Não Olhe Para Trás escrita por malukachan


Capítulo 1
Não Olhe Para Trás




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Acordou sentindo um leve enjoo. Não lembrava quem era, de onde viera ou como chegara ali. Não lembrava nem seu nome. Sentou-se, o corpo gritava de dor por ter dormido em um chão de pedras. Tentou olhar em volta e era apenas preto. A escuridão estava em todos os lados.

Tocou as pedras duras nas quais estava sentada, tentou não fazer barulho para não chamar atenção. Aonde quer que estivesse sentia que não era seguro. O ar estava pesado, um cheiro de podridão impregnava o local. Então entendeu de onde vinha o enjoo.

Levantou devagar, suas pernas doloridas reclamavam, parecia que não as usava há muito tempo. Tateou até achar a parede. O medo invadia sua mente gritando para que ficasse quieta, não se mexesse, de preferencia nem respirasse.

Quase atendeu aos pedidos de seu subconsciente. Seus olhos já estavam mais acostumados com a escuridão, olhou em volta tentando se localizar. Parecia uma caverna, as pedras eram negras, não existia nada, apenas aquelas rochas em todos os cantos.

Então o viu.

No fundo da caverna sentado em uma rocha estava um menino, devia ter uns sete anos. Mesmo naquela distância podia ver seu rosto lindo, seus cabelos loiros curtos, alguns fios caindo em sua testa.

Já ia perguntar se ele estava bem quando o garoto sorriu. Era um sorriso simples, bonito e calmo. E naquele momento descobriu o que era sentir medo. Não sabia quem ele era, ou o que ele era, mas todo seu ser gritava para que corresse. E foi o que fez.

Virou as costas e saiu correndo pelo único buraco que havia. Viu-se em um tipo de corredor amplo, não existia outras entradas, apenas uma linha reta de pedras, então seguiu não ligando para a dor em seus pés descalços.

Correu pelo que pareceu horas, mas deviam ter sido apenas minutos. O cheiro no ar só piorava, o que dificultava respirar. Continuou andando mais devagar e encontrou outro buraco como aquele do qual saíra. Pensou por algum tempo e decidiu seguir em frente.

Cada passo fazia os batimentos em seu peito aumentarem. Olhou para trás pela primeira vez desde eu fugira daquele menino e arregalou os olhos, tinha certeza que viera daquela direção, era a única que tinha, e ainda assim parecia que a escuridão havia engolido tudo que ficara para trás, parecia que não existia mais nada.

Respirou fundo buscando coragem e continuou em frente. Forçou-se a olhar para frente, não ia olhar novamente dentro daquele buraco negro, em sua mente ressoava um mantra para sequer olhar para os lados. Já estava quase no final da abertura quando escutou.

Um choro baixo. Deveria continuar em frente, sabia disso. Mas como podia seguir em frente, como lidaria com o fato de estar abandonando alguém? Tinha medo de encontrar aquele menino de novo, mas o choro continuava.

Entrou devagar na caverna e viu uma menina encolhida no canto. Seus cabelos longos faziam uma cascata de proteção em volta de seu pequeno corpo. Chamou baixo, tinha medo que mais alguém escutasse.

A garota levantou a cabeça assustada, encolhendo-se mais, parecia querer se fundir com a parede. O horror em seu rosto era terrível. Aproximou-se em silêncio mostrando que não queria fazer mal e agachou-se perto da menina.

Ela também não sabia quem era. Seu rosto era angelical. Perguntava-se como alguém podia deixar uma criança sozinha naquele lugar. Conversaram pouco tempo, era imprescindível continuar andando. Decidiu chamar a menina de Mary para não ficar se referindo a ela como “garota” a todo instante.

Mary grudou em seu braço e enquanto saiam da caverna escutaram um barulho, virou para trás e o menino estava lá de novo, olhando-a e sorrindo. Quando ele deu o primeiro passo, puxou a menina e começou a correr pelo corredor.

O medo de olhar para trás aumentava enquanto via a escuridão perseguindo-as, cada vez mais perto, opressora. Ainda assim, nada lhe dava mais medo do que aquele estranho garoto loiro.

Encontraram outras cavernas no caminho, algumas vazias e algumas com pessoas assustadas. O grupo aumentava, mas ninguém falava. O corredor parecia eterno, mas o medo de ficar parado era maior, por isso continuavam andando.

Até o primeiro grito.

Todos viraram para trás enquanto uma mulher que se juntara ao grupo era sugada pelas sombras e o silêncio aumentou quando o som simplesmente parou. Não existia mais nada além do som descompassado de suas respirações.

Não pensou duas vezes, segurou com força a mão de Mary e começaram a correr novamente. Agora sabiam que eram seguidos. Alguém não queria que saíssem.

Estavam cansados, mas outro grito renovou suas forças. Seus pés sangravam, mas não importava. O cheiro de sangue parecia aumentar a vontade da coisa atrás deles. Às vezes escutavam o respirar de algo, não era humano, mas ninguém queria descobrir o que era.

Os gritos daqueles que eram pegos estavam menos espaçados, Mary chorava agarrada em seu braço. Sentiu um vento forte e olhou para o lado, o horror e o desespero na cara do homem que estava sendo puxado gelou seu sangue.

Olhou para trás e aquele menino estava na escuridão, andando lentamente, seus olhos brilhavam no escuro, frios, sem vida.

Só restavam elas agora e sabia que seria a última. Ele pegaria a menina primeiro.

Ninguém lhe falara, mas é como se algo dentro de si tivesse essa certeza.

O pensamento de deixar Mary ser levada cruzou sua mente, e no mesmo instante sentiu vergonha de seus pensamentos. Ela era uma criança.

Virou o rosto e viu o topo da cabeça da garota, diria que eram castanhos, mas naquela escuridão nada era o que parecia. Então a menina levantou a cabeça, seus olhos marejados. Olhou para seus pés, o sangue manchava as pedras.

Pegou-a no colo e correu com todas as forças pedindo que ela fechasse os olhos. Não olhasse para o corredor e a garota a obedeceu agarrada em seu pescoço. Chorava baixo perto de seu ouvido.

Agarrou-se firme na menina, se ele a pegasse iria junto.

Um brilho no final do corredor lhe deu mais forças.

Sentiu um vento às suas costas, ele estava próximo.

Juntou o que ainda tinha de vontade e jogou-se pela abertura.

Caiu com Mary por cima de seu corpo. A dor se espalhou, mas não ficou esperando passar. Levantou apoiando-a no chão novamente e voltaram a correr.

Quando já estavam afastadas que notou a luz tímida que iluminava o lugar. Estavam em um descampado. E no horizonte podia ver um brilho forte. Alguma coisa lhe dizia que precisava chegar até lá, assim como sentiu que podia descansar.

O cheiro estava diferente, e uma esperança que não sentia desde que acordou começou a tomar espaço em seu coração.

Enquanto Mary dormia em seu colo olhou para a caverna de onde saíram.

Aquele garoto estava lá, soube então que ele fazia parte da escuridão. Aquele sorriso estranho, olhando-a diretamente nos olhos.

O medo de fechar os olhos a fez ficar acordada, e durante todo o tempo em que ficou esperando Mary acordar, não olhou para trás.

Sabia que se olhasse, ele estaria lá.

Esperando.


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Notas finais do capítulo

Deixem um review para saber o que acharam do conto!!