Um Homem Sob Medida escrita por Gilraen Ancalímon


Capítulo 20
Capítulo 20 - Desilusão


Notas iniciais do capítulo

Conforme me pediram aqui vai mais um capítulo



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/427851/chapter/20

Kíria desligou, calculando que Vinícius também havia se esquecido. Nos últimos dias, nenhum dos dois tivera cabeça para pensar em festas. Teria de falar com ele a respeito, só não sabia como.

Telefonou para o escritório, mas foi informada de que ele passara à tarde no tribunal e ainda não regressara. Deixou um recado para que ele ligasse para casa, mas o telefone permaneceu em silêncio por toda a noite. Cansada de esperar, Kíria foi se deitar. Estava lendo, quando ouviu o carro dele na garagem. Saiu da cama, vestiu um robe e desceu a escada.

Ao vê-la, Vinícius franziu o cenho.

― O que está fazendo acordada, Kíria? Está se sentindo mal?

O tom preocupado da voz dele animou o espírito de Kíria.

― Não, eu estou bem,

― Então, por que está acordada há esta hora? Ah, deixe-me adivinhar. Decidiu me lembrar do que estou perdendo ― ele falou com ironia.

― Eu não faria algo que pudesse me condenar ainda mais diante dos seus olhos ― ela respondeu, lutando para manter a compostura.

― A necessidade pode superar o bom senso ― ele sugeriu com um sorriso malicioso.

Kíria respirou fundo, resistindo ao impulso de esbofeteá-lo.

― Tenho mais amor próprio do que você imagina. Estou aqui porque preciso conversar com você. Deixei um recado no escritório. Devia ter me ligado.

― Não voltei para o escritório e, no que me diz respeito, não temos nada a conversar.

Kíria cruzou os braços, a fim de esconder o tremor em suas mãos.

― Tenho consciência de que você abomina a minha companhia. Acredite, eu não o teria esperado se não fosse absolutamente necessário. Prometo não tomar muito do seu precioso tempo ― declarou, salvando ao menos parte de seu orgulho.

Vinícius não se abalou.

― Seja o que for que tem a dizer, terá de esperar ― anunciou.

― Esperar até quando? Você sai de casa quando ainda estou dormindo e só volta depois que já fui me deitar.

― Tenho estado ocupado com um julgamento difícil.

― Tem feito o possível para me evitar. Do que tem medo? O que acha que vou fazer? Vinícius, por favor, as coisas não precisam ser assim, entre nós.

― Não tenho tempo a perder, Kíria. Diga logo o que quer me dizer ― ele ordenou implacável.

― Muito bem. Sua mãe telefonou para nos lembrar de que estão à nossa espera, neste fim de semana. Prometemos passar alguns dias lá, lembra-se?

Como Kíria adivinhara antes, Vinícius havia se esquecido do compromisso.

― Não poderei ir. Telefone para mamãe e cancele tudo.

― Não podemos! ― ela protestou. ― A festa de noivado do seu irmão será no sábado.

― Droga! ― Vinícius praguejou e passou a mão pelos cabelos.

Diante do gesto familiar, Kíria foi invadida por um desejo profundo de abraçá-lo, mas sabia que seria rejeitada, se tentasse sequer se aproximar.

― Temos de ir ― argumentou ―, a menos que você esteja disposto a explicar a todos o que está acontecendo.

Vinícius lançou-lhe um olhar ameaçador e, então, suspirou.

― Vá com o carro, amanhã. Pegarei o trem, no sábado ― decidiu.

― Não suporta sequer viajar no mesmo carro comigo? ― Kíria inquiriu, magoada.

Como sentisse as lágrimas encherem seus olhos, deu meia-volta e se dirigiu para a escada, pois não pretendia deixar que Vinícius a visse descontrolada. Porém, seu pé enroscou no robe e ela caiu no chão com um grito abafado.

No mesmo instante, Vinícius estava ajoelhado a seu lado, ajudando-a a se levantar.

― Você está bem? ― ele perguntou, preocupado.

― Acho que sim.

Por um momento, seus olhos se encontraram e Kíria confirmou, com uma pontada de alegria, que Vinícius ainda a amava.

Como se lesse os pensamentos dela, ele tratou de se afastar.

― Antes que você quebre uma perna ― falou tenso ―, tenho uma testemunha para entrevistar no sábado de manhã. Trata-se de um depoimento vital para o caso que estou defendendo e, infelizmente, não posso adiar o encontro, pois ele é capaz de desaparecer. Foi por isso que sugeri que você leve o carro, amanhã e que eu vá de trem, no sábado.

Bastou um olhar para Kíria verificar que ele dizia a verdade.

― Está bem. Quer que eu arrume sua mala?

― Ficarei muito grato se puder fazer isso.

― Não precisa agradecer, pois é o tipo de coisa que uma esposa deve fazer, naturalmente, pelo marido.

― Nós estamos muito longe de ser um casal convencional ― Vinícius lembrou-a, readquirindo a frieza. ― E, já que estamos falando sobre isso, tenho confiança de que você não vai comentar nossos problemas com meus pais.

Embora soubesse ser ela mesma a culpada por aquela situação, Kíria não conseguia evitar a mágoa.

― Vamos brincar de família feliz? ― indagou irônica. ― Confia em mim, para isso?

― Confio no seu bom senso para saber o tipo de consequências que pode enfrentar, depois.

― Quantas vezes vou ter de lembrá-lo de que não quero o seu dinheiro? Eu Só quero você!

Cansada e desolada, Kíria começou a subir a escada.

― Kíria ― Vinícius chamou.

― Estou cansada, Vinícius.

― Só queria perguntar se você comprou um presente de noivado para Mateus.

― Não. Quer que eu providencie algo, amanhã? Ou prefere cuidar disso, você mesmo?

― Pode comprar. Confio no seu julgamento.

Vinícius falou com tamanha naturalidade, que Kíria desejou ardentemente que ele pudesse confiar com a mesma facilidade no amor que ela sentia.

― Está bem ― concordou e foi para o quarto.

Deitada na cama foi invadida por uma dor profunda, que nem sequer lhe permitia chorar. O futuro parecia negro. Vinícius jamais admitiria que ainda a amava. Kíria concordara em ficar, por acreditar que seria capaz de atravessar a barreira imposta por ele e conseguir o seu perdão. Agora, porém, já não tinha certeza.

**************************

No dia seguinte, ainda sofrendo com a possibilidade de jamais recuperar a sua felicidade, Kíria comprou um presente de noivado para Mateus e dirigiu até a casa dos Maldonado, em Teresópolis.

Desde a aposentadoria de Thiago, ele e Paula moravam no que fora antes a sua casa de campo, fora da cidade. Kíria estivera lá diversas vezes, desde que se casara com Vinícius, mas aquela seria a primeira vez em que chegaria sozinha.

Receberam-na com alegria, mas ficaram perplexos por não verem o filho.

― Vinícius teve de ficar para entrevistar uma testemunha, amanhã ― Kíria explicou.

― Você não deveria dirigir tanto, no seu estado ― Paula comentou indignada. ― Onde Vinícius estava com a cabeça?

― Ora, não tive nenhum problema ― Kíria assegurou.

― Bem, não gostei nem um pouco da atitude de meu filho e pode ter certeza de que direi isso a ele. Você deve estar exausta. Vamos entrar. Vou providenciar uma xícara de chá.

Minutos depois, Kíria estava aquecida e alimentada, além de invadida por um forte desejo de confiar seus problemas à sogra. Mas, como Vinícius deixara claro que não queria o envolvimento da família, ela tratou de se controlar.

Quando chegou ao quarto que sempre usavam, deu-se conta de algo que Vinícius certamente esquecera: a cama. Desde a visita de Aya, ele dormira no quarto de hóspedes, mas não poderia fazer o mesmo na casa dos pais.

Kíria sentiu um misto de apreensão e esperança. Vinícius jamais fora capaz de esconder seus sentimentos na cama. Teria sido esse o motivo de ele ter se mudado para o quarto de hóspedes? Teria ela encontrado a chave para derrubar as barreiras que os separavam? Não era através do sexo que ela pretendia reconquistar o marido, mas se fosse o único meio à sua disposição...

Naquela noite, Kíria dormiu profundamente e despertou para um dia ensolarado e promissor. Manteve-se ocupada a maior parte do tempo, mas à medida que a tarde avançava, ela consultava o relógio com frequência cada vez maior. Já começava a se preocupar com a possibilidade de um acidente, quando o telefone tocou.

― A reunião começou bem mais tarde do que eu esperava. Vou me atrasar ― Vinícius informou de maneira sucinta e Kíria percebeu que havia outras pessoas na sala.

Sentiu-se decepcionada, por Mateus e por si mesma.

― Mas você vem, não? ― indagou.

― Parece desapontada ― Vinícius comentou com ironia.

Kíria suspirou.

― E estou. Sinto a sua falta.

― Minha mãe está aí perto?

― Sim. Quer falar com ela?

― Não. Só achei que a presença dela explicaria a sua demonstração de afeto.

Com Paula a olhar para ela com expressão curiosa, Kíria não podia reagir como gostaria.

― É sério ― limitou-se a dizer.

― Irei assim que puder. Peça desculpas a mamãe e a Mateus por mim.

Com isso, Vinícius desligou.

― Algo errado, querida? ― Paula perguntou.

― Não, não. Vinícius ligou para avisar que vai demorar mais do que planejava.

― Má notícia, mas depois de uma vida inteira casada com um advogado, não posso dizer que estou surpresa. Venha, vamos tomar um chá para reanimar!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Homem Sob Medida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.