Terminou as compras e voltou para o apartamento. Logo que entrou, percebeu a luz da secretária eletrônica piscando na sala. Com movimentos automáticos, foi até lá e apertou o botão.

― Olá, aqui fala Annie. Só liguei para saber se está tudo confirmado para esta noite. Até logo.

Kíria espalmou a mão na testa. Sérgio! Havia se esquecido completamente do filho de sua melhor amiga e colega de trabalho. Prometera levá-lo ao jogo de volei, como presente pelo aniversário de onze anos do garoto, no dia seguinte.

Bem, a distração não poderia ter chegado em melhor momento. Kíria havia planejado visitar Vinícius, à noite, mas ali estava a oportunidade de começar a colocar sua vida de volta à sua ordem natural. Determinada, apanhou o telefone.

A mãe de Vinícius atendeu.

― Kíria? Está tudo bem?

― Tudo bem, Paula. Eu me esqueci de que não poderei ver Vinícius esta noite, pois vou assistir a um jogo de volei com um amigo. É aniversário dele e comprei o ingresso como presente. Não posso decepcioná-lo, agora.

― Claro que não, querida. Vinícius vai ficar desapontado, quando souber, mas tenho certeza de que vai compreender ― Paula replicou de pronto, embora seu tom de voz deixasse clara a sua dúvida.

Kíria recusou-se a se sentir culpada.

― Diga a ele que irei vê-lo amanhã ― acrescentou, antes de desligar.

Em vez de se levantar, ficou ali sentada, pensativa. Sempre imaginara que o amor fosse uma experiência maravilhosa, mas parecia que havia se enganado, pois o sentimento era um tanto doloroso.

Foi ao jogo, determinada a se divertir. Não faria sentido ficar de cara feia e, além disso, não queria estragar a alegria de Sérgio. E, apesar de tudo, Kíria se divertiu a valer. Adorava volei e era mesmo uma delícia assistir a um jogo na companhia de alguém com tamanha animação. Por mais de uma hora, Kíria gritou e torceu, esquecendo-se por completo de seus problemas. Para completar a noite, o time para o qual ela e Sérgio torciam venceu a partida.

― Nossa, foi demais! ― Sérgio exclamou, fascinado, quando deixavam o estádio.

― Você se divertiu? ― Kíria perguntou, já sabendo a resposta.

O garoto exibiu um sorriso largo.

― Foi o melhor aniversário que já tive! Espere até eu contar à mamãe.

― Quer entrar e tomar um suco? ― Annie convidou, quando Kíria foi deixar Sérgio em casa.

― Você fez bolo de chocolate? ― Kíria perguntou, seguindo Annie até a cozinha.

― Sinto cheiro de problemas ― Annie comentou com um sorriso. ― Só pode ser um homem ― concluiu, enquanto preparava o suco.

― Por que diz isso?

― Porque somente um homem é capaz de fazer uma mulher ficar desse jeito. ― Annie colocou o suco e o bolo sobre a mesa e se sentou. ― E então? Acertei?

― Acertou ― Kíria admitiu.

― Eu o conheço?

― Não.

― É bonito?

― Não, é maravilhoso!

― E qual é o problema? Ele é casado?

Kíria suspirou e encarou a amiga.

― É noivo... de Aya.

― Sua irmã? ― Annie inquiriu, chocada.

Depois de ter visto Aya uma única vez, sua antipatia se tornara crônica.

Sem hesitação, Kíria contou à amiga tudo o que acontecera e o que ela fizera. Annie ficou horrorizada e não fez o menor esforço para disfarçar seus sentimentos.

― Desculpe o que vou dizer, mas sua irmã não presta!

― Está perdoada ― Kíria declarou, compartilhando a opinião.

― Quando vai contar a ele?

― Logo. Vinícius está melhorando rapidamente.

― Você acha que...

― Não.

― Mas você é tão diferente de Aya, que certamente... ― Annie parou de falar ao ver a amiga se levantar.

― Não se pode fazer alguém nos amar, quando esse alguém já ama outra pessoa, Annie. Vou superar tudo isso.

― Não tenho tanta certeza. Nunca vi você assim, antes.

― Preciso ir embora ― Kíria declarou, olhando para o relógio.

Annie acompanhou-a até a porta e a abraçou.

― Sabe onde me encontrar, sempre que quiser conversar ― ofereceu e observou com olhar triste a amiga partir.

Kíria já estava a meio caminho de casa quando avistou a placa do hospital. Sabia que não seria sensato ir até lá, mas algumas coisas são mais fortes que o bom senso. Assim, quando deu por si, estava entrando no estacionamento do hospital.