90 Dias escrita por Gaby Molina


Capítulo 7
Capítulo 7 - Jem e Angie




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Jem

The calm on my cheek

Feels like the fall grass

And I run through the tall trees

With your hands chasing me.

— Sloom, Of Monsters And Men

[Eu também queria que ele tivesse cursado biomedicina, na moral. Tá, Tori, calei a boca. Angie! Me salva! Ah, a quem estou tentando enganar? Merda] Oi. Angie não me salvou. Eu estava desviando de uns tapas da minha irmã. Que grande ajuda você é, loira.

Fitei Tori esperando por uma explicação que, obviamente, não ganhei.

— Ele está estressado com a pilha de provas que tem para corrigir — disse ela, dando de ombros.

Aqui vai, para quem não sabe: minha irmã é a pior mentirosa do mundo. Ela torce o nariz toda vez que mente. Mas não insisti. Se ela não queria me contar, tudo bem.

Sim, eu fiquei perguntando de cinco em cinco minutos. Irmãos são para isso.

— Tá, vou mudar a pergunta: — não olhei para Tori. — Você tem o número do celular da Angie?

Minha irmã sorriu.

— Ela não tem celular.

— Está brincando.

— Não.

— Por quê?!

— Ela disse que todos os amigos dela da Califórnia moravam perto, eles viviam visitando a casa uns dos outros quando queriam dizer alguma coisa.

— Que legal.

— O que você vai dar para ela de aniversário?

— É aniversário dela?!

— Sim, no sábado que vem.

— Já sei — peguei a chave do carro. Corri até meu quarto e fitei o pote com a quantia que eu havia ganhado nos últimos dois meses no bar do Marcus. Suspirei e enfiei tudo no bolso.

* * *

— Feliz aniversário adiantado — sorri para Angie na segunda-feira, encostando em seu armário e estendendo-lhe uma caixinha azul.

— Como você...?

— Apenas abra.

Angie o fez e se deparou com um celular.

— Você não fez isso.

— Sim, eu fiz isso. Foi um presente egoísta disfarçado de altruísta, sinta o poder.

— O poder diminuiu agora que você me contou.

— Tudo bem, vou poder te encher o saco com mensagens de madrugada. Vai valer a pena.

Ela sorriu, revirando os olhos.

— Obrigada — e beijou minha bochecha.

— Você sabe usar?

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Eu não sou um ermitão.

O sinal bateu. Entrelacei meus dedos da mão nos dela e sorri.

— Aula de Inglês.

A expressão no rosto dela era uma mistura perfeita de querer me censurar e não querer dizer nada. Ela apenas assentiu e caminhamos até a sala de aula.

* * *

Na aula de Educação Física, eu estava jogando basquete. Eu não era exatamente bom, até porque não era muito alto se comparado aos caras de 1,95m que estavam jogando comigo, e também tinha o fato de Angie estar na arquibancada, matando alguma aula.

Tinha um caderninho em mãos, onde rabiscava alguma coisa com um lápis grafite.

— Ei, delinquente — sorri, afastando os cabelos molhados do rosto. — Aula de quê?

— Artes — disse ela, e continuou fazendo o que quer que estivesse fazendo.

— Eu fiz uma cesta de três pontos, você viu?

— Vi — ela mordeu um pedaço de uma barrinha de cereal.

— Viu nada, eu não fiz cesta de três pontos.

Ela sorriu levemente.

— Não entendo nada de basquete.

— O que você está fazendo?

— Não está pronto ainda.

— Você tem essa mania de responder coisas que não tem nada a ver com o que eu perguntei — sentei-me ao lado dela.

— Depende do ponto de vista.

— Justo.

— Gosto da sua camisa — disse ela, apontando para a minha camisa do Avenged Sevenfold.

— Obrigado. Gosto do seu sorriso.

Ela corou um pouco, sorrindo levemente.

—... Viu só? Deveria sorrir mais vezes. Fica bem em você.

— Lightbody! — o treinador gritou de dentro da quadra. — Volte já para cá! E a senhorita, o que está fazendo fora da sala de aula?!

— Aula livre! — Angie gritou de volta, dando de ombros.

— Sei! Quer que eu mande ligar para a sua mãe?!

— Boa sorte com isso! — ela sorriu. — Se encontrá-la, me diga onde, porque eu também adoraria saber!

Nos dias que se passaram, eu sempre tentava arranjar tempo para ficar perto da Angie. Eu mandava mensagens para ela frequentemente, principalmente quando discutia com a minha mãe. Angie sempre me fazia sorrir.

Tori, por outro lado, não dormia há dias. Estava sobrevivendo à base de café.

— Eu não quero ir para o colégio — ela choramingou na quarta-feira. — Você não pode me obrigar!

— Posso, sim! Vamos, Victoria!

— Não me chame assim — pediu ela e afundou a cabeça novamente no travesseiro.

Angie

I've waited hours for this

I've made myself so sick

I wish I'd stayed asleep today

— Close To Me, Of Monsters And Men

Eu e Cassie havíamos nos aproximado bastante nos últimos dias. Ela estava sem chapéu naquele dia, o que era novidade. Seus cabelos volumosos caíam por cima dos óculos Rayban. Ela usava uma blusa com alguma frase criativa, jeans e Oxfords.

— Cadê a Tori? — perguntei, olhando em volta antes do último período. — Não a vi o dia inteiro.

— Eu também não... Olhe, ali está!

Tori caminhou até nós lentamente, como se estivesse bêbada. Mas é claro que não estava, era de Tori que estávamos falando. Soltou um longo bocejo. Geralmente caprichava muito em suas roupas diárias, mas naquele dia estava usando apenas uma blusa básica, saia jeans e sapatilhas. E óculos de sol.

— Qual é a dos óculos? Ressaca? — perguntou Cassie.

— Claro que não, eu nem bebo — Tori suspirou. — Estou muito cansada, só isso. Passei o dia dormindo na sala de música.

— O sr. Harris perguntou de você. Algo sobre o nosso trabalho, acho — lembrei-me.

— Ele perguntou de mim ou do trabalho?

— Perguntou se você estava bem — disse Cassie. — Você nunca falta às aulas dele.

— Tem uma primeira vez para tudo. Só não sei quando vai ser a última. Bem, vamos logo, eu ainda quero ter uma viagem de formatura.

Quando entrei na sala, os olhos de Jem focaram-se em mim.

— Ei, Angie! Guardei um lugar para você.

Fitei as meninas por um segundo, que praticamente me empurraram para cima do Jem e foram para o outro canto da sala.

— Vic... Srta. Lightbody — o sr. Harris fitou Tori. — Senti sua falta nas outras aulas de hoje.

— Claro que sentiu — ela engoliu um riso.

— Algum problema?

— Problema algum. Por que acha que tem algum problema?

— Porque eu conheç... Por nada. Por que está usando óculos escuros?

— Porque eu quero. Tem alguma lei contra isso?

— Certo, que seja. — ele revirou os olhos e voltou a falar alguma coisa com Nicholas Youth.

No fim, acabamos marcando mais uma venda de bolinhos no Domingo, em frente a uma escola primária (as crianças iam fazer uma apresentação de sei lá o quê).

— Um dia depois do seu aniversário — lembrou Jem.

— Verdade.

* * *

Jem me mandou uma mensagem de feliz aniversário meia-noite em ponto. Sorri levemente e respondi agradecendo. Achei estranho não ter recebido nada de Cassie ou Tori, mas tudo se resolveu quando elas quase derrubaram a porta do meu quarto às duas da tarde cantando parabéns e jogando confete em mim (claro que elas não limparam depois).

— Assim — Tori começou. Ela estava mais perto do normal. Bem mais do que estava quarta-feira, de certo, e ainda se recusava a dizer a mim ou a Cassie o que tinha acontecido. — Um conhecido da Cassie vai dar uma festa enorme essa noite no centro. Vai ter gente da cidade toda lá, ótimo jeito de você conhecer gente nova que não é da escola.

— Incluindo universitários gatos — lembrou Cassie.

— Como se ela se importasse! Angie só pensa no meu irmão — Tori revirou os olhos, sorrindo.

— Ei! Isso não é nem um pouco verdade! — defendi.

— Bem, o Jem deu um celular a ela, então eu já aprovo totalmente — anunciou Cassie.

— Não tem nada para aprovar, droga!

— Que seja. Mas você vai à festa, certo?

— Eu não tenho cert...

— Amou a ideia? Ótimo! Só que tem uma tradição: as meninas sempre vão de vestido nessa festa.

— Eu não tenho nenhum vestido de festa.

— Imaginamos que diria isso — Tori sorriu. — E é por isso que ainda estamos te devendo um presente de aniversário. Operação Vestido Para a Angie: Ativar!

Elas me empurraram até o carro da Cassie, que me deu um cupcake com uma vela. Awn.

Elas cantaram parabéns (com direito a Com Quem Será) e Cassie deu partida no carro. Quando chegamos ao shopping, Tori me encarou.

— Ah, e eu disse ao meu querido irmão para não encher o seu saco. Hoje você é só minha e da Cassie, Jem vai ter que esperar.

Fui arrastada até a Macy's. Passamos bastante tempo pegando um monte de vestidos (Cassie jogava os que gostava em mim e Tori reclamava, censuradora).

Acabamos optando por um vestido sem mangas azul marinho até um pouco acima do joelho com uma faixa estreita dourada na cintura. Tori ia me emprestar um salto porque, bem... Estávamos na Macy's, e o vestido era caro para caralho, e nenhuma das duas trabalhava.

Cassie fora demitida do Starbucks porque costumava escrever o nome do cliente no copo de café e fazer uma ilustração do sobrenome. Então, Amanda Oliveira tinha uma árvore ao lado do nome, e assim por diante... Até que ela fez isso com um cara chamado Victor Pinto.

O gerente não gostou muito, digamos apenas.

Voltamos ao carro. Passamos na casa da Tori para pegar o sapato e o vestido dela, antes de finalmente irmos para a casa da Cassie.

Era um sobrado vitoriano claro e reformado. Elas entraram correndo, acostumadas, e pularam de dois em dois degraus até o andar de cima.

O quarto de Cassie era incrível. Cada parede estava pintada de uma cor, e estava escrito "DREAM" na parede atrás da cama de casal.

Tomamos um banho e nos vestimos. Eu e Tori ficamos prontas rapidamente. Ela estava impecável como sempre, em um vestido claro de renda e salto alto rosa.

Quando Cassie saiu do banheiro, eu levei quinze segundos para reconhecê-la. Seu cabelo estava liso, caindo perfeito pelos ombros. Os óculos haviam sido trocados por lentes de contato, e os olhos cinzentos estavam contornados fortemente com lápis de olho preto. Os lábios carnudos, com batom vermelho claro.

Seu vestido era preto e bem justo, com um pedaço transparente nas laterais. Ia até um pouco menos da metade da coxa. Era basicamente o tipo de cena que eu não achei que veria nem em meus sonhos mais insanos.

Ela estava linda, mas mais do que isso... Estava sexy.

Tori percebeu minha expressão surpresa e abriu um leve sorriso.

— Ela é uma pessoa totalmente diferente nessas festas, você acaba se acostumando. — sussurrou.

Cassie caminhou até nós. Seus sapatos vermelhos de salto fizeram um pouco de barulho.

— Certo, hora de chutar algumas bundas — ela sorriu e nos arrastou até o carro.

Conforme dirigia, foi me explicando as "regras".

— Não vai ter ninguém que a gente conheça lá, então... Se você quiser dizer que está na faculdade, nada te impede. Ninguém nunca vai saber.

— Hã, eu...

— Vamos ficar com você o tempo todo. Nada de ruim vai acontecer — prometeu Tori. — Ah, e isso é para você... Tisha.

Ela me entregou uma identidade falsa, com minha foto do anuário do segundo ano que eu não fazia de como elas haviam conseguido. Tisha Reynolds. 22 anos.

Eu mal parecia ter 18, muito menos 22.

— Tisha? Não tinha um nome melhorzinho, não? — protestei.

Cassie riu.

— Não reclama, no meu está Daphney.

— Wrenda — disse Tori.

— Estou me sentindo melhor agora — admiti.

— Ceeerto, queridinhas, chegamos! — Cassie sorriu e parou o carro em frente a uma casa enorme.

Tocava Calvin Harris lá dentro.

So I put my faith in something unknown, I'm living on such sweet nothing... — acompanhei baixinho. A voz da Florence era perfeita, pai do céu.

Cassie me arrastou até o bar, apesar dos protestos de Tori. A primeira arranjou uma Jack Daniels, mas apenas timidamente peguei um copo de cerveja.

Não costumava beber muito. Tori não bebeu.

— Oi, linda. Está a fim de dividir essa daí? — um moreno lindo sentou-se ao lado de Cassie, apontando para a garrafa.

Cassie virou a garrafa toda de uma vez.

— Foi mal. Acabou.

O garoto sorriu.

— Acho que vamos ter que pegar mais uma, então...

Eles saíram do meu campo de vista. Depois de um tempo, Tori disse para mim:

— Eu já volto.

Fiquei sozinha. Gastei tempo ali sentada por alguns minutos. Mais dois copos de cerveja. Foi quando o vi.

O plano de Cassie de não ter ninguém conhecido ali falhara miseravelmente. Eu reconheceria aquele par de olhos escuros em qualquer lugar.


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