Eu não o vejo há quase dois meses, mas me sinto tão próxima dele como me sentia antes de fugir. Amanhã é o primeiro dia na faculdade, que eu só vou à tarde, porque tenho que trabalhar meio período na floricultura aqui perto... Bem, pelo menos vou poder fazer a coisa que mais amo: cultivar flores... Tá bom, na verdade o mais perto que vou chegar das flores é quando for regá-las ou entregá-las aos clientes.

Rolo na Cama das Princesas e acabo de barriga para baixo. Meu pai disse que pagaria a faculdade, já que é uma promessa antiga, mas eu teria que me virar para me sustentar. Por sorte nunca tive onde gastar meu salário como inspetora, então tenho cerca de bastante grana no banco. Respiro fundo e volto a me mexer. Quando disse que as aulas começam amanhã, quis dizer hoje. As aulas começam hoje e ainda não dormi nada!

E a pior parte é que hoje terei que ir pela manhã, já que sou novata e preciso pegar horários e receber as “orientações”. Madison diz que a principal “orientação” é sobre a “dificuldade de sair de uma vida cheia de vícios”. Ok, já chega disso! Preciso dormir.

Acordo três horas mais tarde. Já entendi, não tem jeito. Fico em pé e pelo menos uma coisa boa posso tirar disso: as gêmeas não vão monopolizar o banheiro e me deixar ir sem tomar banho no primeiro dia de aula. Pego a toalha e as coisas pro banho, calço meus chinelos de borracha com desenhos de panda e corro pro banheiro, trancando a porta logo em seguida. O vapor deixa meu cabelo um bagaço, então sou obrigada a lavá-lo.

Todo esse tempo eu venho tentando me manter calma e tranquila, mas quanto mais perto chega da hora do reencontro, mais nervosa eu fico. E como consequência metade do xampu desce pelo ralo. Desligo o chuveiro, me enrolo na toalha e volto pro quarto. Sei que se colocar uma calça, as gêmeas me matam, então escolho um vestido e um cardigan. Vou descalço até a cozinha e coloco torradas na torradeira e aperto o botão da cafeteira “Isso Sarah, é só apertar e PUF!”. Volto até o quarto e coloco as botas. Vejo que faltam duas horas ainda, então é melhor acordar as gêmeas. Bato na primeira porta laranja e Zoe sai de lá toda descabelada e com um risco de baba no canto da boca.

– Bom dia Sarah.

– Vai logo tomar banho, vou chamar a Mads.

Depois de terceiro chute acho que é melhor entrar logo, talvez ela tenha morrido enquanto dorme. Adentro o quarto e a cena que presencio prefiro não comentar... Apenas que Calvin entrou aqui ontem à noite e ninguém viu. Com o rosto vermelho fecho a porta me desculpando.

Como minhas torradas com geléia e bebo uma caneca cheia de café... Que descubro mais tarde ser descafeínado. Argh! Vou tomar um café decente no caminho.

– Desculpe por isso Sarah.

Olho por cima do ombro e vejo o cabelo loiro do Cal sendo arrepiado pelas mãos de Madison.

– Ah, o amor! Faz coisas engraçadas conosco.

Murmuro de boca cheia. Eles riem e percebo que Madison já está arrumada e maquiada, Zoe entra logo depois toda arrumada também.

– Uau, vejo que abandonou o jeans por um dia!

– Eu sabia que vocês iam reclamar, então resolvi evitar.

Termino de comer enquanto eles preparam o café. Pergunto por Jason e Cal diz que ele e Anna estavam no apartamento deles (no mesmo prédio da tia de Anna). Esses casais estão acabando comigo!

– Meninas, eu já vou indo, preciso passar na Maureen antes. Nos encontramos lá?

– Nas escadarias.

Dou um aceno fraco, pego minha bolsa e saio, trancando a porta atrás de mim. Desço de elevador e pego o Mark. A floricultura onde vou trabalhar é da Maureen; quando ela descobriu que amo flores me ofereceu um trabalho na hora, mas disse que como sou novata ainda não vou poder mexer com as plantas. O que é uma pena, porque sou ótima nisso!

– Maureen? Estou aqui!

Puxo a cordinha do sino e olho em volta. O lugar é perfeito! Pelos Deuses, como é lindo! O chão é de concreto, mas quase não posso vê-lo porque tem grama crescendo nele... Grama. Crescendo. No. Chão! Têm várias pequenas árvores, arbustos, plantas, flores, trepadeiras... Trepadeiras Plubango! Corro até ela e passo a mão carinhosamente sobre a folhagem.

– Plubangos são lindas, não é?

Nem chego a me assustar com a voz dela atrás de mim, apenas viro a cabeça e sorrio.

– Eu plantei algumas no meu colégio... Cresceram por toda a parede!

– Você plantou uma dessa?

– Sim.

– Mas é super difícil!

– E eu sei! Algumas morreram, mas logo eu peguei o jeito.

Maureen pára ao meu lado sorrindo. Ela é bem pequena e, seu eu não soubesse que ela carrega cestas super pesadas por ai, diria que é até frágil.

– Você vai passar aqui hoje ainda?

– Não sei... Mas depois de ver esse lugar de perto duvido que você vá conseguir se livrar de mim tão facilmente!

– Ótimo! Nos vemos depois então?

– Claro.

Despeço-me dela e volto ao Mark. Antes de ligar o carro vejo que tem uma Starbucks ao lado, então desço de novo, compro um café e uma caixa de donuts açucarados; devoro tudo antes de voltar para o trânsito. Dirijo até a faculdade e procuro uma vaga no estacionamento, mas só encontro uma no lado que fica mais longe do prédio. Caramba! Vou ter que andar muito até a escadaria onde as gêmeas estão!

Paro o carro e desligo o motor. Fito meus olhos no espelho e repito mentalmente “Você não vai pirar, você não vai pirar”... “Não vai pirar porque já está louca há anos!”. Dou uma risada amarga e saio do carro. Enquanto tranco, sinto alguém se aproximar e antes que eu possa correr ou algo do tipo, duas mãos grandes passam por mim e me prendem de frente na lataria do carro. Minha respiração está presa na garganta e quase morro de vez quando vejo o pequeno anel de plástico azul em sua mão. A respiração quente em meu pescoço faz meu coração palpitar.

– Sentiu minha falta, Ninfa?

Nisso tudo só consigo pensar que meu hálito cheira café.