Não, Eu Não Sou Um Stalker. escrita por Débora S


Capítulo 3
Então viveremos.




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Lembro-me como a viajem havia sido silenciosa, e ao contrário do que eu pensava Clare não morava exatamente perto da lanchonete. O que me intrigou, porque pegar o metrô para ir tomar café da manhã? Não fazia muito sentido.

Essa hora ela já havia ajeitado as madeixas negras em um coque no alto de sua cabeça, permitindo uma visão completa do seu rosto perfeito. Suas sardas, as orelhas pequenas e os olhos negros, escondidos atrás das enormes lentes do óculos.

- Queria saber o que você está pensando. – Sua voz irrompeu o silêncio. Pisquei algumas vezes e me afastei, ao perceber que estava a encarando.

- Eu... Estou morto de fome.

- Acabamos de sair da lanchonete.

Não respondi, abaixei a cabeça e a encostei no vidro do metrô. Não havia reparado nos outros passageiros, até porque não havia muitos. Há essa hora todos estavam trabalhando. Não demorou muito para chegarmos, e quando aconteceu, ela gentilmente pegou minha mão esquerda e me encaminhou até a saída.

Estávamos agora em uma avenida larga e escura, havia inúmeros comércios no local, mas todos de portas fechadas, o que poderia explicar a quietude do local. Dispersei de meus pensamentos e olhei para a garota á meu lado, o coque havia se desmanchado e novamente seus longos fios estavam escorrendo pelos ombros desnudos. Ela caminhava em direção á um beco, e me apressei para acompanhá-la.

- É aqui. – Ela murmurou quando paramos em frente a um casarão velho. O local era grande, na verdade enorme, e imaginei que um dia alguém bem rico havia habitado ali. A varanda estava caindo aos pedaços, e a porta de entrada possuía um grande buraco na frente. Perguntei-me qual era a utilidade dela, já que qualquer um podia entrar por ali, porém não disse nada para Clare, ela já deveria saber de tudo isso.

Continuamos caminhando, adentrando na residência e passando por inúmeros cômodos destroçados, tudo estava uma grande bagunça, e pude até mesmo ver alguns ratos e baratas andando livremente pelo lugar. Senti nojo.

Por fim ela parou em um quarto pequeno, e disse que era seu quarto. Ao contrário do resto da casa, seu quarto estava limpo e organizado, era decorado em preto e branco. Cortinas grandes despendiam do teto, e sua cama grande ocupava metade do lugar. Ao lado da cama havia uma pequena penteadeira, e um armário branco ocupava a outra parte do quarto. Definitivamente era aconchegante, e após escutar seu pedido, me sentei á seu lado na cama. Ela suspirou fundo, e retirou o coturno preto dos pés, e os esticou no meu colo, deitando o resto do corpo na cama. Prendi a respiração, nervoso.

- Clare. – Disse baixinho. – Você vive aqui sozinha?

- Não, meus pais estão no trabalho agora. – Mas isso não respondeu minha pergunta, na verdade, queria perguntar o porquê da casa dela ser tão bagunçada, com exceção do seu quarto. Mas me contive não me pareceu muito justo. Afinal, eu nem era amigo dela.

- Eu gosto de ir naquela lanchonete, sabe John. – Ela começou, balançando as pernas no meu colo, e fitando o teto branco do local. Eu apenas a escutei.

- Meu pai costumava me levar sempre lá, mas depois de... Bom, eu me sinto bem lá, e todos os dias, após acordar eu vou lá, antes mesmo de ir para a escola. E quando eu saio de lá também. Já pedi Sue para me deixar ajudar ela com o serviço, mas ela não quer. Implorei por muito tempo, ela nem precisaria me pagar. – Respirou fundo e fechou os olhos. - Eles acham que se eu fizer qualquer esforço vou cair dura no chão.

Riu baixinho, mas um riso triste, pude sentir sua dor. Seus olhos ainda estavam fechados.

- Quando tiver idade suficiente quero viajar pelo mundo, apenas eu, e a minha mochila velha, ou quem sabe, comprarei uma nova John. Eu quero conhecer novos lugares, e pessoas. Absorver novas informações, e entender mais de outras culturas. Eu quero viver John! É tudo o que eu quero. Eu nunca contei isso para ninguém, e não sei por que estou fazendo isso agora, acho que... eu....

E ela adormeceu, simples assim. Senti um nó na garganta ao perceber que seu vestido estava levantado, retirei suas pernas do meu colo e delicadamente o subi de novo. Apanhei uma das cobertas que ali estava e estendi sobre ela. E permaneci ali, apenas a observando dormir, tão serena, e em paz.

Eu não sou um tarado! Deixe-me explicar, na verdade, eu não posso. Não sei por que fiquei ali, vendo a garota dormir, e também não sei porque eu estava ali afinal de contas. Acho que, pela primeira vez na vida, estava vivendo.


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