Fracassados escrita por Saville


Capítulo 1
Os fracassados


Notas iniciais do capítulo

Levi e Annie são meus personagens preferidos e faz um tempo que venho tentando escrever algo com os dois. Para a minha sorte, o anime me presenteou com uma cena um tanto emblemática: Annie cristalizada e Levi olhando-a de forma quase ininteligível. Em uma das inúmeras releituras que fiz do mangá, reparei melhor nessa cena. Quero ressaltar que não estou, de forma alguma, colocando os dois em uma posição de casal. Particularmente, acho impossível isso acontecer, e seria inverossímil trabalhar com esse tema. Mas... ainda posso tentar escrever sobre o - possível - ódio latente que o Levi nutre pela Titã fêmea.



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O corpo pequeno suavemente oprimido pelo cristal pouco revelava sobre a índole da consciência que o movia; o rosto, repousando como se dormisse, muito menos. Os olhos fechados languidamente pareciam observar um sonho lembrança, como se a garota, enfim, descansasse após uma longa e cansativa jornada.

A iluminação precária do local construía um ambiente místico, adequando o cristal com a menina dentro em uma posição de escultura, ou como se fosse um cenário de alguma pintura melancólica e de grande beleza. Se colocada em um pedestal, pareceria isto, uma obra de arte, se colocada em uma igreja, o papel de santa, de milagre na terra cair-lhe-ia muito bem.

O cristal refletia as vacilantes chamas das velas, que parecia queimar dentro de sua estrutura. Os cabelos cristalizados em pleno movimento emolduravam o rosto jovem e pálido, dando a figura um ar flutuante. Ela não pertencia aquele mundo, suavemente mantinha-se fora dele, voando um pouco acima do chão. Em sua atividade cotidiana, havia sido flagrada no exato momento em que fechava suas pálpebras, para sempre congelada nesse milésimo de segundo.

Era isso que um observador desavisado poderia pensar de Annie Leonhardt cristalizada. Não suspeitaria da crueldade que morava nas mãos pequenas e brancas, ou na força que residia em um corpo tão pequeno. Não suspeitaria das traições que carregava nas costas, como pesados fardos que nunca seriam esquecidos.

Levi não era um observador desavisado.

Conhecia – bem demais – a força que residia nos pés da Titã Fêmea, a crueldade que habitava seus olhos, a força animalesca com que destroçava seus inimigos. Aparentemente sem se abalar. Sentia a perna ferida formigando, como se seu corpo reconhecesse um inimigo poderoso e procurasse alguma forma de reagir.

Sentia o perigo por trás do cristal. Não questionava as motivações da menina, e no fundo não se interessava por elas; tinha interesse somente em uma coisa, uma única coisa: arrancar-lhe aquilo ao qual ela parecia tão desesperada em agarrar-se. Não era um homem dado a vinganças triviais, mas confessava, quando a olhava por trás do mineral, que ela despertava o que tinha de pior dentro de si.

O rosto quase angelical irritava-lhe por garantir a menina características humanas. Ela podia se transformar em um monstro, mas no fundo era só uma garota. Sentia raiva e pena. Lembrava-se de seu passado nas ruas, de si mesmo, perdido em suas motivações. Não se perguntava sobre os motivos dela, não queria sabê-los. No entanto, parecia que conhecia sua essência, como se fossem seres semelhantes. Ele e ela.

Odiava-a mais. Imaginava o que ela teria pensado quando pressionou seu pé contra a arvore, contra Petra. Teria calculado a força? Sentido prazer? O gosto do sangue de Erd ainda estava em sua boca? Preferia matar em forma de titã ou como humana, como fizera com Gunter? Tremera de medo quando Auruo, desesperado, a atacara diretamente?

O crepitar das chamas não serviam como respostas, mas eram os únicos sons que o protegia do silencio sepulcral. Riu internamente, pensando que aquele porão, escondido da superfície, de fato parecia um sepulcro. Era o não declarado tumulo de uma criminosa, uma menina que fora destinada a ser nomeada assim.

Não que acreditasse em destino. Levi não pensava muito sobre essa espécie de assunto, era um homem dado ao presente, a terra onde pisava. Admirava aqueles que se entregavam, sem medo, as divagações existenciais, mas não conseguia demorar-se em questionamentos que – inevitavelmente – não teriam resposta. Bastavam os questionamentos reais, que pareciam absurdos (quem eram os titãs?).

No entanto, aquele sepulcro – nomeara o local, por fim – era um lugar místico, atípico. Seria ele, ali, atípico também? Como se fosse infectado pelo não usual, aprofundou-se em pensamentos sem fim. Encarava uma criminosa, uma traidora. Uma menina. A garota nascera e era isso que a esperava: ódio intenso, pesar. Nascera como um monstro, ou como humana? Notou que a linha que os separava era tênue. A linha que separava o homem e o titã, ele e ela.

(Viu a titã chorar. O maxilar caído e o olhar triste, fitando um horizonte que ele não conhecia. Chorava de dor?).

Não podia perdoa-la. Não podia perdoar a covardia, o desespero, a rápida decisão de se fechar dentro de um cristal e se tornar, talvez para sempre, uma incógnita. Annie Leonhardt era a materialização de questões que não seriam resolvidas tão cedo (talvez nunca). Era a frustração congelada para sempre em um rosto inocente e melancólico. Era o fracasso, em um sentido amplo, aquele que melhor caracterizava o contexto geral de todos e tudo. Fracassara ao completar sua missão, cristalizando-se. Culminou no fracasso da humanidade ao fechar-se, incomunicável.

Não podia perdoa-la por parecer sofrer mais do que todos os outros, embora fosse o agente causador dessa dor. No fim, concluiu que não podia perdoa-la por gravar-se como humana, em sua plena forma.

(Lembrava-se dos corpos deformados, da espinha radicalmente torta, os olhos mortos e sem nenhuma beleza. Ah, como o mundo era irônico)

Fechou os olhos. Retirou-se da sala com a única resposta que conseguira arrancar do quase silencioso jogo de palavras do fogo. As velas queimavam devagar.

Annie Leonhardt não estava tendo bons sonhos. Disso tinha certeza.


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Notas finais do capítulo

Enfim, esse foi o resultado. Um pouco cru, mas achei que seria triste larga-lo, esquecido, em qualquer pasta do meu computador. Fazia muito tempo que eu não postava nada no Nyah, não sei se esse tipo de fic é a melhor opção para um retorno, mas era o que eu tinha em mãos. Bom, é isso, até uma próxima vez.