar lá em baixo.

Chamamos o elevador e a porta se abriu. Entramos e continuamos a conversar. Eu morava no décimo andar. Porém, eram nove andares para descer. Eu continuei falando.

– Heather, eu estou um pouco confuso. Duas mortes anteontem, uma ontem.

– Mas você acha que elas estão relacionadas?

– É claro que estão! – Exclamei.

Antes que pudesse continuar, interrompeu-me ela.

– Como você tem tanta certeza?

No exato momento, gelei. Sabia que tinha uma resposta rasgando minha alma para sair, mas não conseguia raciocinar. O que seria? A luz da resposta começou a se aproximar de mim, cada vez mais perto, vinha ela ligeira. Quando ia pegá-la, a porta do elevador se abriu.

– Aonde nós vamos? – Perguntei.

– Praça.

A praça ficava a duas quadras do meu apartamento. Era uma praça rodeada de desenvolvimento, prédios, comércios. Uma distração no centro do pesado sistema capitalista. Fomos andando. Eu voltei a falar.

– Agora, eu tenho medo do que possa acontecer. Tenho medo de tudo, do assassino, de mim. Eu não sei como fazer para superar a triste perda dos meus colegas. Alanna era uma gracinha. Jordan era meu braço esquerdo.

– Eu não sei ao certo o que te dizer, mas você pode contar comigo.

– Até quando?

– Como assim?

– Como eu poderei saber que você estará viva para me ajudar?

– Mas é claro que estarei!

– Como tem tanta certeza, Heather?

No exato momento em que disse isso, senti dedos cutucando meu ombro esquerdo e uma voz chegando aos meus ouvidos. Estava prestes a descobrir a pessoa que desejava falar comigo, ou com Heather. Ela, então, falou:

– A gente vai ter certeza se vamos estar vivos, ou não.

Era a voz de Catharine, uma conhecida do meu prédio, um pouco amiga de Heather. Ela voltou a falar:

– Aonde vocês vão?

– Praça Cuque de Daxias.

Andamos em silêncio até chegar na praça. Ao redor, prédios vidrados, com janelas que possibilitavam observar as pessoas estressadas que trabalham nos escritórios, digitando rapidamente coisas estúpidas da empresa no computador, fazendo contas, recebendo gritos do chefe, derramando café na roupa. Acima de tudo, estressando-se. Outras, escondendo a tela do computador, jogavam paciência. Haja paciência! O prédio ao lado, tão residencial quanto o meu. Com varandas que simulam uma liberdade inexistente, cortinas fechadas, tentando se esconder do resto do mundo. Pessoas que compram a vida que vivem. Não que isso seja errado, eu também faço isso.

Enfim! Em baixo desses prédios, uma loja de fast-food que vendem lixo com nome de comida, uma sorveteria para quebrar o calor do momento, uma livraria para fugir da realidade. Do outro lado da praça, o shopping, o bendito shopping! Lojas caras, roupas caras, comida cara, um lugar onde a vida perde o valor.

Pelo menos, as vidas de Alanna e Jordan perderam o valor nesse shopping. Sobre isso, eu e Heather viemos conversar nessa praça, e Catharine apareceu de repente. Sentamos numa mesa de xadrez, ao lado da estátua de Cuque, o herói de Daxias, cidade que nem desse estado é. Não sei o motivo dessa homenagem.

– Que coincidência você nos encontrar aqui, Catharine. – Disse Heather.

– Não foi coincidência. Eu segui vocês.

– Por que os seguiu? – Perguntei.

– Porque eu estou disposta a descobrir a identidade desse assassino. Nem que seja para morrer, eu não serei morta por um anônimo, fraco.

– Ele matou meus amigos...

– Simon, não fique assim! – Insistiu Heather, massageando meus ombros.

– Eu vou descobrir quem foi. – Disse Catharine. – Na verdade, a gente vai descobrir quem foi. Eu vi a foto dos seus amigos no jornal e lembrei que já encontrei com você e eles no elevador. Desde então me veio a vontade de acabar com esse cara. Quando o morador do nosso prédio foi queimado na sauna, então...

– Catharine – Interrompi. –, eu sei que a sua intenção é boa, mas isso é caso pra polícia.

– Mas...

– Mas nada! – Gritei!

Ela encolheu suas expressões. Continuei:

– Eles mataram meus amigos! Não quero ser morto também! Não quero que mais ninguém morra! Não quero ver o rosto de Heather, o seu, o de David, do meu pai ou de qualquer pessoa que ainda me resta no jornal! Não quero ver minha cabeça em um saco!

Ela pensou. Eu poderia ter sido mais educado, mas, no momento, eu precisava dizer isso. Catharine veio repleta de boas intenções me ajudar, mas descobrir a identidade do assassino colocaria a minha vida e a de Heather em risco. Eu pensei bem e disse para ela:

– Catharine, eu vou pensar. A única coisa que eu preciso é pensar.

– Tudo bem então.

Ela se recolheu, saiu e foi andando em direção à rua do nosso prédio. Heather continuou a conversar comigo, enquanto as folhas das árvores caiam ao chão.

– Simon, você pode tentar descobrir a identidade do assassino, pode tentar deixar isso de lado, que eu sempre estarei do seu lado.

Heather me abraçou.

– Obrigado. – Eu disse.

O tempo foi se passando. Eu fui para o meu apartamento, e Heather, para o dela. Fui deitar na minha cama para ter um pouco de privacidade e pensar um pouco.

Pensando, cheguei a conclusão de que meus amigos, Alanna e Jordan tiveram um fim mais feliz. Morrer como Lucas, queimado na sauna, é bem pior. Imagino o seu sofrimento, ao ver que ela estava esquentando de mais, e, ao puxar a porta, ela não abrir. Deve ter chutado, socado, gritado, enquanto seu poros estouravam. O assassino poderia ter tido um pouco de piedade. Aumentou a temperatura aos 100ºC e o trancou. Isso leva a entender de que ele não quer simplesmente matar as pessoas, ele deve ter algum problema psiquiátrico.

Depois de pensar, cochilar, ter a estranha sensação de estar caindo e acordar com um susto, levantei-me da cama.

Enquanto descansava no meu apartamento, uma moradora do décimo andar chegou do trabalho às 18h. Cansada, decidiu tomar um banho de piscina para ver o sol se por. Primeiro, vestiu um maior e desceu de escadas até a área de lazer, para ver se o exercício físico a relaxaria. Abriu a porta das escadas, andou um pouco, saiu da sombra do prédio e viu o céu se escurecendo. Andou mais um pouco, e passou do lado da porta da sauna que Lucas morreu. Estava interditada.

Que coragem! O mais seguro agora seria todos os moradores permanecerem em seus lares. Eu, porém, considero a coragem uma virtude.

A piscina se localiza em uma parte mais alta do que o resto da área. Para acessá-la, há umas escadinhas. Mary subia com passos lentos, enquanto começava a avistar a água. Existe uma cerca de vidro que separa a área da piscina do resto do local, que deve ser uns dois metros mais baixo. Nesse resto, se localiza também, um jardim, com muitas flores bonitas e cheirosas, que podem elevar a autoestima de qualquer pessoa. Também, umas pequenas palmeiras.

De cima, Mary viu por detrás das palmeiras, um pouco abaixo da cerca de vidro, um rosto totalmente branco, com o preto nos olhos e numa lágrima, que dá um tom melancólico. A alucinação, talvez, causada pelo medo que ela não sabia que tinha.

Ignorou isso, e desceu as escadas da piscina lentamente, enquanto a água fria parecia congelar os suas pernas, a sua cintura, o seu pescoço. Até que mergulhou e voltou à superfície da água, puxando bastante ar. Decidiu nadar mergulhando até o outro lado da piscina. Assim se fez. Mergulhou e foi até o outro lado da piscina, até que ia levantar. Ela fez a força para levantar.

O que estaria acontecendo? Mary sentiu uma dificuldade de levantar. Depois, alguma coisa prendendo os seus pés. Nesse momento, tornou-se desesperada. Começou a tentar chutar o que não observava, soltando bolhas de ar pela boca e com uma expressão aterrorizante. Torceu toda sua cabeça para trás a ponto de enxergar o quê, ou quem, segurava os seus dois pés.

Ela virou e se aterrorizou mais ainda! Enquanto sua vista escurecia, a única coisa que conseguia ver era a máscara branca com uma lágrima negra, segurando os seus pés para que não conseguisse sair de baixo d’água.

O assassino puxou os pés de Mary com toda sua força para se aproximar de seu corpo, até que tirou de seu bolso molhado uma faca, para perfura-la. Foi atacar a moça, mas ela foi mais esperta. Tomou a faca de sua mão, atacando sua barriga. Não conseguiu furá-lo, mas rasgou o pano preto que o recobria e cortou a pele de sua barriga, saindo um pouco de sangue. Ele gritou debaixo d’água. Ela aproveitou dessa deixa, para ir em direção a superfície e respirar o ar que necessitava.

Conseguiu. Puxou todo o ar que conseguia, esquecendo rapidamente do assassino. Chorando, apoiou seus braços na borda da piscina e saiu dela, permanecendo deitada no canto, sem forças, tentando olhar se o assassino estava mergulhado ou morto na piscina e se começaria a boiar. Ela olhou, porém, não viu nada. Nesse momento, o único sentimento foi o de pânico.

Virou de barriga para cima, chorando, tentando gritar, mirando as estrelas brilhantes do céu. Sua visão, todavia, foi tampada por uma máscara branca com uma lágrima negra. Essa pessoa estava com a faca na mão. Não estava passando a manteiga no pão. Estava levando em direção ao corpo de Mary. E foi isso que fez.

Jogou-a toda ensanguentada na água e tampou a piscina com a lona que protege da chuva.

A noite se passou, e ninguém nem viu, nem ouviu nada.


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Notas finais do capítulo

1) Eu realmente não consegui pensar em um nome melhor para a praça.
2) Garanto que o Capítulo 3 é melhor que o 2.



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