Como Se Livrar De Uma Vampira Apaixonada escrita por Rafa


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Gente, as coisas tem que acontecer assim. Desculpa se eu estou chateando vocês, mas eu não posso acelerar os acontecimentos. Enfim, não sei se vão gostar desse, mas é o que tem pra hoje.



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- Mindy, o que você está fazendo aqui – perguntei abrindo caminho pelas arquibancadas até onde ela estava.

- Eu poderia perguntar a mesma coisa – retrucou ela, sinalizando para que eu me sentasse ao seu lado.

Larguei a mochila e me sentei.

- Brody me convidou para assistir ao treino de luta – expliquei, acenando para ele. Brody piscou para mim, os músculos se avolumando quase como num desenho animado, mal contidos pelo macacão justo de lycra. – Por isso repito: o que você está fazendo aqui?

- Ah, não sei. – Mindy sorriu. – Às vezes eu dou uma passada, só para acompanhar o treino.

O ginásio era dividido para que equipes de vários esportes partilhassem o espaço. Os tatames de luta estavam desenrolados num canto, as líderes de torcida saltavam perto dos lutadores e o time de vôlei ocupava metade do piso brilhoso de madeira. O ar estava cheio de grunhidos e gritos das líderes de torcida, de guinchos de tênis e cheiro de suor.

Um apito soprou agudo.

- Fabray, venha para a quadra, droga! – A voz retumbante do técnico Ferron soou acima de todos os outros barulhos. – Você está há uma hora no bebedouro! Arrasta essa bunda de volta para o treino.

Fiquei mais empertigada, olhando quando uma romena de cabelos loiros correu vindo de um dos vestiários e entrou na quadra.

- Quinn está jogando?

- Se está... – Mindy suspirou , sonhadora.

- Mindy, é por causa da Quinn que você vem pra cá?

- Não é, tipo, um vício – protestou ela. – Talvez só uma ou duas vezes por semana. Mas poxa, olha só pra ela!

Enquanto assistíamos, Quinn acertou um saque forçado sem nenhuma dificuldade.

- Mas, ela ainda nem voltou para as aulas.

- É, eu a encontrei no corredor antes do treino. Ela disse que vai voltar às aulas amanhã. – Ela me lançou um olhar curioso. – Achei que você tinha dito que a perna dela estava quebrada.

- Estava machucada... – Ah, inferno. Eu havia desistido de tentar explicar os mistérios de Quinn Fabray. – Acho que agora tá melhor.

- E como.

- Mindy!

- Ah, olha ela de short, Rach. Tem uma pessoas que a gente quer que fique de roupa. Mas Quinn podia até tirar mais uma camada. Tipo, você não gostaria de ver o que tem por baixo daquilo?

De fato, o corpo por baixo das roupas devia ser praticamente perfeito – com exceção de outra cicatriz, uma marca longa, serrilhada, que cortava o bíceps direito. Como ela ganhou aquilo? E será que havia mais em outras partes do corpo? A perna esquerda, que tinha sido quebrada, exibia um grande hematoma roxo, o único sinal de que ela ainda estava machucada. Fora essas pequenas imperfeições, não havia nada para criticar. Até as cicatrizes eram sexy. Além disso, Quinn era uma das melhores do time, pernas definidas e corpo totalmente sarado, sem exagero.

Lancei um olhar culpado para Brody, sentindo que o havia traído.

Mindy acompanhou meu olhar.

- Ei, olha lá seu namorado se embolando.

- Não sei se ele é meu namorado...

- Qual é, Rach? Vocês estão juntos. Saíram duas vezes na semana passada, almoçam juntos quase todo dia e você está aqui, não está?

Vi Brody girando no tatame, grunhindo.

- Consegue guardar um segredo, Mindy?

- Poxa, somos amigas desde o jardim de infância. Alguma vez entreguei os seus segredos?

- Não. Nunca.

Mindy era um monte de coisas: desligada, impulsiva, obcecada por sexo. Mas nunca foi desleal.

- E aí? Desembucha!

- Não sei bem se Brody e eu combinamos tanto assim.

Os olhos de Mindy, cercados por uma grande camada de delineador, se arregalaram.

- O quê? Achei que gostasse dele de verdade!

- Ele é... legal – respondi, encolhendo-me um pouco ao usar um adjetivo desprezado por Quinn. – Mas não sei se existe algo intenso mesmo. Não como eu gostaria.

- Hummm. Bem, Brody não é nenhuma Quinnie – concordou Mindy, com o olhar voltando à quadra de vôlei. – Eu disse isso desde o início.

- É, eles são muito diferentes.

Se ela soubesse como eram diferentes, talvez não ficasse tão a fim de sua Quinnie. Mindy tinha quase desmaiado quando dissecamos minhocas no sexto ano. Não era o tipo de garota que beberia sangue.

- Não que eu fosse trocar Brody por Quinn – acrescentei. – Só estou dizendo que não tenho certeza sobre Brody e eu.

- E eu estou dizendo que você deveria finalmente se ligar e escolher a Quinn, antes que ela se canse de dar em cima de você. Admita, Rach. Quinn tem carisma – acrescentou ela, assentindo na direção das líderes de torcida. – Veja como Kitty está olhando para ela. Quinnie chama atenção.

Quando olhei para o outro lado do ginásio, Kitty subia ao topo de uma pirâmide de líderes de torcida – andando por cima das pessoas, como sempre – mas seu rosto estava virado para a quadra de vôlei, onde Quinn conversava como treinador. O modo como Quinn ficava parada, as mãos nos quadris, um pouco mais alta que o treinador Ferron, parecia dizer que a oposto estrela era quem estava no comando. Olhei de volta para Kitty. Ela estava em cima da sua pilha humana, mas continuava a observar a discussão nomeio da quadra.

- Falando nisso – Mindy interrompeu meus pensamentos. – Você está muito bonita hoje. Essa roupa é nova?

Afastei o olhar de Quinn e Kitty e alisei a saia do tecido amarrotado, acima dos joelhos.

- É. Gostou?

- Gostei. Fica bem de roxo. E a gola em V é muito sexy.

- Sexy demais?

- Não. Na medida certa. Você devia usar coisas assim com mais frequência. Fica meio... exótica. Tipo uma cigana ou sei lá. – Ela olhou para minha cabeça. – E fez alguma coisa cabelo também!

Amassei os cachos com os dedos.

- Usei um umidificador de cachos.

- Está ótimo. – Mindy assentiu, me avaliando. – E, é diferente do que todo mundo faz. Tipo, é descolado.

Um grito agudo ressoou e olhei para frente bem a tempo de ver Kitty Wilde se estatelar no chão, derrubando toda a pirâmide. Seu esquadrão caiu um a um, como dominós berrando embaixo dela.

Praticamente todo mundo do ginásio correu para ajudar ou olhar. E a primeira pessoa a chegar ao locar do acidente, estendendo a mão para ajudar Kitty a ficar de pé, foi ninguém menos do que Quinn Fabray.

Uma a uma as outras líderes de torcida se levantaram e se examinaram para ver se ninguém estava machucada. Como todo mundo, Kitty parecia bem, mas Quinn segurou o braço dela e a levou em direção ao vestiário, onde as duas pararam, conversando.

- Ora, ora, ora – observou Mindy. – Se você vai trocar o Brody pela Quinnie, é melhor correr, porque parece que pode ter concorrência. Olha só pra ela, fazendo a garota bancar a “cavalheira” diante da donzela em perigo!

Quase ri disso. Para começar, Kitty namorava Blake desde sempre. E o mais importante, Quinn nunca me trocaria por outra garota, mesmo que a bunda dela ficasse linda num saiote de líder de torcida. Ela gostava de mulheres com curvas. E estava prometida a mim.

Porém, enquanto eu as acompanhava de longe, Quinn e Kitty riram alto, como tinham feito no meu quarto. Depois Kitty lhe deu um empurrãozinho cheio de flerte e Quinn sorriu pra ela, parecendo menos aflita do que no passado. Com a postura mais relaxada. Mais... Livre.

- É. – Riu Mindy. – Se você quer a Quinnie, seria bom reagir. Kitty está babando por ela como se a garota fosse uma bolsa Prada que tivesse em liquidação na Wal-Mart. A preço de banana e pronta pra saltar nos braços dela!

- Não, isso é maluquice – protestei.

Se bem que, apenas uma semana antes, eu pensava que vampiros fossem maluquice.

O que Quinn quis dizer quando falou “nessa altura do campeonato”?

Enquanto eu olhava Quinn e Kitty conversarem, rirem juntas, tive uma sensação estranha, como se alfinetes quentes pinicassem meu coração. Ciúme! Outro sentimento também cresceu dentro de mim. Um sentimento de posse. Um sentimento forte, de proprietária, que beirava a raiva. Uma sensação de ser dona. De ter direito sobre Quinn.

Meus dedos envolveram a lateral do banco, apertando-o com força. E de repente, pela primeira vez, senti sede. Muita, muita sede.

De uma coisa que eu nunca havia desejado antes. Exatamente como meu guia para vampiros alertara.

                                      ***

- Estou morto – disse Mike Chang, bocejando enquanto pegava os livros e fechava a tela do seu notebook. – Não aguento mais matemática.

- Só mais uns exercícios – insisti e abri um dos meus livros de cálculos mais desafiadores. – A gente podia fazer esses problemas de palavras...

- De jeito nenhum – respondeu Mike. – E você também devia ir pra casa, Rach. Vai acabar surtando se estudar tanto assim. Ainda faltam semanas para a competição.

- Por isso mesmo que a gente precisa treinar.

Mike se levantou pendurando a bolsa do notebook no ombro.

- A gente se vê, Rach. Descansa um pouco.

Ele foi andando por entre as mesas e me deixou sozinha no meio da biblioteca da escola. Virei uma página do meu caderno, tentando me concentrar. A verdade era que eu não conseguia focar a mente nos problemas. Talvez fosse porque não parava de pensar em como me sentira no ginásio: com sede de sangue.

Enquanto olhava para o livro, com a mente se afastando de novo para longe de limites, derivadas e integrais, escutei vozes e passos no labirinto das estantes.

- A gente devia comprar os trabalhos na internet.

David Karoufsky.

- Nem pensar. Pegaram três caras no ano passado e dois deles perderam a bolsa para a universidade.

Blake Strausser.

- E agora? A gente procura uns livros sobre a Liga das Nações? – perguntou Karoufsky. – Não dou a mínima para isso.

Escutei o som de livros sendo tirados de estantes.

- Por que a Kitty não faz os trabalhos para a gente? – acrescentou Karoufsky. – Ela é inteligente.

Minhas orelhas se eriçaram ao ouvir o nome de Kitty.

- Ultimamente ela está um porre – disse Blake. – Não sei o que está acontecendo.

- Ela anda direto com a Fabray – disse David, cuspindo o sobrenome de Quinn como se fosse um mosquito que tivesse entrado na boca. – Ela deve estar passando sua doença pra ela, a filha da mãe.

Com que frequência Quinn tem andado com Kitty? E o que elas estão fazendo? O sentimento de posse e o ciúme atravessaram meu corpo de novo. Tentei me lembrar: quando fora a última vez que Quinn havia falado do pacto? E sobre fazer a corte? Percebi que não sabia. Como podia não saber?

- Aquela esquisita acha que é a dona da escola só porque consegue sacar sem errar uma vez – resmungou Blake.

- Tem alguma coisa errada com aquela garota – observou Karoufsky. – Ela não é normal.

Fiquei imóvel na cadeira, concentrada em escutar a conversa. No fundo, não tinha como David e Blake saberem nada sobre Quinn, mas me incomodava pensar que dois dos maiores imbecis da escola começavam a discutir o fato de que ela era diferente. Eu não sabia direito por que isso me incomodava. Dois valentões idiotas não poderiam ser ameaça para alguém tão segura de si fisicamente forte como Quinn. Mas isso me irritou um pouco.

- Você só está pê da vida porque ela bateu em você na frente de todo mundo e acertou sua cabeça no armário – observou Blake.

- É. Se ela tivesse quase estrangulado você, também estaria pê da vida. – Karoufsky fe uma pausa. – Cara, tem alguma coisa estranha na maluca. Quando ela me segurou... sei lá...foi surreal.

- Qual é? Você ficou com tesão? – zombou Blake. – O que quer dizer com surreal?

Eu esperava que um panaca metido a machão como David Karousky ficasse furioso com Blake pela ousadia. Mas, pela primeira vez, David pareceu quase pensatico.

- Cala a boca, cara – disse ele. – Você não sentiu aquilo.

Ouvi o som de livros sendo enfiados de volta nas estantes.

- Vamos dar o fora daqui – disse Blake. – Vou arranjar alguém para fazer esse trabalho.

Enquanto eles se afastavam, ouvi Karoufsky acrescentar:

- Quanto a Fabray... aquela garota ainda vai ter o que merece. Ela não é normal. E um dia desses vou descobrir o que tem de errado.

A voz de Karoufsky foi sumindo enquando eles saíam da biblioteca.

Olhei ao redor e tentei dizer a mim mesma que a vaga inquietação que eu sentia era totalmente injustificável. Mas, por algum motivo, não me convenci. David Karoufsky era um valentão incansável. Eu vinha sendo objeto de provocação daquele garoto desde que conseguia me lembrar. Sabia como ele era capaz de cismar com um alvo.

E se David começar a investigar a vida de Quinn? O passado dela? O que ela é? Será que Karoufsky pode descobrir alguma coisa?

Não.

A ideia era quase idiota. David Karoufsky não era capaz de encontrar um livro sobre a Liga das Nações na biblioteca da escola. Nunca descobriria que Quinn era uma vampira. Nem em um milhão de anos.

E, mesmo que descobrisse, qual era a pior coisa que poderia acontecer? O condado de Lebanon não era a Romênia. Era um lugar civilizado. As pessoas não formavam turbas para trucidar os vizinhos com estacas, pelo amor de Deus. Isso era ridículo. Quinn ficaria bem.

Então por que não me senti melhor quando fechei os livros, desistindo da matemática – fechando a capa da lógica e da razão – pelo resto da noite?

                              ***

CARO BASILE,

Dezembro, no condado de Lebanon, na Pensilvânia, é de “pirar o cabeção” para usar mais uma expressão que aprendi durante essa longa estadia. Esse é um mês muito comemorado aqui nos EUA. Agressivamente, poderíamos dizer. Cada superfície imaginável é coberta por fios de luzes que piscam; os prédios são sufocados por enfeites verdes; e uma mania coletiva de erigir gigantescos “bonecos de neve” infláveis, diante das casas, irrompe no populacho. É uma tremenda histeria – e os pinheiros não são apenas um mito, Basile. As pessoas compram as árvores, em abundância. Estão à venda por toda a parte. Imagine pagar pelo privilégio de arrastar um pedaço imundo da floresta para dentro de sua sala de estar com o objetivo de decorá-lo com bolas de vidro e admirar o resultado.

Por que uma árvore? Se fosse necessário expor bolas de vidro, por não usar algum tipo de vitrine? Uma cristaleira, por exemplo?

Gastei muita energia defendendo os vampiros contra acusações de “irracionalidade”. Se soubesse algo sobre a onipresença dos pinheiros, teria dito apenas: “É, talvez eu seja irracional. Mas mantendo minhas árvores no lugar delas. Fora de casa. Diga-me agora: quem é o louco aqui?”

Mas chega dos feriados de fim de ano. (Enfie minha cabeça debaixo d´água até eu me afogar e assim estarei livre de escutar “Jingle Bells” pela milésima vez!). Escrevo em primeiro lugar para informar que tenho muito pouco a informar. Parece que me curei e dominei a arte de dormir na aula de estudos sociais. ( Continue com sua fala monótona, Sra. Campbell. Passei ao largo da sua tentativa abominável de transformar a tediosa Primeira Guerra Mundial num dos conflitos mais dramáticos da terra: gás mostarda! Trincheiras! A aniquilação de nada menos de que quatro império!)

Ah, sim. Talvez o senhor se interesse – ou não – em saber que também fiz uma amiga. Uma garota bastante ferina, Basile. Tenho quase certeza de que o “bom velhinho” Papai Noel a colocou na lista de crianças “malvadas”. (Uma referência obscura para você, sem dúvida. Confie em mim: Kitty Wilde é uma criatura bem fascinante.)

Eu lhe desejaria um “feliz natal”, mas tenho certeza de que, se existe algo que o senhor detesta mais que o natal, é esse de “felicidade”.

Sua sobrinha,

Quinn

P.S: fique tranquilo porque, apesar de não ter abordado o assunto no corpo desta carta, recebi sua resposta trovejante, ainda que atrasada, à minha sugestão de liberar Anastácia de suas responsabilidades vampíricas. Não deixei de compreender sua ira de minha afirmação de que “luto contra o freio”. De fato, o senhor foi bastante claro quando disse que “me faria sentir saudade do freio quando o chicote fosse usado”. As imagens equestres são muito vívidas. Todos os argumentos foram levados cuidadosamente em consideração. Mas será que devo acatar sua ordem de continuar com a perseguição agressiva a Anastácia? Da Romênia é difícil dizer, não é? A distância é de “pirar o cabeção”.

                                   ***

- Rachel, é você? – perguntou Quinn. Ouvi a porta do apartamento da garagem se fechar, seguida pelo som dos pés batendo para tirar a neve.

- Oi. – Espiei da pequena cozinha. – Você chegou cedo.

- E você está...aqui. – Ela jogou o sobretudo na poltrona de couro. – Achei que havíamos retomado nossas residências tradicionais.

- E retornamos. – Voltei para a cozinha, mexendo uma panela fervente. Droga. Eu esperava estar com o jantar mais adiantado quando ela chegasse da escola. – Por que já está em casa.

- O treino de vôlei foi adiado por causa da neve. Nos Cárpatos diríamos que isso é o equivalente a uma garoa. Um pequeno inconveniente. Aqui parece motivo de pânico nas ruas. Saques e tumulto pelo último pacote de pão de forma na mercearia. – Quinn farejou o ar. – Repito: por que você está aqui? E que cheiro é esse?

- Eu sabia que você estava cansada de pratos vegetarianos, por isso preparei um coelho. Vi alguns no seu freezer quando eu estava dormindo aqui.

Ela parou por um segundo.

- Você fez o quê?

- Cozinhei um coelho.

- Na verdade isso se chama “lebre”- corrigiu Quinn, juntando-se a mim na cozinha. – E se você não sabe o nome correto, como sabe o que fazer com ela?

- Encontrei esse livro de culinária na sua estante. – Mostrei o volume velho e manchado. – Tá vendo?

Quinn franziu a testa, lendo.

- Cozinhando ao estilo romeno. Em inglês! Esqueci que havia trazido isso. – Ela me olhou e deu um sorriso malicioso. – Nosso cozinheiro mandou isso para os seus pais, supondo que ajustariam o cardápio de acordo com o meu gosto. Certamente nunca esperavam que eu fosse parar na casa de veganos que nunca se dignariam a aceitar nem mesmo a paixão de um membro da realeza romena pela carne.

- Bem, hoje temos bastante carne no cardápio – prometi. – Também estou fazendo a sopa de cordeiro azedo. – Peguei o livro com ela, abri e apontei para a página que havia marcado. – Esta receita.

Quinn examinou.

- Como você conseguiu “levistan em pó” no condado de Lebanon?

- Olhei no cozinhadatransilvania.com. dá para substituir por estragão.

- Esse cheiro deve ser do “cordeiro azedo” – disse Quinn, franzindo o nariz. – Isso vai impregnar o lugar. E se seus pais souberem que você cozinhou carne, estará encrencada.

- Ei, estou tentando ser legal.

Quinn gargalhou.

- É. Deixando-me com uma bela infecção intestinal. Quem não tem experiência, não deve mexer com carne de caça. – Ela levantou a tampa da panela com a lebre, que estava fervendo, depois me olhou com uma sobrancelha arqueada. – Você limpou esse bichinho, não limpou?

- Tipo, lavar na pia?

- Remover as tripas e os miúdos. Estou vendo alguma coisa aqui...

- Tinha tripas?

Quinn pegou uma colher e mexeu na panela.

- Acho que identifiquei a fonte do cheiro. Eu diria que isso é um baço – anunciou ela, pescando uma coisa de aparência escorregadia. – Um orgãozinho maligno. Não é a parte mais palatável de coisa alguma. Nem gatos famintos comeriam um baço.

- Acho melhor jogar fora a lebre – falei com tristeza. O jantar não estava indo tão bem quanto eu esperava.

- Na verdade, Rachel, por mais que eu aprecie o esforço...

Alguém bateu à porta.

- Com licença – disse Quinn, indo atender.

- Ah, claro.

Espiei dentro da panela. Havia outras coisas escorregadias começando a borbulhar enquanto a lebre se desfazia. Eca. Quem iria imaginar?

A porta se abriu rangendo.

- Quinnie! Oi!

Sentindo algo parecido com um chute na barriga, bati a tampa da panela. Conhecia aquela voz animadinha.

Kitty Wilde.

O que ela está fazendo aqui?

- Teve algum problema com a neve? – perguntou Quinn.

Senti cheiro de pizza sobre o fedor do baço.

- Não, pra mim não é grande coisa. – Kitty riu. – Peguei emprestado a 4x4 do meu pai. Se acontecesse um acidente, eu não morreria.

Que altruísta! Fui até a entrada da cozinha e me encostei na porta, de braços cruzados, observando as duas.

- Finalmente alguém do condado de Lebanon que entende como enfrentar um pouquinho de precipitação congelada – disse Quinn, aprovando. – E será que posso acrescentar que você está linda, como sempre? Se bem que nem é preciso dizer.

Argh. Eu ia vomitar e não seria por ter comido entranhas.

- Ah, Quinnie. – Kitty equilibrou a caixa de pizza como uma garçonete, liberando uma das mãos para acariciar o braço de Quinn, em um flerte descarado. – Você sempre diz a coisa certa.

- E você trouxe a coisa certa – disse ela, pegando a pizza. – Essa é uma iguaria local que passei a apreciar.

- Com certeza cheira melhor do que está cozinhando aqui. – Kitty olhou em volta, buscando a fonte do odor, e me notou. – Ah, oi. – Ela fraziu o nariz. – Eu estava dizendo que tem alguma coisa fedendo aqui.

- Tem mesmo.

Quinn passou por mim, levando a pizza para a cozinha.

- Como eu ia dizer Rachel, o jantar seria meio inconveniente essa noite, porque chamei Kitty para estudar.

- Estudar?

Eu me senti mais passada do que o coelho. Mais azeda do que a sopa de cordeiro.

- É – disse Kitty. – Quinn me pediu que fosse sua parceira na literatura inglesa.

Parceira? Para quê? E se houvesse necessidade de alguma parceria, por eu não fui convidada? Virei-me para Quinn, sabendo que havia traição em meu olhar. Queria que ela visse, mas seus olhos me evitavam.

- Lembra que me ofereci para o “relatório oral obrigatória” sobre O morro dos ventos uivantes? – perguntou ela. – Bem, depois de testemunhar intermináveis apresentações emburrecedoras dos meus colegas de turma, pensei que seria interessante condensar o romance numa pequena peça. Para enfatizar as partes dramáticas.

- Eu vou ser Catherine – observou Kitty.

- Acho que com isso você vai ser Heathcliff – falei para Quinn, mal conseguindo mascarar a infelicidade na voz.

- Vou ter que me desdobrar para interpretar um papel masculino, mas sim, exatamente.

Desliguei o fogão. Talvez o fedor provocado por mim suma dentro de um ou dois anos.

- Então acho que nessa. Não quero atrapalhar vocês.

- Pode ficar para a pizza – ofereceu Quinn. – Você não deve ter comido. Espero que não tenha provado o coelho. Pode não ter fervido suficiente para matar os parasitas...

- Você estava fervendo o cabelo? – Indagou Kitty. – É assim que você deixa ele desse jeito, Jenn?

Encarei Kitty por um longo tempo, desejando dar uma resposta à altura. Mas nada me veio à mente. Nada.

- Vou pra casa – falei, tentando sair com um pouco de dignidade. Tentando passar por elas sem chorar. Tinha dado tudo errado. Um desastre completo.

Quinn deve ter visto minha frustração, a humilhação no meu rosto, porque disse:

- Com licença um momento Kitty.

- Claro Quinnie. – disse ela indo para o outro lado do cômodo pequeno. – Vou dar uma olhada nas suas armas aqui. Adoro a decoração diabólica.

Quinn pegou meu braço, levando-me para a porta.

- Rachel – disse baixinho - , sinto muito.

- Pelo quê? – Mal me incomodei em baixar a voz. As lágrimas estavam se juntando em meus olhos. Lágrimas de ciúme. Lágrimas de vergonha. Eu era idiota demais. Tinha tentado preparar um coelho para Quinn e ela ia receber uma garota. E não era qualquer garota, mas Kitty Wilde.

- Foi gentileza sua tentar... um gesto doce... – Havia piedade nos olhos de Quinn enquanto ela empurrava o meu cabelo para trás da minha orelha, como se eu fosse uma criança magoada. – Mas talvez não tenha sido a melhor ideia. Não agora.

- É – concordei, empurrando a mão dela para longe do meu rosto. – Foi um erro.

- Kitty é minha amiga – explicou ela, com calma. – Sinto que preciso de uma amiga agora. Alguém que me entenda.

Essa doeu. Quem poderia entendê-la melhor do que eu?

- Eu entendo você.

- Não. Não do mesmo modo... – Ela olhou para Kitty que havia tirando uma espada da parede e testava o gume. – Não posso falar agora.

- Ah, nem precisa.

A voz dela endureceu um pouco, assim como o aperto de sua mão no meu braço.

- Rachel, você tem o Brody. Você escolheu o Brody. E tem Melinda também. Será que eu devo ficar isolada?

- Não, claro que não. Tudo bem. – Soltei meu braço de sua mão, abri a porta bruscamente e saí correndo do apartamento, sem me incomodar em pegar o casaco.

Enquanto descia a escada fazendo barulho, as lágrimas começaram a escorrer e ouvi Quinn falar do patamar:

- Rachel, por favor...

Segui em frente. Ela não chamou de novo. Antes mesmo de ter chegado lá embaixo, ouvi a porta se fechar com força.


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Notas finais do capítulo

Bom... Nem tudo são flores. Então é isso por hoje.



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