Central De Atendimento escrita por P Shiro


Capítulo 6
Ainda é cedo


Notas iniciais do capítulo

Eeeeeeita demora do capiroto pra terminar essa fic, isso porque no início eu dizia que seria um oneshot de no máximo 3 capítulos '.' senti até uma tristeza por terminar esse capítulo, sei que muita gente vai odiar esse final e querer me bater, mas foi isso que pensei desde o começo da história.
Assim como um capítulo anterior, esse terá uma dinâmica diferente, tem uma música que se encaixa perfeitamente na situação da primeira parte, então quem quiser ouvir no começo do capítulo, acho que seria bem legal xD
Aqui está o link para a música:

http://www.youtube.com/watch?v=wMwS3ohfrfI



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Porto Alegre, tempo chuvoso, 4º

 

O clima na capital gaúcha estava frio e tempestuoso, relâmpagos enfeitavam o céu escuro como fogos de artifício em uma festa d'água, Estela sentia uma tempestade dentro de si enquanto chovia pelos olhos, era só mais um dia sem notícias da amada.

— Quando foi que isso saiu do controle? - perguntava sozinha.

Estava jogada no sofá da enorme sala, com as pernas cruzadas apoiando os braços brancos e finos, vestia um pijama preto com detalhes de seda gasta, a parte de cima era uma blusa justa com os dizeres Love music. Pensava na vida e nos próprios erros quando foi interrompida pela mãe adentrando a sala com rapidez e desespero.

— Hoje o bebê está chutando demais. - reclamou a gestante com respiração cansada.

— Talvez já queira nascer. - Estela respondeu sem encará-la.

— Acho que não, ainda falta mais de um mês pra ele sair.

— Pode nascer de sete meses como eu.

A mãe olhou espantada com o comentário, não se lembrava de ter tido a filha precoce mas também não se lembrava de boa parte daquela gravidez, por um segundo pensou em perguntar para a filha se ela havia mesmo nascido com sete meses, desistiu logo percebendo que certas perguntas as afastariam muito.

— Ele ainda não está pronto para nascer.

— Não, a senhora que ainda não está pronta para ser mãe. - a garota respondeu e saiu da sala deixando-a desolada.

A mãe então percebeu que os olhos da filha estavam vermelhos e molhados, a menina aparentava ter perdido peso e vestia o mesmo pijama desde a semana passada.

Estela foi para o quarto tentar como sempre, falar com a namorada, já não conseguia mais ter uma vida normal como antes, as garotas ainda lhe chamavam para sair, não sentia nenhuma vontade de vê-las e uma culpa a atormentava quando se lembrava de todas as vezes que beijou outras garotas.

Do lado de fora do quarto a mãe apreensiva, pensava em alguma forma de se aproximar da dor da filha.

— O que eu posso te fazer para isso passar?- perguntou.

— Nada. Isso não tem importância na sua vida.

— Eu quero te ajudar.

— Vai embora, já ajudaria muito.

A garota saiu da cama e bateu a porta na cara da mãe, a última imagem que viu foi o semblante assustado naqueles olhos da mesma cor que os dela.

— Desculpa Estela, eu queria ser uma mãe de verdade, tu não sabe o quanto me dói te ver assim.

Dentro do quarto o silêncio prevalecia.

— Quando precisar conversar eu vou estar te esperando. - A voz deprimida na porta produzia um sentimento de culpa maior ainda na garota.

— Desculpa.

São Paulo, tempo seco, 30ºc

 

Já fazia uma semana que Natasha saíra do hospital, depois da crise de tontura que a fez desmaiar no telefone foi levada as pressas para o pronto socorro do bairro e lá as suspeitas de que o aneurisma havia se rompido foram negadas. O desmaio foi resultado da imensa dor de cabeça causada pelo stress e também pela compressão do vaso dilatado do aneurisma, foi medicada e ficou em observação por alguns dias e no hospital adquiriu uma forte infecção deixando-a mais fraca. Para combater a infecção sem gastar suas últimas forças, os médicos decidiram que deveria ficar em coma durante alguns dias.

Os dias que passou desacordada foram confusos e cheio de memórias, lembrou-se da infância divertida e as férias que passava na casa dos tios, a época feliz em que sua irmã e primos criaram um clube onde só entrava quem passasse pelas provas mais bizarras pensadas por mentes infantis, também teve lapsos de memória durante as lembranças inconsciêntes, enxergava uma figura embaçada quando tentava se lembrar do pai, só o que lembrava era das manhãs de domingo em que ia para a igreja arrastada pelo pai, foi no início da catequese que começou a refletir sobre o sentido das coisas e os amigos começavam a se afastar.

No último dia desacordada Natasha se lembrou do que a fez ir para o hospital, ouviu novamente a voz do amigo da namorada lhe contando tudo:

— A Estela está te traindo desde que entrou para essa escola, ela é tão piranha que consegue ficar com metade da cidade sem que ninguém desconfie.

Um aperto no peito a incomodava no meio do coma induzido, no quarto do hospital ouvia vozes falando termos técnicos: parece um quadro de apnéia, precisamos controlar essa bradicardia.

Por último lembrou da voz rouca que ouvia há mais de um ano, a voz doce da garota dos seus sonhos:

— Eu te amo Natasha.

Essa foi a última lembrança da garota enquanto dormia, após lhe acordarem passou os próximos dias na cama recebendo visitas e dormindo na maior parte do tempo, esforçou-se imensamente para não pensar naquela lembrança.

Saindo do hospital, tudo voltaria ao normal, a rotina de aula na faculdade e trabalho até cumprir o contrato, tudo como antes, só o que mudaria era o fato de não ocupar seu tempo no telefone como costumava. Não tinha mais nenhum contato com a namorada, já que quebrara o chip do celular que registrava as melhores conversas com Estela, sua mãe se encarregara de mudar o número do fixo e a irmã resolveu excluir todas as contas de Natasha nas redes sociais, estava incomunicável.

A única forma de ter algum contato com quem lhe fizera tão mal era por carta, mas como combinado entre as moradoras da casa, todas as que chegassem com remetente do sul seriam rasgadas.

E foi assim que aconteceu, numa tarde de quarta-feira, o carteiro deixou uma montanha de cartas com remetente do Rio Grande do Sul, todas de Estela, já estava virando rotina receber toda semana pelo menos uma dúzia de cartas dela, todas eram rasgadas aos pedaços e jogadas no lixo, Natasha tinha a ilusão de que rasgando as cartas restaurava seu coração que também estava aos pedaços.

— Posso jogar isso fora? - sua mãe perguntava.

— Claro, mas pode deixar que eu mesma rasgo.

Descontava suas frustrações naquelas folhas cheias de mentira, algumas com cheiro amadeirado do perfume conhecido, outras guardando palhetas, desenhos, origamis de coração e pequenos objetos com ou sem significados. A caligrafia caprichada era o que mais doía, diversas vezes conseguia ler algumas palavras enquanto dilacerava a folha de papel e sentia-se dilacerada também.

A menina evitava pensar na amada, ocupava-se na faculdade e trabalho o maior tempo possível, com as férias chegando arrumou um jeito de fazer horas extras.

— Você está trabalhando demais, desse jeito vai ficar doente.

— Ah, eu não vou ficar muito tempo aqui, então preciso fazer horas extras.

— Não vai ficar muito tempo? Como assim?

— Meu período de experiência está acabando, não quero trabalhar a vida inteira numa central de atendimento.

— Imagino, isso não tem nenhuma relação com a sua área, não entendo o porquê você escolheu trabalhar aqui.

Natasha também não entendia, estava desesperada para encontrar um emprego qualquer, com isso poderia guardar dinheiro para visitar a namorada, mas agora não fazia sentido continuar a trabalhar em um lugar tão desagradável como aquele. Permanecia ali para ocupar o dia com algo, o estresse das ligações atendidas era o que mantinha sua mente longe de pensamentos relacionados a namorada.

— Olha aqui, eu não sou otário para ser enrolado por uma atendente. - o cliente dizia do outro lado da linha.

— O senhor vai me desculpar mas não posso devolver um valor que foi cobrado de um serviço utilizado.

As vezes sentia como se estivesse sendo testada sua paciência e honestidade, odiava atender aqueles tipos aproveitadores que desejavam se beneficiar de alguma forma, pior ainda quando começavam a xingar ou desmoralizá-la.

Seus colegas de trabalho também planejavam pedir as contas assim que terminasse o período de experiência, era a companhia deles que animava Natasha a continuar naquele ambiente chato.

— Parece que esses três meses estão se arrastando. - dizia ela.

— Calma, só faltam duas semanas e a gente cai fora todo mundo junto.

— Incrível como consegui ficar tanto tempo aqui. - concluiu.

— É seu primeiro emprego, né?

— Sim, mas isso não tem nada a ver comigo, odeio esses head fones.

— Ninguém gosta disso, não é justo a gente resolver os problemas que uma empresa causa as outras pessoas enquanto temos os nossos problemas guardados.

Assim seguiram os dias úteis, ouviam insultos e ironias do outro lado da linha, e devolviam isso tudo com lamentações no final do dia, até o último dia de trabalho.

— Finalmente, hoje é nosso último dia.

— Sim, contrato encerrado depois das dez da noite.

— Vamos comemorar depois do expediente. Natasha?

— Claro.

Despediram-se e foram ao trabalho, o último torturante dia de trabalho, as últimas ligações atendidas, Natasha estava feliz, sua liberdade chegara em boa hora, já não sentia tanta dor quanto antes, na cabeça e no coração. Depois do trabalho seu plano era encontrar um estágio e começar seu projeto de jogo logo, aos poucos estava voltando a vida, mesmo pensando toda a noite antes de dormir na guitarrista de voz rouca que um dia amara, não sofria como antes.

— Boa tarde, com quem eu falo?

— Alô, meu nome é Jonas, quero ativar meu correio de voz.

— Certo senhor, só um instante por favor.

A atendente entrou em um sistema pelo computador e após alguns cliques concluiu o pedido, registrou o contato do cliente e retornou ligação:

— Pronto, já está ativada, deseja algo mais?

— Agora eu quero que cancele minha próxima conta porque tá muito alta.

"Droga, estava fácil demais" - pensou a garota.

— Eu não posso fazer isso, a conta virá de acordo com o que foi utilizado. - explicou pacientemente.

— Mas eu não quero, diminui aí, faz alguma coisa!

Natasha suspirou, contou até dez mentalmente, não queria se irritar no último dia de trabalho, foi então que teve a ideia de derrubar o cliente, era a primeira vez que faria isso e seria muita falta de sorte se alguém percebesse.

Apoiou o dedo indicador sobre o botão reset no aparelho gigante e pensou por um instante.

— Ei, você está aí? Eu disse que quero que cancele a conta, eu não vou pagar mais porcaria nenhuma, faça alguma coisa sua incompetente!

Reset, foi o que fez. Derrubou o cliente satisfeita, era a primeira violação feita em três meses de trabalho, sentia-se como uma marginal pichando uma parede, mal sabia que todos os seus colegas faziam isso rotineiramente.

"Não vou me estressar hoje, todos os Jonas que aparecerem vão cair", disse a si mesma.

Em seguida mais uma ligação caiu:

— Boa tarde, com quem eu falo?

— Eu... Natasha?

A voz rouca e doce conhecida do outro lado da linha provocou um aumento repentino de batimentos cardíacos da atendente. Imaginou se aquilo era ou não uma alucinação provocada pelo nervoso das atividades do trabalho, e se fosse, o quanto isso iria durar?

— Alô, é a Natasha?

— Sim. Boa... tarde, quem é?

— Natasha, ainda bem que consegui, é a Estela, por favor eu preciso falar contigo.

— Estela? - perguntou como se não acreditasse, pensou que talvez fosse um trote de algum colega do trabalho, mas não havia mencionado a namorada para ninguém dali.

Olhou para a tela do computador, o sistema registrava que era a 86º vez que o número estava ligando aquele dia, a chamada vinha de Porto Alegre.

— Sim, desculpa te incomodar, eu estava desesperada, preciso que me ouça...

— Estela, por que tá me ligando? Como conseguiu isso? Você é louca.

— Te liguei porque é a única forma de ouvir tua voz, tem muita coisa que eu quero te falar e foi muito difícil conseguir falar contigo mas eu não podia desistir, todos os dias passava horas ligando para essa central de atendimento desejando que tu me atendesse do outro lado da linha, eu nem acredito que consegui, não sabe o quanto isso me deixa feliz.

— O que você quer? - Natasha perguntou aborrecida. Entre todas as ligações que recebera, essa foi a que mais lhe deixou ansiosa, não importaria se a pessoa do outro lado lhe xingasse, dissesse besteiras ou coisa do tipo, mas ouvir aquela voz rouca mexia com sua sanidade.

— Natasha, me desculpa por tudo, eu sou a maior imbecil de todas por ter feito tu sofrer, desde a última vez que a gente se falou até hoje não tem um dia que eu não chore pensando em ti, não consigo dormir por tua causa, sempre me lembro das noites em que te ouvia falando sobre dinossauros, extraterrestres, sentido da vida e todas aquelas coisas que tu me falava. Eu te amo muito, não quero perder alguém tão especial, tu é a única pessoa no mundo que eu amo, por favor, me desculpa.

— Estela...

— Meu amor, tu não sabe como eu queria ouvir sua voz, o quanto foi difícil conseguir falar contigo, nossa, mas não importa, me fala se está tudo bem contigo? Como está tua saúde? - perguntava sem respirar, sua voz estava afobada e ansiosa.

— Eu estou bem, Estela.

— Ainda bem, eu te amo tanto, não queria que nada ruim acontecesse, desculpa Natasha, quero cuidar de ti, nunca mais vou ficar com ninguém, tu é a única que me importa agora! - de repente as palavras que saíam apressadas começaram a sair devagar e entre soluços, a garota estava aos prantos no outro lado da linha.

— Estela, eu... também te amo. Mas não posso falar agora, tenho que trab...

— Não, por favor, não desliga. Se tu deligar eu vou continuar ligando e mesmo que demore mais dois meses vou falar contigo! - implorava tentando controlar o choro.

— Não vou desligar, você não devia ter ligado, é loucura. - a mais velha dizia tão lentamente quanto a outra, estava tentando conter as lágrimas.

Enquanto isso a menor chorava como uma garotinha perdida dos pais, soluçava alto e ouvia-se um bater de dentes, provavelmente estava tremendo.

— Estela, eu te perdôo por tudo, não guardo nenhum rancor de você, na verdade o que a gente viveu gerou uma lembrança que vou lembrar para sempre, você me fez acreditar que é possível amar alguém de várias formas, sempre foi minha melhor amiga e confidente, nunca vou encontrar alguém assim como você.

— Eu te amo... - era tudo que a garota conseguia responder.

— E eu sempre vou te amar, sempre. Mas não tem como tudo voltar a ser como antes, você me fez muito mal nos últimos dias, se soubesse quantas noites chorei escondida por sua causa, nem se compara as horas que gastou tentando me ligar aqui, você me fez muito mal mentindo todo esse tempo, destruiu meu coração e provocou a pior dor que já senti, a perda. Eu não vou aguentar se isso acontecer de novo, não quero voltar a ser sua namorada.

— Mas Natasha, tu é só o que eu preciso, não vou mais te fazer mal, eu prometo. Por favor, não quero perder a única pessoa no mundo que eu amo. - suplicava.

— Você precisa aprender a amar, esse é o problema. Estela, se tem uma coisa que você me ensinou bem foi que não existem contos de fada, a gente não pode ser egoísta e amar só uma pessoa no mundo, todos os dias ao nosso redor tem pessoas que se preocupam com a gente e temos que ter alguma gratidão por isso, é esse sentimento de gratidão que está faltando em você e vai te fazer crescer. - Natasha se surpreendia com o autocontrole dizendo aquilo, as palavras saiam de forma automática, como se isso estivesse esgasgado em sua garganta a algum tempo.

— Eu... O que quer dizer com isso? - aquela altura a garota não chorava mais.

— Quero que você viva, não seja egoísta com quem está do seu lado e não se importe com o que os outros pensem, siga o que acredita.

— Não entendi, por que está me falando essas coisas?

— Porque ainda é cedo para você dizer que me ama, o tempo é que vai te mostrar se isso é verdadeiro ou não, mas também precisa abrir seu coração e amar quem te ama.

— Eu te amo, isso já é amar todos que me amam. Tu ainda me ama Natasha? - a voz rouca e doce adquiria novamente o tom engasgado de antes, a garota recomeçara a chorar.

— Sim, eu te amo, embora isso seja errado. - dizia emocionada.

— Não é errado amar, por mais que eu não mereça esse amor, quero te fazer feliz de novo, por favor Natasha, só mais uma chance.

— Estela, tem uma porção de coisas que você precisa aprender sobre o amor, e eu também - a última frase saiu pausadamente ainda é cedo, temos que aprender e se for de verdade o amor que nós sentimos, de alguma forma a gente vai se encontrar e descobrir.

— Não quero... te perder agora choramingava como se aquelas palavras estivessem lhe tirado o coração com as mãos, com esforço conseguiu proferir aquelas últimas quatro palavras.

— Meu amor você precisa ser forte, eu te amo, te conhecer foi a melhor coisa que me aconteceu, mesmo quando eu estiver velhinha vou me lembrar das nossas conversas e as suas músicas, queria muito ter te conhecido de verdade, ouvir sua voz além de um aparelho e te abraçar. - fechou os olhos enquanto falava e uma lágrima passeou pelo seu rosto.

— Pode não conhecer de perto mas me conhece por dentro melhor do que qualquer um.

— Esse lado de dentro que você deve mostrar para os outros, sem medo de parecer frágil. Tudo que aconteceu com a gente foi porque conseguiu mostrar um pouco desse lado, nossa história vai ficar para sempre no meu coração, nunca vou te esquecer star6b. - a choradeira das duas estava no mesmo nível, os óculos da mais velha embaçavam o tempo todo, assim como sua voz confusa e ainda embargada.

— Na tela do computador o cronômetro marcava cinquenta e três minutos de ligação, era um milagre aquela ligação das duas durar tanto tempo sem a supervisão reclamar ou gerar o que chamavam de call back, que era derrubar o cliente com intenção de retornar o contato.

— Natasha, tu me perdoa? - Estela perguntou tentando se controlar.

— Sim. Eu te perdôo.

— Eu vou te amar para sempre.

— Eu também, sempre.

— E vou crescer e me tornar uma pessoa melhor para ti, e nunca, NUNCA, vou me esquecer de tudo que passamos.

— Promete?

— Prometo. Obrigada por ter existido na minha vida, por ter sido minha melhor amiga e namorada, sempre vou me lembrar de ti.

Do outro lado Natasha não conseguia falar, soluçava desesperadamente lembrando de tudo o que havia se tornado inesquecível, desde o dia que se conheceram até a conversa daquele momento.

— Natasha? Natasha??? - o silencio do outro lado despertou o desespero na garota.

— Estou aqui.

— Lembra quando eu falei que te amava pela primeira vez?

— Sim, eu me lembro.

— Tu tinha ganhado uma aposta, das cinco perguntas, sabe?

— Eu sei, o que tem isso? - não entendia porque Estela estava falando disso agora.

— Qual era a última pergunta?

Natasha sorriu ouvindo aquela indagacão estúpida, já não lembrava mais da aposta nem das perguntas, só o que lembrava era que seu objetivo era ganhar para ter direito a lhe dar um castigo, o castigo foi jogarem o mesmo jogo em que se conheceram e no meio da partida Estela fez exatamente o que Natasha planejava fazer, confessou que estava apaixonada.

— A última pergunta, para que quer saber?

— Eu só quero saber, quero saber se consigo responder.

— A última pergunta é... Você me ama?

Terminando de falar e antes que Estela respondesse, a ligação caiu. No visor da tela uma mensagem Tempo de realização de call back excedido!, isso significava que aquela ligação estava encerrada, logo em seguida caiu o próximo cliente.

— Alô? Alô? - a voz idosa gritava do outro lado.

Natasha programou uma pausa e desligou o contato, não queria mais falar com ninguém. Saiu da mesa cabisbaixa ajeitando os óculos molhados sob o rosto, os colegas observaram a cena estranhando sua reação de esconder o rosto, em alguns pontos gotas de lágrimas caíam no piso cinza da empresa.

Foi correndo até o corredor dos armários e girando o segredo do cadeado com as mãos trêmulas, abriu seu espaço no armário e de lá tirou seus pertences, apenas uma mochila vermelha cheia de livros e revistas, jogou nas costas e saiu dali.

Sentia vontade de morrer pensando que aquela fora a última vez que ouviria Estela, a mesma garota que sonhava encontrar um dia e abraçá-la, nunca mais se falariam, mesmo com a possibilidade de tentar contato pelo número da namorada que ainda sabia de cór, Natasha estava decidida que não queria mais sofrer.

Essa decisão não era o bastante para lhe confortar e correndo pelas ruas movimentadas de São Paulo a garota sofria, a dor no peito machucava mais que a dor na cabeça recém manifestada. Pensou que talvez o melhor fosse aquele aneurisma estourar e acabar de uma vez com tudo aquilo, pensava em desistir de tudo.

Caminhou quase meia hora até chegar em frente ao Teatro Municipal, lá avistou o grande relógio apontando quinzes para as seis, ainda tinha mais quatro horas de trabalho mas não dava a mínima. Atravessou uma avenida e ficou observado o movimento dos carros na parte de baixo do Viaduto do Chá, escorou-se nas grades de proteção e jogou todos os seus sentimentos para fora, o barulho dos carros escondia seus soluços escandalosos.

Estava destruída mas no fundo sabia que aquela era a última vez que sofria por amor.

Porto Alegre, tempo ensolarado, 17º.

Estela ouviu a pergunta e em seguida o ruído avisando que a ligação caíra, tirou o celular do ouvido e pôde ver em letras garrafais vermelhas: Chamada encerrada.

Era o fim de tudo, não sabia o que fazer depois daquilo, todas as suas esperanças de voltar com a namorada foram esmagadas, também sentia-se esmagada, esse sentimento lhe corroía por dentro, as lágrimas não eram suficientes para expressar o que seu coração gritava.

Olhou para os móveis do quarto e com avidez começou a quebrar tudo, pegou o abajur de porcelana e lançou-lhe na direção da parede, arremessou longe o criado mudo, a pequena TV que nunca ficava ligada também não foi esquecida, Estela abriu a janela do quarto e jogou-a para fora.

Enquanto isso, do lado de fora do quarto a mãe ouvia o estrondo provocado pelos móveis arremessados, repousou a mão na maçaneta da porta e abriu sem pensar. O semblante de pânico da garota encarou a intrusa no quarto por um momento, depois continuou a tarefa destrutiva jogando o resto dos objetos na parede ou pela janela, a mãe apenas assistia sem reação alguma. Por fim, só sobraram a cama pesada, o guarda-roupa e a penteadeira pregados na parede, e, sua tão querida guitarra guardada em baixo da cama, cansada, a menina apoiou as mãos na penteadeira e viu seu reflexo no espelho, estava ofegante, com rosto rosado e cabelos desgrenhados, observou em volta o que havia restado, surpresa em ver a mãe ali parada ainda, com feição preocupada. Estela voltou a encarar sua imagem no espelho, a sensação dominante do peito explodindo mais do que escancarada nos olhos claros, puxou a guitarra debaixo da cama e arremessou no espelho, estilhaçou-o em centenas de pedaços.

A mãe viu aquilo e finalmente se manifestou:

— NÃOO! - berrou apavorada.

Estela se jogou no chão soltando a guitarra agora com metade das cordas arrebentadas, ajoelhou-se escorada na cama e chorou com suas últimas lágrimas, o barulho dos soluços sufocantes dominava o quarto.

Do seu lado a mulher com a barriga gigantesca passa os braços por cima do ombro da garota numa tentativa de abraço. A menina fitou o rosto da mãe e percebeu que aqueles olhos turquesa iguais aos seus também estavam úmidos e as duas se abraçaram pela primeira vez.

— Mãe, eu quero morrer. - o desabafo era tão preocupante que nem percebera que a filha tinha reconhecido-a como mãe.

— Eu fui uma idiota, perdi as únicas pessoas que me amavam. - dizia entre soluços.

— Não perdeu, eu te amo Estela, estou do teu lado.

— Obrigada mãe, mas dói muito. - enxugou os olhos com a manga da blusa e encarou a mãe ao seu lado, já não se tratavam mais como estranhas. - Me sinto mal pelos meus erros, por ter evitado amar.

— Eu sei como se sente. - aquilo não soava nenhum pouco forçado, a mãe sentia uma empatia pela situação da filha, também tinha evitado amar há quinze anos atrás quando a abandonou. - Às vezes a gente é covarde e esconde o que devia ser exposto, daí tudo vai se acumulando aqui. - disse levando a mão direita em direção ao coração da garota.

Estela ouvia com atenção ainda chorando, os soluços haviam cessado. As duas estavam sentadas no meio do quarto, a mãe com os braços em volta do pescoço da filha, se não fosse pela barriga enorme quem visse a cena diria que a garota estava no seu colo.

— Tu não pode fugir por medo nem se atirar de cabeça.

Os olhos claros expressivos da mãe observavam os da garota, estavam em um momento único, a mãe se sentia mãe e a filha encontrava a proteção materna que antes só conhecia da avó. Naquele quarto detonado com cacos de espelho por todas as partes, as duas ficaram abraçadas em silêncio por alguns minutos até as lágrimas secarem, um filete de sangue escorria pela perna pálida da garota mas não sentia nenhuma dor, a mãe quando percebeu, desesperou-se e correu para o banheiro à procura de um curativo.

— Aqui está. - limpou todo o sangue e colou o band-aid no ferimento.

— Mãe, tu amava de verdade o papai? - perguntou de repente.

— Sim, ele foi meu primeiro amor.

— E hoje? Tu ainda ama?

A figura materna levantou os olhos pensando onde a garota queria chegar com aquele assunto.

— Que pergunta é essa, guria?

Estela deu de ombros, desviou o olhar curioso imaginando se havia sido indelicada na pergunta, afinal estavam começando uma relação de mãe e filha agora.

— Eu tinha só dezoito anos quando conheci teu pai, ele prometia me amar para sempre.

— E o que tu prometia?

— Eu prometia não fazer promessas falsas.

A garota não pode deixar de demonstrar uma certa frustração com aquela informação.

— E então? Quem conseguiu cumprir?

— Teu pai cumpriu a minha promessa, e eu cumpri a dele. - respondeu sorrindo.

— Será que eu também vou cumprir a minha promessa?

— Tenho certeza que sim.


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Notas finais do capítulo

Aee, se você chegou até aqui, sinta-se abraçado(a) ♥
Alguns devem pensar: "e você que terminou a história desse jeito, sinta uma tijolada na sua face" ;-;
Como eu disse, o final pode ser frustrante para alguns mas foi assim que imaginei o último capítulo... peraí, não fiquem tristes, isso não é o fim, a Estela tem apenas 15 anos, imaginem vocês o que aconteceria depois e comentem (se não for pedir demais -q). Como diz o título, ainda é cedo, a vida é uma caixinha de surpresas (frase clichê), há muito o que acontecer, a história terminou dessa forma porque eu quis passar a mensagem de que mesmo depois da pior cagada das nossas vidas, a gente sempre pode mudar e recomeçar (acho que era isso, ou quase).

Não posso esquecer dos agradecimentos especiais a todos os leitores tímidos que só leram ç.ç e os bonzinhos que também comentaram:

~le lista enorme~
Samatha Linkon, Laa Cheery, Mrs Weasley Granger, Simone Soares, MaryMelo, Mordekaiser, Marceline, Schicletah, Amy.
~nem foi tão grande~

Agradeço a alguns amigos que não tem conta e leram (mas não me amam o suficiente pra criar uma conta e deixar reviews u.u)
Ao meu melhor amigo Benior que me aguenta em todos os rolês/bebedeiras/choradeiras/dramas, sem ele eu seria muito mais chata do que sou hoje. Te amo mano, seu lindjoh ♥
Daniela, aniki linda do meu kokoro, apesar de perguntar pela fic na frente do pessoal da facul (que não sabem que curto meninas e escrevo fic de meninas que curtem meninas), quando não sinto vontade de te estrangular, te amo sz ~Daisuki aniki, daisuki
A Patricia que leu até o penúltimo capítulo ontem enquanto assistia os simpsons, conversava com 37 pessoas no face, descongelava um frango e penteava os gatos (tudo ao mesmo tempo).
A minha linda mamãe que acreditou quando eu dizia que tava fazendo coisa da faculdade quando na verdade tava escrevendo a fic (sabe de nada inocente) -v-
e também porque amanhã é dia das mães né x3

Ps: Antes de terminar a fic mamy percebeu que não era lição e me colocou pra lavar louça nesse frio do Alaska ;---;

Ps2: Vou ficar pelo menos um mês sem escrever por causa das provas finais e exames ;-;

Ps3: Pensei em fazer um capítulo extra com uma versão cinco anos depois, mas não sei se alguém gostaria de ler, então quem quiser manifeste-se, dê um sinal de vida que posso pensar com carinho se faço ou não ^-^

Ps4: eita console caro -v-

Ps5: Não deixem de comentar :3