Burn Me Up escrita por éphémère


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Só escrevi sobre Jogos Vorazes uma vez e a one-shot ficou fraca, espero que dessa vez vocês gostem



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Katniss tinha acabado de voltar da caçada. Mesmo depois de todo esse tempo, depois de tudo o que aconteceu, ela sempre fazia as mesmas coisas no fim de tarde: vestia a jaqueta velha de seu pai, calçava suas botas, trançava os cabelos, pendurava a aljava cheia de flechas nas costas e, com o arco na mão, ia até a pequena parte não destruída da floresta do D12. Mas aquela vez tinha sido diferente.

Como uma maldição, a imagem da terra lamacenta e a mata destruída ao seu redor inundou sua mente. Lá, onde seu pai a ensinara á nadar, onde ele a tinha mostrado o quão bonito o canto dos tordos podia ser, o único lugar que a lembrava dele, estava destruído, deixando nada mais do que uma terra lamacenta e galhos secos e chamuscados pelas bombas á sua volta.

Sem mais lago. Sem mais tordos. Era como se Katniss tivesse sido a única á sobrar em um lugar totalmente destruído, e ela sabia de quem era a culpa daquela aniquilação em massa. Total e completamente dela.

Soltou a aljava e o arco no chão da varanda, á poucos centímetros da porta de entrada da sua casa, os mesmos causando um baque surdo e abafado contra a madeira. Se encolheu no chão, parte dela desejando que nada daquilo tivesse acontecido, que ela tivesse sido apunhalada enquanto dormia nos Jogos, que alguém simplesmente acabasse com aquilo antes mesmo que acontecesse. Mas era tarde demais para se lamentar.

Mortos. Todos mortos. A imagem dos escombros e ossos humanos queimados sempre voltava á sua cabeça enquanto dormia, fazendo com que acordasse instantaneamente de seus pesadelos. Não era diferente agora. Era como se tudo que Katniss amava, tudo que ela relacionava á amor e casa tinham sido quebrados.

Ela ouviu passos arrastados nas pedrinhas da rua e olhou para frente onde, parado em frente á varanda, estava Haymitch. Estava completamente acabado, os cabelos desgrenhados e sujos, as roupas tortas e rasgadas, boa parte delas encharcada de algum tipo pegajoso de bebida alcoólica parcialmente recente derramada ali. Os ossos do rosto estavam ressaltados e as olheiras abaixo de seus olhos não mentiam. Ele estava se sustentando apenas de álcool e não dormia.

- Levante – Apesar da aparência acabada dele, sua voz estava firme como nunca estivera antes.

Katniss hesitou, mas se levantou.

- Enxugue as lágrimas – Ele ordenou mais uma vez, Katniss apenas obedecendo – E pare de se culpar. Snow só queria uma razão pra poder explodir a porra toda, e ele viu essa oportunidade jogando tudo sobre seus ombros. Você não pode só caçar e voltar pra casa, como um zumbi. Não quando as pessoas precisam de você.

Katniss abriu a boca para falar alguma coisa mas a voz travou e nada do que queria falar nem ao menos deu sinal de sair. Ao invés disso, a voz fraca dela pronunciou:

- Você está péssimo.

- Quem, eu? – Haymitch perguntou, colocando o dedo sobre o peito – Qual é, docinho, não se olhou no espelho não? Nada melhor que um banho, uma boa noite de sono e café pra mim. Pra você? Um banho, sono e café nunca vão ser o bastante pra curar essas feridas internas se você faz questão de culpar a si mesma por todas essas mortes á cada segundo. Mas isso não é nada.

Ele apontou para a casa de Peeta. O pôr do sol estava quase no fim, e o laranja suave banhava a faixada da casa dele. A cor preferida dele. Katniss levou um tempo para se recompor, percebendo que tinha perdido mais da metade do sermão que Haymitch passava pra ela.

- A Capital o torturou, telessequestrou e ainda assim ele continuou indo – Ele dizia – Você vê ele chorando, você vê ele se remoendo pelos cantos? Não. Sabe quem cuida das suas tão lindas flores do jardim? Ele. Posso sugerir que também sabe que, toda manhã, depois de cuidar de seu jardim, ele pega madeira e reconstrói a padaria da família. Sozinho. Á toda hora ele é atacado por essas memórias falsas e sabe o que o impede de arrombar sua porta e te matar? O amor que ele sente por você. E isso é incrível. Ele a ama incondicionalmente e você simplesmente ignora. Sabe que não merece nem metade do amor que ele te dá, não sabe?

- Sempre soube – Katniss respondeu com a voz fraca – E essa é a razão pela qual o ignoro.

Olhando para a faixada de Peeta mais uma vez, ela pegou a aljava e o arco e, dando as costas a Haymitch, entrou em sua casa e bateu a porta com força atrás de si. Soltando os cabelos, Katniss subiu as escadas e largou a aljava e o arco em uma cadeira vazia do quarto enquanto tirava as botas e se deitava vestida daquele jeito mesmo. E ali, enquanto tentava dormir, seus próprios pensamentos a engoliram.

...

Katniss abriu a porta de casa. Era cedo de manhã e ela não tinha parado nem para se olhar no espelho, simplesmente desceu as escadas e abriu a porta. A brisa fria e leve da manhã roçou em seu rosto e seu olhar se fixou alguns metros á frente onde, ajoelhado em frente ao conjunto colorido de primrose, estava Peeta.

Ele levantou o rosto e os olhos azuis estavam surpresos, mas a encararam incessantemente. Não disse nada, apenas ficou olhando para o rosto de Katniss, sua expressão impassível.

- Peeta – Katniss sussurrou.

- Katniss – Ele disse, indiferente – Bem, parece que me pegou. O misterioso jardineiro.

Ele riu sem humor algum e voltou a atenção para as flores, ignorando por completo a presença de Katniss. Mas agora a mão que segurava o regador estava trêmula, e ele não parecia nada bem. Os dedos que envolviam a alça do regador cederam ao tremor e ele caiu em cima de Peeta, o molhando. As mãos dele foram até a lateral cabeça e ele caiu de lado no chão, se encolhendo, o corpo todo tendo espasmos. Katniss podia ver o suor frio escorrendo pelo rosto de Peeta, e sua expressão estava conturbada.

Katniss correu até ele e colocou as mãos delicadamente sobre o rosto dele, tentando acalmá-lo, mas aquilo apenas o irritou, ou foi isso que ela pensara. Ele gemeu com raiva e empurrou-a para longe dele enquanto se sentava no chão. Katniss observou enquanto ele abria os olhos e aquele olhar assassino tomava conta dele mas, diferente do que todas as vezes, ele não fez nada.

As mãos continuaram de ambos os lados de sua cabeça, pressionando as orelhas como se estivesse ouvindo vozes. O corpo inteiro tremia, e o olhar e sorriso assassino ainda eram direcionados á Katniss. Ela podia ver o quanto os músculos de Peeta estavam rígidos e as veias saltavam pela força que fazia em si mesmo para não ataca-la. Não que não atacá-la fosse uma meta, mas porque ele verdadeiramente se importava com ela, de um modo assustadoramente diferente.

- Por favor – Ele disse com dificuldade, fechando os olhos com força – Fique longe de mim, Katniss, fique longe de mim. Não quero machuca-la.

Katniss estendeu a mão em direção dele e abriu os lábios tentando protestar, mas ele já tinha levantado e corria até a própria casa. Katniss se sentou nos degraus da varanda e colocou o rosto entre as mãos, pensando em Peeta. Se ver tudo aquilo já era perturbador, sentir devia ser traumatizador. Mas ele continuava resistindo, continuava colocando os sentimentos antigos em frente dos sentimentos implantados em sua cabeça.

Ela entrou de novo em casa e ficou mais de horas embaixo do chuveiro, o olhar distante, mas sem realmente pensar ou ver alguma coisa. Só estava concentrada em fazer nada, observando o rejunte perfeito entre os azulejos brancos do banheiro.

...

A tarde chegou e o calor do sol envolveu Katniss enquanto ela caminhava pelas ruas desertas do D12. Sabia que não devia estar fazendo aquilo, mas algo a atraía a ele, era inevitável. Enquanto afastava alguns dos escombros que haviam parado no meio da estrada, Katniss o avistou ao longe. Carregava em um ombro várias tábuas de madeira como se aquilo fosse a coisa mais fácil do mundo e, na outra mão, uma maleta de ferramentas enferrujada.

O suor que ensopava a camiseta em volta do pescoço e as costas não fazia que a beleza de Peeta diminuísse. Ele continuava lindo, e Katniss se perguntou o por quê dele gostar tanto dela. Nunca vira nada de especial em seus próprios cabelos negros, nos olhos cinzentos, no rosto magro ou até mesmo na pele levemente pálida. Mas saber que alguém a ama tanto á ponto de se afastar de você para te proteger é algo ao qual se deve sentir especial. Além de se sentir especial com isso, Katniss sabia que Peeta era especial para ela, de um jeito que ninguém, nem mesmo Gale, tinha sido um dia.

Mordendo o lábio inferior, ela caminhou em silêncio, seguindo Peeta. Reconheceu com dor no coração o trajeto que o garoto fazia, o mesmo trajeto que levava até onde a velha padaria estava localizada. E ali, no meio de toda a desertidão e escombros, paredes de madeira se erguiam contra a cena de devastação. Exatamente onde a antiga padaria se encontrava.

Peeta colocou as tábuas cuidadosamente no chão e a maleta em cima delas, olhando satisfeito para o trabalho que já tinha feito e que ainda tinha que fazer. Katniss andou até lá e, arrastando o pé propositalmente, parou á pouco menos de um metro da construção de Peeta. Os ombros do garoto se abaixaram e ele olhou cauteloso por cima do ombro.

- Eu disse pra você ficar longe de mim – Ele disse, nada simpático.

- Eu pedi para que você ficasse comigo e você me respondeu com um “sempre” – Katniss retrucou – Não vou deixar que você se destrua por causa dessas imagens que a Capital colocou em você, Peeta. Eu quero te ajudar.

- Assim como me ajudou quando a Capital me telessequestrou? – Ele perguntou, se virando bruscamente para ela.

- Não – Ela respondeu – Como eu fiz na Arena, fazendo meu possível pra cuidar de você, como eu não deixei que te matassem.

- Por favor – Ele retrucou, dando uma risada de desdém – Você nunca fez nada que fosse contra o seu favor. Por quê eu deveria confiar em você?

- Porque eu quero fazer alguma coisa que não me favoreça – Ela disse, baixinho – Porque eu quero que você fique bem.

Ele não respondeu. Os olhos vagaram perdidamente por Katniss. Não podia ter a ajuda dela pois sabia que em poucos segundos poderia estar estrangulando ela. Não queria mata-la, a sua parte má a queria ver sofrendo como ela continuava fazendo, mas sua outra parte continuava a amando incondicionalmente, continuava querendo vê-la bem. E ele sabia que ele não ficaria bem se ela não ficasse.

- Não quero sua ajuda – Ele retrucou.

...

Gritos preenchiam a noite. Katniss estava com os olhos completamente abertos e a mente acesa, ciente de onde e quem vinham esses gritos. E ela não podia mais aguentar isso. Ainda com o pijama, colocou o par de chinelo e saiu de casa, correndo até a casa de Peeta.

A porta estava entreaberta e a luz da sala banhava a varanda completamente escura dele. Sem hesitar, Katniss empurrou a porta e entrou, correndo para as escadas e tropeçando desajeitadamente nos degraus enquanto subia de dois em dois, correndo até o quarto de Peeta.

Ele estava em pé e um abajur estava quebrado á sua frente, os caquinhos espalhados pra todo o lado. Katniss observou horrorizada enquanto via marcas de pequenos cacos de vidro sobre ele, então se deu conta do porquê da luz do quarto estar apagada. Ele, de alguma forma, tinha quebrado a lâmpada do teto. Gotas de sangue pingavam dele e formavam pequenos círculos separados quando atingiam o chão á sua volta, mas ele não parecia se importar com aquilo. Olhou para Katniss que, assustada, percebeu o quanto os olhos dele estavam esbugalhados e ela podia ver uma veia teimosamente pulsante na testa dele.

E ele correu até ela, os braços estendidos em direção do seu pescoço. E Katniss simplesmente abriu os braços e recebeu a mão firme e os dedos levemente escorregadios dele apertando sua garganta, e não mexeu nem um músculo.

- Mate-me – Ela disse, a voz saindo esganiçada por causa do aperto dele – Mate-me e acabe logo com isso porque, se você não o fizer, eu farei.

Ele afrouxou a mão do pescoço da garota e a deslizou carinhosamente até a nuca dela. A outra mão descreveu um arco no ar enquanto ele acolhia a cintura dela o mais cuidadosamente que podia.

- Eu quase te matei – Ele sussurrou no ouvido dela, a voz trágica e preocupada – E você não fez nada.

- Não acho que seria necessário – Ela respondeu, passando as mãos pela cintura dele e o apertando contra si.

Ele gemeu baixinho e Katniss se lembrou da camiseta levemente rasgada em vários pontos e das gotas de sangue. Ela se afastou dele e olhou de baixo para cima. Enquanto corria até ela, pisou nos cacos do abajur, fazendo com que nenhuma parte de seu corpo estivesse imune de cortes e pequenos arranhões.

- Vá tomar um banho – Ela ordenou – Eu vou pegar o kit de primeiros socorros.

...

Por insistência de Katniss, Peeta estava de cueca deitado na cama enquanto ela limpava os ferimentos do corpo dele e fazia pequenas ataduras. Podia não ser uma médica como a mãe, mas tivera que se virar sem ela por perto.

O cabelo loiro de Peeta estava molhado, fazendo com que alguns cachos grudassem em sua testa. Seus olhos estavam fechados enquanto deixava Katniss cuidar dele.

- Sabe, você poderia me matar aqui e agora e eu nem saberia – Ele disse, um leve sorriso brincando em seus lábios. Katniss odiava o quanto o humor dele tinha obscurecido depois de ter sido telessequestrado.

- Eu nunca te mataria – Ela respondeu, se abaixando até a maleta de primeiros socorros.

- Porque você me ama.

Quando Katniss voltou pra cima, Peeta estava sentado com o rosto á poucos centímetros do dela, os olhos azuis brincalhões e esperançosos. Ela abriu a boca, mas nada saiu de lá, então ela apenas ficou calada. Empurrando Peeta levemente de volta aos travesseiros, ela foi cuidando dos ferimentos em seu pé.

- Pensei que retrucaria dizendo alguma coisa do tipo ‘prefiro morrer’ – Peeta comentou, fechando os olhos novamente.

- Eu prefiro morrer á estar viva – Katniss retrucou – Mas isso não é uma resposta, não quando eu sei que eu te amo.

- Você disse – Peeta abriu os olhos imediatamente.

Katniss deu de ombros enquanto fechava a maleta de primeiros socorros e se levantava desajeitadamente, a face levemente corada.

- Meu trabalho aqui acabou – Disse – Eu vou indo...

Antes que pudesse chegar até a porta, Peeta puxou seu braço, fazendo com que voltasse bruscamente para trás e trombando no peitoral nu dele.

- Eu não quero que você vá – Ele sussurrou.

Katniss olhou para cima, seus olhos se encontrando com os dele. Com uma mão em sua cintura, Peeta desfez carinhosamente a trança de Katniss com a outra enquanto a puxava para perto e a beijava, um simples tocar de lábios, mas que significava muito. Ela soltou a maleta no chão e envolveu carinhosamente os ombros de Peeta enquanto ele aprofundava o beijo, tornando o momento romântico e apaixonado. Ele deu alguns passos para trás, caindo sentado na cama, e Katniss simplesmente o acompanhou.

Quando Peeta caiu sentado na cama, ela o acompanhou e se sentou em seu colo, envolvendo o corpo dele com as pernas de ambos os lados. Enquanto uma mão segurava as costas da cabeça dela, a outra deslizava perdida e carinhosamente pelas costas da garota. Interrompendo o beijo por poucos segundos, Peeta firmou a mão no fim da espinha dorsal dela e empurrou o corpo dela contra o do próprio, terminando com os poucos centímetros de distância que os separavam. Katniss suspirou profundamente enquanto voltava a beijá-lo, uma mão acariciando o curto cabelo loiro dele e a outra deslizando pelos músculos definidos das costas dele.

Ele desceu uma das mão até a perna dela e acariciou a coxa nua enquanto passava os beijos para o pescoço dela, os olhos fechados, a respiração lenta e pausada enquanto sentia o momento, sentia o quão vivo ele se sentia ao se estar perto dela. Apesar de seu temperamento ter se tornado cinzas nas últimas semanas, ela continuava sendo uma chama acesa pronta para incendiar e, naquele momento, ela incendiava todo o interior dele com sua proximidade, seu cheiro, sendo ela mesma. Ela o incendiava por inteiro.

Ela gemeu levemente quando uma das mãos de Peeta entrou por baixo da camiseta e parou á poucos milímetros de um dos seios e se encaixou na cintura. Ela não queria que ele parasse. Ela levou a própria mão até a dele e o fez subir mais, fazendo com que Peeta tocasse em seu seio, fazendo que Peeta a sentisse. E aquilo foi como um passe livre. Peeta virou o corpo e deitou Katniss na cama, logo depois se posicionando em cima dela enquanto distribuía beijos por todo o corpo dela.

Então ele mais uma vez parou, encostou a testa na dela e fechou os olhos com força. Agora não, ele pensou, por favor, não agora. Soltando a respiração com dificuldade, ele conseguiu se controlar, mas uma coisa faltava.

- Você me ama – Ele disse – Verdadeiro ou falso?

- Verdadeiro – Ela o respondeu com convicção.

E aquilo, sim, foi o bastante.


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Notas finais do capítulo

Deixem reviews e alimentem minha coragem, assim eu posto mais fics de Jogos Vorazes