Mesmo não confiando muito naquela garota, achei melhor ir com ela, aquele lugar não me parecia seguro e ficar ali sozinha seria ainda pior. Vesti o manto, ele era longo e batia nos meus pés, eu acreditava que se queríamos passar despercebidas, não deveríamos usar aquela roupa tão estranha.
Saímos pela porta e andamos pela estrada de pedra, acabou que a roupa não era tão estranha assim, alguma outras pessoas também usavam manto. A principio eu andava longe da garota, mas depois que esbarei em um homem grande de manto negro cuja face só possuía um olho, quase me abracei a ruiva. O único problema era que ela sempre parecia ter mais medo do que eu, ela olhava as pessoas ao redor como se soubesse os perigos que cada um poderia proporcionar.
A paisagem daquele lugar era muito diferente de onde eu estivera a pouco tempo, a atmosfera sempre pesada e fria quase me sufocava e pelo rosto das outras pessoas eu não era a unica incomodada. Mas o silencio macabro foi interrompido por um garotinho, ele corria a uma velocidade incrível, passando por entre as mulheres e homens que faziam cara veia e resmungavam. Seu rosto tinha um sorriso maroto e travesso, suas roupas estavam rasgadas e sujas, e ele tinha em mãos o elmo de um dos guardas que o perseguia furiosamente.
- Nunca vão conseguir me pegar seus idiotas. - Ele gritava enquanto dava uma risada debochada.
Ele parecia um garoto normal, quer dizer claro que garotos normais não roubam elmos de guardas, mas fisicamente ele parecia normal, a não ser pelo fato de que entre os seus cabelos ruivos brotavam duas orelhas de gato. Eu já estava quase completamente convencia de que estava sonhando, seria a unica explicação logica e racional para tudo aquilo.
- Pare em nome da rainha seu moleque ou então verá o terrivel castigo que cairá sobre você!
- Eu não me importo com essa sua rainha de merda. - O menino então se virou e fez um gesto obsceno com as mãos enquanto despejava mais insultos a rainha, insultos que nem eu mesma conhecia. Fiquei pensando que se minha avó tivesse ouvido tudo aquilo, lavaria a boca dele com sabão.
- Oh não Yui, o que pensa que está fazendo? - Falou a garota ao meu lado, sua face estava pálida e seus olhos arregalados. O garoto veio correndo em nossa direção.
- Onee-chan*! - Ele chamou olhando na direção da ruiva ao meu lado, ele não parecia se abalar com o total estado de terror exposto pelo rosto da sua irmã, apenas sorria como se estivesse no melhor brinquedo do mundo e não sendo perseguido por guardas furiosos.
Um dos guardas que segurava uma espada azul em sua mão sugou o ar como se fosse dar um enorme espirro, logo depois soltou o ar que se transformou em uma forte ventania. O vento era tão intenso que derrubava baldes e quebrava vidros das janelas das casas, assustadas as pessoas correram e se esconderam nas casas próximas ou dentro dos becos.
Tudo voava e zumbia, meu capuz foi puxado violentamente para trás. Os olhos de menino denominado Yui, passaram casualmente de sua irmã até o meu rosto, seu sorriso rapidamente sumiu e seus olhos se esbugalharam. Com a distração, seus pés acabaram escorregando e ele tombou no chão com o pesado elmo. Foi seu erro fatal, os guardas rapidamente o alcançaram e o cercaram. Por um alguns segundos veio a calmaria, nenhum som era emitido e o único movimento era das respirações das pessoas a nossa volta.
Isso não durou muito pois logo depois um rugido feroz encheu o ar, ao meu lado a ruiva começou a mudar, seus olhos antes escuros ficaram dourados com a pupila em fenda, por entre os seus cabelos surgiram orelhas também ruivas, suas unhas e seus dentes ficaram pontudos e algo por dentro do seu vestido se mexia e eu podia imaginar que seria uma calda.

Tão rápida e graciosa quanto um gato, ela saltou em direção aos guardas, suas garras não polpavam nada que tocava e ela sabia exatamente onde atacar. Achava e formava fendas entre as armaduras, era tão rápida que os homens mal tinham tempo de reagir.
Infelizmente eles eram muitos, um dos que estavam perto dela agitou a sua espada de cor vermelha e a mesma começou a distribuir chamas por toda a sua extensão, mas o fogo não parecia incomoda-lo. Ele brandiu a espada na direção da felina que rosnou e desviou, eles se movimentavam da mesma forma que um domador de circo com a fera. As espadas passavam cada vez mais perto, seu calor era tão intenso que eu quase podia senti-lo.
Mesmo parecendo muito forte eu sabia como aquilo iria acabar, não havia forma de duas pessoas, sendo uma delas uma criança, ganhar daqueles guardas todos. Quando com um golpe forte na cabeça a ruiva cambaleou quase caindo no chão meus instintos afloraram, a adrenalina bombeava no meu sangue, pensei nas palavras que minha avó tinha me dito. Só bastava eu querer e eu realmente queria fazer algo, sem muitas alternativas peguei uma botinha que tinha sido abandonada na correria, ela obviamente não era muito forte, mas era a unica coisa disponível e fui em direção aos guardas.
Mais tarde quando me lembrei disso percebi o quão idiota eu fui, eu provavelmente não conseguiria causar nenhum aranhão neles, mas também me senti orgulhosa por pelo menos ter tentado salvar uma amiga.
Cheguei por trás de um dos guardas que tinha acabado de chutar a felina que se contorcia no chão, usei toda a minha força e bati o calçado em sua cabeça. Como eu havia imaginado isso não causou nenhum estrago.
Fervendo de raiva o soldado cuja espada era marrom veio em minha direção, a cada vez que o seu pé tocava o chão fendas se abriam. Quando ele levantou a espada fechei os olhos e rezei, não sei bem para quem, talvez para alguns dos deuses que a minha avó falava que vivam perto de casa.
Mas ao contrario do impacto que eu esperava me partir ao meio, eu não senti nada, apenas um vento forte e rápido passar ao meu lado. Tomei coragem e abri os meus olhos, o guarda jazia morto no chão. Ao lado dele estava um rapaz que eu ainda não tinha visto, ele era bem mais alto do que eu e seu porte era musculoso, seu cabelo preto como a noite, que chegava até os ombros, estava com uma parte amarada atras da cabeça por algo pontudo. Segurava firmemente uma espada que estava manchada de sangue.
-Tsc vocês realmente não aprendem não é mesmo, quantas vezes mais vou ter que chutar a bunda de vocês para que aprendam? - O rapaz falou enquanto limpava casualmente o sangue da sua espada com um pano amarrado em sua calça. Os soldados hesitaram o olhando com medo.
- Rebeldes! Chegará o dia em que Mitsuko-sama limpará a nossa terra das vossas presenças!- O que teve o seu elmo roubado gritou, ele tentou fazer sua voz soar firme, mas ela ainda parecia tremer. O moreno o ignorou, colocou a mão em um bolso da sua calça preta e tirou de lá um cigarro.
- Eu não contaria com isso. - Em seguida ele olhou para o outro guarda que ainda tinha sua espada em chamas, seu movimento foi tão rápido que meus olhos não acompanharam, apenas consegui ver um golpe da espada sendo desferido e o soldado caindo no chão enquanto o moreno acendia seu cigarro calmamente, os outros pareciam petrificados.
- Yui.. - A ruiva murmurou, tentando despertar.
- É incrível como são sempre vocês dois que fazem as coisas mais idiotas Mimori, se eu fosse você começava a me preocupar mais, algum dia eu posso me atrasar e vamos acabar perdendo os nossos mascotes felinos. - O jeito debochado e presunçoso de falar era realmente irritante, se ele não tivesse aparentemente me salvado eu o teria atingido com a bota.
- Cala a boca Dragon, não é como se você fosse muito melhor do que eu, o máximo que você consegue fazer é atordoar alguns guardas? Isso não me impressiona nem um pouco. - Mesmo tentado imitar o tom despreocupado de Dragon, Mimori ainda soava muito impressionada e aliviada.
- Então acho que devo mudar a sua concepção. - Ele disse com um sorriso irônico, apagou o cigarro e preparou a espada.
- Basta Dragon. - Uma nova voz surgiu, um outro rapaz apareceu por entre os guardas. Ele era alto e mais forte do que Dragon, seu cabelo era azulado e cortado estilo moicano. Ele parecia ser bem jovem, mas falava com um ar de experiencia e eu soube no mesmo momento que ele estava no comando.
- Droga, abriram a creche mais cedo? Acho que a festa acabou. - Disse Dragon aparentando fazer pouco caso, porem guardou a espada. O mais novo o olhou irritado e ao mesmo tempo cansado, como se as implicâncias de Dragon fossem um habito, estava na cara que ele o apreciava tanto quanto Mimori.
- Quantas vezes tenho que falar para não executar pessoas em lugares públicos? Além do mais não deveríamos nos expor tanto, Mimori o que estava pensando? Se não consegue nem ao menos controlar uma criança...- Seu tom era firme, porem gentil.
- Desculpe Hisashi, eu estava voltando pra casa, mas encontrei ela. - Me sobressaltei quando vi Mimori me olhando, até aquele momento eu estava sendo mais uma espectadora. Eu esperava que Hisashi me olhasse com surpresa ou horror, mas sua expressão não mudou.
- Compreendo, não é seguro ficar aqui por muito tempo. - Ele se aproximou e me estendeu a mão. - Vamos, tenho certeza que Mei vai ficar muito feliz em vê-la.
Peguei a sua mão e me levantei, Mimori foi até o seu irmão e o ajudou amarrando um pedaço rasgado de seu bonito vestido no braço aranhado do menor.
- Eu estou bem onee-chan! - Yui resmungou.
- Você está bem?! É isso que diz depois de tudo?! Vamos ter uma conversa séria quando chegarmos em casa. - Repreendeu Mimori, ao que Yui apenas fez uma careta e lhe mostrou a língua.
Dragon veio até mim e lançou o manto azul sobre a minha cabeça com rispidez.
- É melhor não ficar mostrando as caras por aí.
- O-obrigada.
- Eles estão ali! Rápido! - Uma nova orla de guardas se dirigiu até nós.
- Rápido, vamos voltar! - Hisashi gritou, rapidamente Mimori pegou Yui e começou a correr graciosa como sempre, eu corri atras, mas infelizmente estava muito lerda. Muito impaciente, Dragon me agarrou e me jogou em suas costas.
- Hey! - Disse irritada, não estava acostumada com tanto contato.
- Shii princesinha, vamos dar uma volta. - Ele disse enquanto me dava uma palmada de leve, o que fez a vermelhidão se apoderar do meu rosto.
Eu já havia andado de carro e de moto, mas nenhum deles me dava a mesma sensação do que a velocidade de Dragon, eu sentia o vento soprar pelos meus cabelos e as casas passarem a nossa volta como um borrão. Em pouco tempo estávamos deixando a cidade para trás e entrando em uma paisagem com montanhas e árvores, corríamos cada vez mais rápido e o vento ficava mais frio. A noite já tinha caído quando finalmente paramos perto de uma casa tradicional japonesa. Dragon me abaixou.
- Você é realmente pesada, deveria considerar uma dieta.
- Você é que é fraco demais!
- Nem mesmo com a força de mil homens eu conseguiria levanta-la sem esforço.
Acho que odiar não seria uma palavra forte o bastante para suprimir o sentimento que ele despertava.