Jogos Vorazes - O Retorno escrita por valverdegyy, Carol Pantaleão


Capítulo 8
Capítulo 8 - Paraíso Perdido


Notas iniciais do capítulo

Ooooi povo lindo! Eu sei, eu sei, eu não postei o capítulo no ano passado como pretendia. Peço desculpas pelo meu desleixo. Mas, o bom é que aqui estou eu de novo ♥ Espero que curtam o capítulo, beijoooos



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 Mesmo após a sessão individual ter terminado, eu não conseguia parar de pensar no que vi. Aquele boneco de espuma todo estraçalhado com meu nome escrito no peito fora um choque de realidade. Era evidente que alguns de nós fossem fazer inimigos antes mesmo de sermos mandados para a arena, mas nunca imaginei que alguém me detestasse a esse ponto. Além do mais, esperava esse tipo de comportamento vindo de Sonea. Mas, se ela fora a última a mostrar suas habilidades, era impossível que fosse responsável por aquela mensagem de ódio. Então, quem havia feito aquilo? 

 De qualquer forma, precisarei ter mais cautela.

 — Agora, mais do que nunca, preciso de aliados... — murmuro enquanto espero o elevador chegar em meu andar.

 Assim que as portas se abrem, encontro os tributos sentados no sofá. Todos conversam sobre o que fizeram para tentar impressionar os idealizadores e os patrocinadores, exceto os pequenos que parecem mais interessados em brincar.

 — Onde estão Haymitch e Johanna? — Pergunto me sentando perto de Frank e Madelyn.

Ambos dão de ombros.

 — Desde que chegamos aqui, ninguém os viu. — Ela responde.

 — Vocês acham que foram bem? — Frank começa a roer as unhas, mas parece se repreender logo em seguida. O nervosismo, porém, encontra outra forma de se expressar e assim, o menino passa a apertar as mãos até que o nó dos dedos fique branco.

 — Acho que eu recebo, pelo menos, um 8 ou sei lá. Na verdade, não me importa muito. — Madelyn dá de ombros.

 — Queria poder ter a sua autoconfiança — admito. — O máximo que vou receber é um 5, talvez. E ainda acho muito! Minha cabeça começou a latejar e não consegui me concentrar muito bem.

 O assunto morre e todos optam por deixar as coisas como estão. No fundo, ninguém está muito a fim de pensar em como seus inimigos irão classifica-los entre “importante” e “desprezível” para começarem sua temporada de caça nos Jogos. Dessa forma, o silêncio prevalece pelo que parece uma eternidade. Então, o som das portas do elevador se abrindo nos tiram desse transe enlouquecedor. 

 Nossos mentores entram junto com uma equipe composta por oito pessoas completamente bizarras, sendo quatro homens e quatro mulheres exageradamente coloridos.

 — Estes são seus estilistas. Eles irão cuidar de suas aparências para que estejam apresentáveis para a entrevista.

 Haymitch é interrompido por uma mulher de cachos roxos e cílios gigantes:

 — Apresentáveis, não. Impecáveis! — Ela sorri e todos os outros de seu time concordam entusiasmadamente. Com o canto do olho vejo Johanna revirar os olhos, entediada.

 — Mulher com mulher e homem com homem, entenderam? — Todos a olham confusos. 

 — O que ela quer dizer — um homem de roupa cintilante e cabelo lambido cor-de-rosa assume a fala — é que as mulheres serão responsáveis pelas meninas e nós, pelos meninos. Por falar nisso, quem é Frank Welckman?

 — Sou eu! — Ele levanta a mão e se aproxima.

 — Esplêndido! — O homem comemora com pequenos aplausos. — Eu sou Cecil, seu assessor de moda.

 Todos os outros tributos se aproximam, interessados nos figurões banhados de glitter e lantejoulas. Haymitch torna a falar.

 — Pelo resto do dia vocês estarão entregues aos seus estilistas. Após o almoço, Johanna e eu estaremos esperando para guia-los em seu roteiro de entrevista. Não se atrasem! Depois disso, poderão voltar a se arrumar com suas respectivas equipes de preparação. — Ele nos dá uma última olhada. — Nos vemos depois.

 Assim que o Ranzinza e a Mal Humor desaparecem, volto a encarar as figuras deslocadas que nos observam com atenção. Frank e Cecil parecem ser melhores amigos e conversam animadamente sentados em um sofá. O resto de nós apenas permanece perdido em meio a rostos desconhecidos.

 — Então tá! Ava Halter... — uma mulher de pele alaranjada e enormes olhos amarelos passa os olhos em cada um nós.

 — Aqui. — A menina se aproxima, sorridente. A senhora Alienígena retribui o ato.

 — Perfeito! Sou Fluture.

 Assim, cada um encontra seu par e se afasta para um canto. É claro que nem todos se sentem à vontade logo de cara. Arthur, por exemplo, se mostra bem desconfortável na companhia de Dailos. Os irmãos Espinoza permanecem lado a lado enquanto se familiarizam com o par de excêntricos que se mostraram responsáveis por eles. Madelyn é indiferente para com a presença de Anina.

 — Você deve ser Samara Parker, certo? — A mulher de vestido geométrico preto com detalhes verdes e azuis e cabelos brancos se aproxima. Apesar da cor de seus fios, sei que ela é bem mais jovem do que os outros estilistas. — Sou Fayna. 

 Embora a aparência seja escandalosa, Fayna parece ser normal. As únicas excentricidades vêm das roupas, cabelo e maquiagem. Ela não parece ser o tipo de pessoa fã de artificialidades. Ao contrário dos outros, também não é muito sorridente e se permite encarar as pessoas sem se preocupar em estar sempre animada.

 Em silêncio, nos acomodamos na sala de estar. Não trocamos uma palavra sequer, mas sinto que ela me observa minuciosamente. Talvez esteja apenas tentando descobrir o que fazer comigo ou, então, esteja me imaginando morta, estirada no chão da arena.

 — E então — digo — tem uma ideia de como irei estar na entrevista?

 Fayna continua a me olhar, digo, fuzilar com os olhos. Sim, porque ela não está me analisando e, sim, perfurando meu corpo em sua mente. 

 — Ainda não sei o que fazer com isso — ela toca meu cabelo. — É volumoso e precisa de um certo tratamento. Vai dar trabalho para que esteja apresentável e de acordo com sua roupa.

 E assim, sem mais nem menos, sua boca se contrai em um sorriso sinistro à medida que seus olhos adquirem um brilho suspeito e começo a imaginar as esquisitices que se passam em sua cabeça.

  Seja lá qual for a sua ideia, é melhor que me ajude a conseguir a simpatia de alguém ou então, eu estarei morta.

 — Literalmente. — Fayna se levanta e me puxa.

***

 Após o almoço, nos reunimos em frente à televisão onde Caesar Flickerman e Claudius Templesmith apresentam seu programa habitual. A princípio, eles comentam sobre as expectativas para os Jogos – nos lembrando que irão começar amanhã – e sobre as apostas que já estão rolando. Fico impressionada ao perceber que, mesmo não tendo nenhum desfile neste ano, todos parecem nos conhecer. Os exercícios obrigatórios puderam ser exibidos para quem quisesse ver e, dessa forma, os que se saíram bem logo de início conseguiram um número maior de “fãs” do que os demais. Além disso, por alguns tributos pertencerem a famílias poderosas, não foi difícil para que muitos se tornassem populares a partir do momento em que foram sorteados. Imagino se também será permitido a divulgação de nossas sessões individuais entre os cidadãos da Capital.

 Depois de muita especulação, Caesar finalmente anuncia a chegada do momento mais esperado por todos: a divulgação das notas obtidas por cada um de nós. Sinto uma tensão pairar no ar até que o primeiro nome é chamado.

 O ponto é que a maioria conseguiu notas medianas. Somos habitantes da Capital e dificilmente pegávamos em uma espada ou em uma faca na intenção de lutar ou de, pelo menos, simular uma luta. Praticamente ninguém se dava bem com lanças, machados e arco e flechas no treinamento, então já era esperado que as notas não fossem tão altas. Os que mais se destacaram foram, obviamente, Mason, Mike, Sonea, Roma e Myron. Estes tiveram notas 10, 10, 12, 11 e 10, respectivamente. A pontuação mais baixa foi destinada a Leopold Melvin que, para o meu espanto, recebeu um 4. Os demais, variaram entre 6 e 9. 

 — Eu disse que ia tirar um 8! — Madelyn me cutuca, sussurrando. Ela parece radiante com a ideia de acertar a própria nota. — À propósito, parabéns pelo seu 9. — Vejo que ela sorri com sinceridade e agradeço. Mas é impossível compreender como fui tirar tal pontuação. Lembro apenas de ter ficado com uma baita dor de cabeça e da imagem daquele boneco grotesco com o meu nome estampado perto de mim.

 — Madelyn — de repente as palavras soam idiotas demais para serem ditas em voz alta. — Esquece.

 As conversas continuam a minha volta, mas aos poucos, se tornam apenas ecos cada vez mais distantes. Não sei o que se passa na cabeça de cada um em um momento como este. Tudo se resume ao amanhã e nas mortes hediondas que nos aguardam. Eu mesma me encontro em um misto de ansiedade e melancolia porque não tenho a mínima ideia do que vai acontecer quando a contagem chegar a zero. A única certeza é que terei exatos sessenta segundos para decidir o que fazer primeiro: fugir para longe do banho de sangue ou arriscar minha garganta em troca de armas e suprimentos?

 É engraçado como quando a gente pensa na morte, começamos a refletir sobre tudo e sobre nada. Todo mundo sabe que vai morrer um dia, mas, mesmo assim, continuamos agindo como se fôssemos imortais ou como se soubéssemos quando iremos dar o último suspiro. Só paramos para colocar as coisas na ponta do lápis quando é sabido que não há mais como escapar das garras dessa impiedosa ceifadora. Então, o que fazer primeiro? Se eu correr para longe terei que sobreviver do que encontrar pelo caminho e não tenho a menor ideia de como será meu campo de batalha. No entanto, lutar na cornucópia não é muito sábio. No caso de alguns tributos pode ser muito vantajoso, mas para mim, a probabilidade de sair viva é a mesma que a de ser vitoriosa. Minhas habilidades não estão em seu máximo e as dores de cabeça não ajudam nem um pouco. 

 — E então, já podemos começar a fazer perguntas ou o quê? — Volto ao presente com a voz de Mike. Entretanto, a voz de Caesar se faz mais audível.

 — Acaba de chegar uma informação do gabinete da presidenta anunciando que os eventos de hoje e de amanhã foram prorrogados por mais um dia. — Há alguns murmúrios no ambiente. — Dessa forma, as entrevistas serão realizadas amanhã e os Jogos terão início no dia sucessor, como o usual. Mais informações poderão ser divulgadas em breve. ­

 Alguém desliga a televisão ao mesmo tempo em que um enorme murmúrio se forma. Todos querem dizer algo, mas ninguém parece disposto a esperar o outro terminar a sua fala. Os estilistas estão decepcionados pelo trabalho adiado e, em parte, desperdiçado. Mike é o único indignado por ter de esperar mais para matar. O resto... Bem, ninguém parece entender o porquê da mudança. Johanna e Haymitch demonstram não ter ideia do motivo que levou Paylor a tomar tal decisão e todos sabemos que nos setenta e cinco anos de Jogos Vorazes isso nunca ocorrera. Pelo menos até onde podemos nos lembrar. Diante disso, acredito que toda Panem esteja confusa.

 — DÁ PARA CALAREM A BOCA? — Johanna grita. Todos ficam em silêncio, incluindo nossos estilistas que se mostram atordoados. — Já está sendo difícil entender a situação e vocês ainda resolvem falar ao mesmo tempo!?

 — O negócio é o seguinte: por hoje, os estilistas estão dispensados. — As figuras exuberantes começam a se retirar, desapontadas. — Pelo resto da tarde, Johanna e eu trabalharemos com quatro tributos. Os outros quatro serão ensaiados amanhã cedo. Após o almoço, cada um ficará com uma equipe de preparação que será comandada por seu respectivo estilista. Agora deem o fora, exceto vocês. 

 Madelyn, Anna Mel, Ava e eu somos obrigadas a permanecer. As duas primeiras seguem Haymitch até o andar de cima, onde provavelmente ficarão em um dos quartos conversando. Ava e eu ficamos com Johanna na sala de estar. Nunca havia estado a sós com nenhuma das duas. Assim, acaba sendo desconfortável para nós três. Não sei se nossos mentores já sabiam como iriam lidar com nosso treinamento, mas de qualquer forma, a vitoriosa do Distrito 7 parece perdida ao ter de orientar duas meninas ao mesmo tempo e completamente sozinha. Depois de alguns segundos, ela finalmente parece saber o que dizer.

 — Certo. Normalmente nós, mentores, pedimos que os tributos nos falem um pouco sobre si mesmos para que tenhamos uma base de qual será a melhor abordagem durante a entrevista e na arena. — Ava permanece em silêncio. Sei que se sente apreensiva em relação a falar de si para uma desconhecida, principalmente na companhia de uma potencial inimiga. Não posso culpa-la por pensar dessa forma. Também não faço ideia do que Johanna queira ouvir e muito menos de como falar sobre mim sem me mostrar demais para minha adversária. Seria mais fácil se Madelyn estivesse em seu lugar. — Mas não vai dar certo se nenhuma se prontificar a falar. 

 — Tá bom — suspiro. — O que precisa saber sobre nós?

 Passamos o resto da tarde tentando encontrar uma forma de parecermos atraentes para os distritos e ao mesmo tempo natural. Precisamos ser nós mesmas, mas não podemos ser muito sinceras porque nem sempre as pessoas querem saber o que realmente pensamos de certas situações. Acredito que seja esta a maneira como todos os tributos que por aqui passaram se sentiram. Afinal, o que você diria se lhe perguntassem o que acha de ser obrigado a ir para um campo de batalha para morrer? Agora, qual seria a sua resposta se tivesse de levar em conta o fato de que precisa agradar ao público que o está assistindo para sobreviver? Certamente são respostas diferentes.

 Nunca poderei ser honesta com relação aos meus pensamentos porque odeio ter que ir para a arena, mas, acima de tudo, odeio o idiota que decidiu que a melhor maneira de punir um povo que lutava por uma vida melhor era matando seus filhos. Violência nunca se resolve com violência. No entanto, este não é o lema dos Jogos. Retaliação. A ilusória satisfação em ver os filhos daqueles que mataram os seus morrerem também. É isto que motivou os distritos a incentivar uma última edição dos Jogos. De qualquer forma, a história se repete e assim como os tributos de edições anteriores, preciso convencer os patrocinadores de que tenho grande valor. Entretanto, não sei como ser atraente. Não sabemos o que os distritos buscam em nós. Graciosidade? Bravura? Inteligência? Nada parece ser bom o bastante para ser digno de atenção.

 — Desisto! Não sei como ser cativante — me jogo em um dos sofás e cruzo os braços. Olho para uma Johanna cansada de tentar “educar” alguém. — Se você fosse uma patrocinadora, o que valorizaria?

 Seus olhos tempestuosos examinam fixamente os meus. É difícil sustentar seu olhar sem baixar a cabeça ou ao menos vacilar. Fico imaginando como fora sua entrevista. Que tipo de comportamento demonstrou? Lembro-me de alguém ter dito que em sua edição se fizera de fraca e deu o máximo para que todos a esquecessem. Porém, nos momentos finais, demonstrou seu verdadeiro potencial. É uma ótima estratégia e poderia funcionar para mim se não fosse por aquele 9, embora eu não saiba como aquilo aconteceu. Com toda certeza os “predadores” irão me caçar incansavelmente. Mesmo que não seja nada comparado ao 12 de Sonea, não há como ignorar alguém que tire mais que um 8. E esse será mais um problema para resolver.

 — O que você valorizaria em um tributo se estivesse na posição de patrocinadora? Mandaria suprimentos para tributos que mal sabem usar uma faca? Gastaria dinheiro com quem possui menos chance de sobreviver? Ou apostaria cada centavo no mais forte, naquele que se mostra disposto ao que for preciso para permanecer vivo? — Os olhos de Johanna fixam em mim e em seguida, se voltam para Ava. — Vocês precisam saber mostrar o seu potencial através de palavras; devem saber se portar devidamente, mesmo que se sintam deslocadas ou com medo. Lembrem-se de que não houve desfile neste ano. Então, como gostariam de serem lembradas? 

 De repente, Haymitch e Anna Mel surgem em silêncio. Ele se joga em um dos sofás aveludados enquanto que ela se senta no parapeito da janela.

 — Pensem nisso! — Johanna dá uma piscadela para nós. — Estão dispensadas.

 Subo as escadas com as palavras ecoando em minha mente. Como quero que se lembrem de mim, afinal? Eu preciso achar uma maneira de justificar aquele 9! Mas como foi que aquilo aconteceu? Por que não me lembro?

 A porta do quarto desliza a minha frente e me deparo com Madelyn sentada no chão. Com os cotovelos apoiados nos joelhos, ela olha para um ponto fixo, mal notando minha presença. Me encaminho até o banheiro e permaneço a observar meu reflexo no espelho. Como essa garota magrela pode ser lembrada? Não tenho certeza do quanto serei capaz de fazer para sobreviver. Não posso imaginar quantas vezes terei de segurar as lágrimas para que não vejam como todas aquelas mortes me abalarão. Então, como demonstrar um potencial que eu mesma desconheço sem deixar transparecer meus verdadeiros sentimentos?! Se ao menos a minha memória ajudasse...

 Lavo o rosto e retorno ao quarto. Madelyn está deitada, fitando o teto.

 — Está tudo bem? — Pergunto. Ela permanece em silêncio por alguns segundos.

 — Estou só pensando na arena — se vira de lado, olhando para mim. — Como acha que vai ser?

 — Não faço a mínima ideia. Mas espero que tenha bons esconderijos. Estou preocupada com o banho de sangue na cornucópia.

 — Os meninos e eu estávamos tentando bolar uma estratégia. Não vai ser muito bom se todos nos arriscarmos logo de cara.

 — E então? — Minhas mãos começam a suar.

 — Frank e Ayden não vão se aproximar muito do interior. Vão tentar pegar o que der e correr para longe. Eu ainda não tenho certeza sobre o quanto vou adentrar na cornucópia, mas tentarei não sair de mãos vazias.

 Penso em quais são as chances de eu me aventurar a pegar uma arma e sair viva do massacre. Lembro muito bem dos avisos que recebi sobre as gêmeas e não restam dúvidas de que tentarão fazer de mim sua primeira vítima. 

 — E o Rafael?

 — Bom, o seu namorado decidiu que vai tentar pegar algumas armas.

 — Não somos namorados! — Rebato entredentes.

 — Tá bom! Não está mais aqui quem falou — ela levanta as mãos em rendição. — Enfim, como não temos ideia de como será a arena e nem temos uma bússola interna, resolvemos que vamos correr para a direção em que a calda da cornucópia apontar e tentaremos nos manter em linha reta o máximo possível. Eu sei que não vai ser o suficiente para nos encontrarmos e pode ser bem previsível que muitos façam isso, mas, pelo menos, teremos uma direção para seguir.

 Fico aguardando que ela diga mais alguma coisa.

 — Esse é o plano? — Sinto que não consigo disfarçar minha incredulidade.

 — É bem tosco, eu sei. Mas é o máximo que dá para fazer sem conhecer o lugar.

 Não posso critica-los pela precariedade dos detalhes. Madelyn está certa e devo admitir que estou surpresa por eles terem tentado achar uma forma de se orientar. Se eu não conhecesse ninguém ou mesmo se não tivesse conseguido parceiros, o que faria? Não é isso o que consome a maioria dos tributos? Tenho certeza de que muitos estão apenas tentando encontrar uma forma de não morrer logo no início ou em como conseguir suprimentos. Quase ninguém pensa no caminho que vão traçar, uma vez que não dá para ficar parado assim que a contagem chegar a zero. Gostando ou não, já é um começo. 

 — Deixe-me ver se entendi. Ayden e Frank vão tentar pegar alguma coisa e em seguida, se afastarão o máximo que puderem. Você e Rafael se arriscarão um pouco mais do que os dois no banho de sangue, tentando ir um pouco mais fundo na cornucópia e também seguirão juntos para longe dela. — Ela acena positivamente. — E quanto a mim? Vou ser a única a ficar sozinha?

 Ela se senta na cama. 

 — O seu amigo também chegou a essa mesma conclusão e até quis que você fosse com a gente, mas acredito que não seja muito inteligente. — Permaneço em silêncio, pensativa. — Mas a escolha é sua. Portanto, faça como quiser! Só não se esqueça que as gêmeas estarão no seu encalço, principalmente a Sonea.

 — Não, você tem razão. Preciso ter cuidado com aquelas duas, até mesmo com Mason e Mike. Vou procurar manter os olhos bem abertos. 

***

 Acordo sobressaltada depois de sonhar que Sonea me matava lenta e dolorosamente. Sento próxima a janela do quarto e vejo o quanto as ruas estão quietas do lado de fora, o que é um tanto incomum na Capital em época de Jogos. O céu ainda escuro com suas estrelas ofuscadas pelas luzes da cidade me diz para dormir e descansar enquanto posso. Amanhã, a essa altura, estarei imersa na sessão de pesadelos infindáveis enquanto as horas se arrastarão até o momento em que seremos enviados para morrer. E é esse acontecimento que me impede de fechar os olhos e faz com que meu coração bata descompassadamente. Quase não aproveitei o jantar por ser incapaz de parar de pensar em como tudo está prestes a mudar.

 Não consigo mais encontrar paz dentro de mim e, muito menos, nas coisas e nas pessoas ao meu redor. Olhar para Frank, para Madelyn e até mesmo para Haymitch está sendo doloroso. Dói saber que nada mais será como antes, que não os verei de novo. Mais uma vez, sinto que tudo o que tenho está sendo tirado bruscamente de mim, como quando meus pais morreram. No entanto, há uma parte de mim que me repreende por esse sentimento porque não tenho esse direito. Nós não temos esse direito, pois isso é culpa nossa. Fomos nós quem criamos isso. Fomos nós quem decidimos que era melhor punir a perdoar. Sendo assim, não posso exigir que ajam diferente para conosco. Em setenta e cinco anos não houve misericórdia e não será agora que as coisas mudarão.

 Quanto mais cedo aceitar que é assim que as coisas funcionam, menos sofrerá.

 Caminho silenciosamente até a cômoda e pego a fotografia. Automaticamente, a angústia que antes me puxava para um lugar frio e sombrio se esvai. As duas figuras olham e sorriem para mim com serenidade e me pego sorrindo também. Deito-me outra vez ainda as observando e me desligo dos Jogos e de toda a carnificina que nos aguarda.

 — Prometo dar o meu melhor — sussurro. — Só não posso prometer vencer. Outras pessoas merecem viver mais do que eu. Ainda assim, farei o possível para que se orgulhe. Eu prometo!

 Beijo carinhosamente a foto e pego no sono agarrada a ela.

 O dia amanhece cinzento e preguiçoso. Aos poucos as ruas ganham vida e carros e pessoas começam a circular pela cidade. A Capital sempre fora barulhenta, regada a festas e conversas alegres – um tanto fúteis –, mas não hoje. Talvez as pessoas estejam caindo na realidade e percebendo o quanto é injusto fazer crianças pagarem por seus erros. De qualquer forma, é tarde para se arrepender. 

 Madelyn se espreguiça e se arrasta para fora da cama. Torno a olhar para a janela enquanto tento me obrigar a levantar também. Não tenho a menor ideia do que fazer enquanto Johanna e Haymitch trabalham com os meninos. Talvez deva tentar trabalhar em minha performance para a entrevista, o que sei que não vai ser fácil. De qualquer modo, preciso me ocupar. Não posso desperdiçar o pouco tempo livre que tenho ou me arrependerei seriamente quando estiver subindo naquele palco.

 Lembre-se de que Panem inteira estará te assistindo. Você precisa convencê-los de que não podem te ignorar.

 Disposta a ser útil, escolho uma roupa qualquer e me enfio no banheiro assim que minha colega de quarto o libera. Em menos de quinze minutos desço para tomar café. 

 A mesa nunca esteve tão agitada. Seja lá o que fez Paylor adiar o início dos Jogos por mais um dia, foi a melhor coisa que aconteceu desde que essa edição fora anunciada. É claro que ainda estamos preocupados com a proximidade do evento. Porém, só de pensar que ainda estamos aqui, visto que era para estarmos sendo enviados para a arena a essa hora, faz com que qualquer um sinta um certo alívio.

 Sento-me próxima a Mike e resolvo fazer o meu desjejum em silêncio. Tento ao máximo me focar em encontrar um perfil a ser seguido para a entrevista desta noite, mas acabo por observar um a um de meus oponentes. Quantos deles se arriscarão no banho de sangue? Será que sobreviverão ao menos uma noite? Não restam dúvidas com relação ao potencial de alguns, tais como Madelyn e Mike. Suas notas deixaram claro que estes podem ficar entre os finalistas. No entanto, aqueles que tiraram notas inferiores serão massacrados no instante em que o gongo soar. 

 É claro que isso não significa que só porque alguém tirou um 5, por exemplo, que não vá sobreviver. Qualquer um pode estar usando a técnica de Johanna para se dar bem. Notas servem apenas para que patrocinadores possuam uma forma de nos avaliar. De qualquer modo, alguém com uma pontuação alta não pode ser esquecido. Então, o que esperar de meus adversários altamente qualificados com suas espadas e lanças?

 — Você mandou bem com aquele 9 — apesar de estar sorrindo, algo em Mike me deixa em alerta. — Achei que não era de nada. Pelo visto, estava enganado. — Seus olhos permanecem fixos nos meus por mais alguns segundos e, então, ele volta sua atenção para suas panquecas.

 A forma como me observara fora perturbadora. Havia algo de perverso e obscuro em seu rosto, algo que me dizia para ter cuidado. O que ele pretendia ao dizer isso? Me dar um aviso? Porque sinto que não foi um cumprimento pelo meu desempenho. 

 Decido dar meu café por terminado e subo para o meu quarto. A cena que se desenrolara há poucos segundos permanece nítida em minha memória, me impedindo de focar em qualquer outra coisa. As palavras de Mike me desnortearam e me deixaram assustada. Só de tentar imaginar o que se passa na cabeça de meus adversários paraliso. E sei que isso não pode acontecer. Não posso ceder ao medo, principalmente quando estou tão perto de ir para a arena.

 — Chega, Samara! É hora de manter o foco — ando de um lado para o outro procurando aliviar a tensão.  — Agora você está diante de toda Panem. Precisa convencê-los de sua capacidade.

 Começo a imaginar que o mundo todo está olhando para mim, esperando meus passos, minhas falas. Todos pararam para me assistir e esse é o momento de mostrar quem sou. Mesmo assim, não consigo pensar em uma forma adequada de me portar. Todas as vezes em que tentei ser meiga ou simpática não funcionaram. Não possuo carisma. Como farei as pessoas se lembrarem de mim? O que há de importante e único que precisam saber a meu respeito? 

 A manhã toda passa como um flash e logo estou entregue a minha equipe de preparação. Há dois homens e uma mulher que insistem em mexer em cada centímetro de meu corpo. Eles tiram todos os meus pelos, hidratam minha pele e meus cabelos e remodelam minhas unhas e minhas sobrancelhas. Ao mesmo tempo em que fazem seu trabalho, falam sem parar sobre coisas fúteis entre si. Permaneço isolada em meu mundo interior ainda tentando encontrar uma solução para a minha entrevista, de maneira que as horas voam e apenas retorno ao mundo real quando Fayna se aproxima, indicando que meu tratamento de beleza chegou ao fim.

 Ela examina com muita seriedade o trabalho desempenhado pelos tagarelas, mas não expõe sua opinião. A forma como me observa faz com que eu me sinta uma peça de bife que está sendo avaliada se deve ou não ser comprada.

 — Ela está impecável! — A mulher de pele metálica sorri, satisfeita. No entanto, Fayna permanece calada. As três figuras se mostram aflitas. Eles devem ter seguido à risca as exigências de minha estilista, mas, mesmo assim, ficam apreensivos com o silêncio da mesma. Caso ela decida que o trabalho não foi feito da forma correta... Não quero nem imaginar o que possa acontecer.

 Fayna se vira para eles, extremamente inflexível e com a expressão dura.

 — Não está impecável — ela sai.

 Os três ficam completamente desconsolados. Fico irritada com o comportamento de minha estilista. Eles deram o seu melhor, me transformaram em um outro alguém. Fizeram um trabalho incrível e ela simplesmente despreza todo o esforço que tiveram comigo!? Quero gritar com Fayna, lhe dar inúmeras lições de moral quando ela finalmente retorna com meu vestido e o posiciona em frente ao meu corpo.

 — Está divina! — Seu sorriso permanece quase imperceptível enquanto minha equipe dá gritinhos e saltitam em comemoração.

***

 Estamos todos enfileirados atrás do palco, no Centro de Treinamento. Somos orientados a sentar em um grande arco e a ficarmos atentos enquanto as entrevistas acontecem, pois seremos chamados em ordem alfabética. Todas as entrevistas são muito rápidas e, logo que terminam, há uma campainha convocando o próximo tributo a se apresentar. De certa forma, saber que serei uma das últimas me tranquiliza. Terei algum tempo para encontrar de vez quem serei durante meu diálogo com Caesar.

 Enquanto as entrevistas prosseguem, noto as eventuais perguntas que surgem para deleite do público e percebo que existem muitas coisas que as pessoas já sabem sobre nós. Tudo o que querem saber é aquilo que não podem ver: como nos sentimos. Por isso, devemos emular nossas emoções quando as que possuímos não correspondem às expectativas. Rafael é muito bom em fazer isso, assim como Madelyn, que normalmente é tão indiferente. Mas não sei se eu conseguirei seguir a mesma tática. Não consigo disfarçar quando algo me incomoda e, menos ainda, quando estou em meio a desconhecidos. Eles não são meus amigos e não quero conversar com eles. Não quero que saibam como me sinto, mas também não quero que me corrompam fazendo com que eu seja alguém que não sou. Gostaria de ser eu mesma, completamente sincera, mas só existe um alguém com quem posso me expor dessa forma e não é a esse alguém para o qual irei me dirigir nesta noite. 

 — Você está pronta? — Rafael se aproxima assim que sua entrevista termina.

 — Não sei — suspiro. — Acho que não.

 — Não se preocupe, eu vou estar aqui te esperando. — Ele aperta a minha mão e sorri. Me esforço para retribuir o gesto, mas não encontro forças.

 As coisas vêm acontecendo tão rapidamente que mal consigo processa-las. Não me sobram energias para sorrir e pensar positivo quando tudo parece cinza e desgastante. Só há espaço para melancolia nos últimos dias e esse, definitivamente, não é o lugar e nem o momento para ficar triste. Mas não consigo ver as coisas com outros olhos. De repente me sinto prestes a colocar tudo a perder em lágrimas e me afasto de Rafael. Ele fica sem entender o que aconteceu, mas ainda assim, parece compreender que quero ficar sozinha no meu mundo e o agradeço mentalmente por isso. 

 Ao ver Roma confiante e decidida no palco, digo para mim mesma que não tenho mais tempo para pensar ou ficar triste. Em breve serei eu a estar diante da plateia e preciso manter o foco. Quero que acreditem que nada disso me assusta e que estou muito bem com a ideia de ir para os Jogos. Por isso, torno a me sentar em meu lugar tentando me manter séria. Rafael ainda permanece ao meu lado e entende meu silêncio. No momento em que a entrevista de minha adversária chega ao fim, ele simplesmente sussurra:

 — Você está linda! — Mil borboletas surgem em meu estômago e me arrepio da cabeça aos pés. Por fim, acaba sendo a melhor sensação que já senti durante toda a vida.

 Subo ao palco sorrindo como se fosse realmente uma honra estar ali. Sento-me ao lado de Caesar, com uma calma e elegância que nunca imaginei ter. O vestido que Fayna fez para mim é simplesmente fabuloso e ajuda a intensificar a serenidade e a simpatia que resolveram se apoderar de mim. É como se de um segundo para o outro eu fosse outra pessoa. Uma princesa, talvez. Mas não uma princesa frágil, que precisa ser salva e, sim, como uma princesa autossuficiente, guerreira. É assim que me sinto nestes tons de roxo esvoaçantes: como um membro da realeza. 

 A conversa se desenvolve, tranquila e com risadas. Caesar é um verdadeiro cavalheiro e me trata com gentileza. Ele sempre tenta dar um tom descontraído para qualquer que seja o assunto. No entanto, todas as vezes em que esboço um sorriso me imagino conversando com meus pais ou com meu amigo. Nenhum riso é verdadeiro. Não para o público sádico dos Jogos.

 — Sam, posso te chamar assim? — Concordo graciosamente. — Vimos que durante o treinamento ocorreu um pequeno incidente entre você e um outro tributo. Como está se sentindo?

 Então Caesar, na verdade, eu sinto dores de cabeça horríveis e pontadas muito fortes. Eu nem sei o que eu fiz na minha sessão individual! Acho que não vai dar para ir para a arena, não. Melhor cancelar isso aí!

 — Nunca me senti tão bem! — Sorrio. — A equipe médica não poderia ter feito um trabalho melhor.

 — Ficamos muito felizes e aliviados em saber! Estávamos verdadeiramente preocupados com você. — A multidão aplaude brevemente em concordância.

 — Eu também fiquei muito apreensiva com tudo o que aconteceu. Odiaria que um evento tão importante como esse fosse prejudicado de alguma forma por minha causa.

 — Tenho certeza que sim — ele toca a minha mão com delicadeza. — Mas saiba que seriam feitos todos os ajustes necessários caso você precisasse de um tempo para se recuperar antes de ir para a arena. Afinal, queremos ver todos em perfeitas condições, não é mesmo! — A plateia entra êxtase. Em perfeitas condições para morrer, aposto.

 — E então Sam, conte-nos: tem alguém especial te esperando aqui fora? — Sinto que todos os olhos e ouvidos finalmente se voltaram para mim. Esse é o momento que todos estavam esperando: o instante em que fico completamente vulnerável.

 Eu poderia muito bem tentar desviar o foco dizendo que infelizmente não terei meus pais comigo para celebrar a minha improvável vitória e várias coisas do gênero. Entretanto, sei exatamente que não é isso o que querem ouvir. Eles esperam que eu os indique um garoto ‒ ou uma garota, talvez ‒ que signifique o mundo para mim.

 Acredito que a maioria dos tributos – quem sabe até os adultos que nos cercam – tenham ouvido rumores sobre Rafael e eu, só que eu nunca afirmei e muito menos neguei nada sobre o assunto. É claro que somos apenas amigos, mas lembrar de todas as insinuações e de todos os sinais que ele me deu nos últimos dias só piora a situação ao ponto de ser quase impossível manter o olhar firme sem ruborizar.

— Infelizmente, não — forço um sorriso. — Só tenho alguns amigos que, por um golpe de sorte, irão para a arena junto comigo. 

É isso aí Rafael, você está oficialmente na friend zone.

 — Não posso acreditar! Uma garota tão bonita sem ao menos um pretendente sequer?! Acho que deve haver alguém pensando em você e não deve estar muito longe. — As palavras de Caesar me atingem em cheio, assim como agitam o público que anseia por uma fofoca.

 Será que eles sabem?! Será que Caesar sabe?! Droga, não cora agora, Samara!!!

 — Seria legal se tivesse — dou um sorriso amarelo. — Mas nunca fui muito popular.

Caesar me encara por alguns segundos como se estivesse decidindo se dará o tópico por encerrado ou se colocará mais lenha na fogueira o que faz minhas mãos suarem. Talvez este deva ser o momento em que estão pegando um take da feição de cada um de meus adversários e eu realmente espero que a expressão de Rafael não faça minha mentira fajuta ser descoberta.

 Eu sei que não é a coisa mais importante do mundo para se saber sobre alguém. Para os cidadãos da Capital, todavia, são informações bem relevantes se levarmos em conta que possuem uma vida fútil e que qualquer fofoca é o suficiente para agitar as coisas. Não quero me expor de forma alguma, embora saiba que irá acontecer em algum momento na arena. No entanto, não quero que aconteça aquilo de “amantes desafortunados” como nas duas últimas edições. Não agora! Até porque não somos namorados.

 — A única coisa realmente emocionante que já aconteceu na minha vida foi, com certeza, ter levado aquele surra do Myron no treinamento.

 Todas as pessoas diante de mim gargalham como se eu tivesse acabado de contar a piada do século. 

 — Deve ter sido um acontecimento e tanto, com certeza! — Caesar recupera o fôlego depois de seu ataque de riso.

 Ao fundo das risadas, ouço a campainha me dizendo que, dessa vez, consegui me safar.

 — Foi realmente um prazer ter você aqui conosco, Sam. — Ambos nos levantamos e nos cumprimentamos.

 Me despeço do público da maneira mais adorável que consigo. Nos bastidores, encontro meus amigos e sinto alguns olhares sobre mim, mas não me dou ao trabalho de retribuir. Na verdade, comemoro a minha compostura desta noite perante Panem.

 — Você foi demais! — Madelyn me abraça.

 — Quando o Caesar fez essa última pergunta eu tive certeza de que você iria ter um treco em cima daquele palco! Dava pra ver o desespero na sua cara.

 — Dava? — Pergunto.

 — O Frank está exagerando — Rafael se aproxima. — Não ficou tão nítido assim. Mas o que importa é que você conseguiu se virar muito bem.

 Ele me abraça, de repente. Sinto as bochechas queimarem e vejo Madelyn e Frank segurando o riso enquanto me observam.

 — Será que a gente pode terminar de ver as entrevistas? — Me desvencilho do aperto de Rafael com sutileza e torno a encarar o monitor que nos transmite os diálogos no palco na esperança de me desfazer da sensação de estar com o rosto em chamas.

 Com o canto do olho, vejo Mason nos encarando.

***

 Acordo com Madelyn me sacudindo e dizendo alguma coisa sobre horário. Me espreguiço enquanto coloco os afazeres em ordem. Levantar, se trocar, ir para a arena. Não são muitas as coisas a serem feitas, mas é o suficiente para me deixar reflexiva. Hoje é o dia que eu mais temia. Chegou a hora de enfrentar meus inimigos e provar meu potencial. No entanto, não tenho certeza se serei capaz de sobreviver. 

 Chega de pensar sobre isso. É hora de entrar em ação!

 O dia ainda está surgindo quando subo até o telhado junto de minha estilista. Os outros tributos de meu grupo também estão ali e, assim como eu, não parecem muito animados, com exceção de Mike.

 Um aerodeslizador surge do nada e fazemos uma fila para adentra-lo. Assim que estou no topo da escada, um homem injeta meu rastreador no antebraço. A picada é dolorida, mas me encontro em uma fase na qual nada me parece tão pior quanto morrer. Depois de uma breve viagem, adentramos as catacumbas da arena onde, ao longo do caminho, cada tributo vai com seu respectivo estilista para sua Sala de Lançamento.

 Faço minha higiene pessoal e coloco a roupa que usarei na arena. Uma blusa verde, jaqueta, calças e botas marrons. Prendo o cabelo em um rabo de cavalo e Fayna me entrega a fotografia tão especial. Opto por comer coisas leves e aguardamos em silêncio até o momento em que uma voz feminina anuncia que está na hora do lançamento.

 — Queria que pudéssemos ter passado mais tempo juntas. — Observo Fayna com certa surpresa. — Você tem um grande potencial, Samara. Queria que soubesse disso. — Ela pousa um beijo delicado em minha testa. — Boa sorte, meu bem!

 — Obrigada — praticamente sussurro. — De verdade.

 Subo no disco de metal. Em poucos segundos, um cilindro de vidro me envolve e me leva para a mais completa escuridão. Em menos de um minuto, eu a vejo pela primeira vez.

 A claridade absurda da arena ofusca minha visão por alguns instantes. Quando me acostumo com a luz e vislumbro uma parte de meu novo lar, me sinto deslumbrada. Os vinte e quatro pedestais estão dispostos em um semicírculo ao redor do grande chifre dourado. A alguns metros de distância é possível avistar árvores e, ao fundo, imensas montanhas apontam para um esplendoroso céu azul. Consigo ouvir o som da água corrente e os pássaros cantando ao longe. Não sei dizer se é ilusão, mas parecem haver cachoeiras em determinados pontos. O sol está quase tocando o horizonte embora tudo esteja iluminado. A arena parece um mundo completamente novo, que acaba de nascer e está abrindo os olhos pela primeira vez. Se não estivéssemos aqui para matar e morrer, com certeza eu não me importaria de viver nesse lugar. 

 Um telão na cornucópia começa a contagem regressiva. Tenho apenas um minuto para traçar um plano. Há muitas coisas boas por perto, do lado de fora. Mas todos sabem que o melhor nos aguarda lá dentro. Procuro pelos rostos conhecidos em busca de uma saída, mas não vejo nenhum de meus aliados por perto.

 A dez pedestais à minha esquerda está Mike. Não consigo distinguir com clareza o que se passa em seu rosto, mas vejo um sorriso surgir quando olha em minha direção. Entre nós dois, há várias outras faces com as quais não tive nenhum contato especial. Para meu desapontamento, ao meu lado direito vejo Roma. Assim como o garoto, ela possui uma felicidade sinistra estampada em seu rosto, mas não me encara em nenhum momento. Seus olhos estão fixos nas armas que estão a metros de distância nas profundezas da cornucópia.

 Um pouco mais à direita está Sonea. Com a postura de uma maratonista pronta para correr, ela permanece séria e determinada. Mas assim que sente meus olhos em si, passa a me encarar. Com um dedo da mão direita, traça uma linha imaginária no pescoço imitando a ponta de uma faca e volta a olhar para seu objetivo. Perto dela está Myron que, observando a tudo, meneia a cabeça negativamente. Continuo a observá-lo, sem entender se aquilo é comigo. No momento em que ele torna a indicar o chifre no centro do círculo com um movimento de cabeça sutil e a balança-la negativamente olhando para mim, aceito seu conselho concordando suavemente. 

 — Eu tenho que me afastar — sussurro.

 Olho para o telão e noto que me restam trintas segundos antes do massacre começar. Torno a fitar os suprimentos a poucos metros de distância. Não quero sair correndo de mãos abanando para o meio da floresta porque sei que estarei sozinha durante um tempo até encontrar meus amigos. Combinamos de ficar de olho um no outro para que pudéssemos ter uma ideia da situação de cada um. Porém, eles estão longe demais para que possamos repassar a estratégia mentalmente e chegarmos a um acordo em silêncio. Além disso, não quero depender de ninguém para me defender e ter o que comer. Com certeza há comida no meio de tanta vegetação, mas não haverá armas para que eu possa revidar uma luta. 

 Minhas mãos começam a suar conforme os segundos vão passando. Vinte e dois. Vinte e um. Vinte. Dezenove. Dezoito.  

 — Chega, Samara. Se concentra! — Para evitar qualquer ato de desespero, aperto suavemente o bolso onde coloquei a fotografia. Mesmo que eu não tenha certeza de quem seja a mulher da foto, sempre acabo pensando em minha família e recuperando um pouco da minha paz interior. 

 Fecho os olhos e me lembro do sonho no qual a encontrava em meio a uma floresta, sentada diante da fogueira com a bebê nos braços. Ela estava tão bonita, tão serena. Apesar de estar chorando e sofrendo naquele instante, a sua presença me trouxe uma tranquilidade assombrosa. E pensar nela neste exato momento, me traz a mesma calmaria. Mas não estou em um bom momento para me ligar ao passado e me deixar levar pelas lembranças. Preciso me focar no agora.

 — Essa é a hora de cumprir a sua promessa, ruivinha! — Abro os olhos. Ainda tenho dez segundos.

 Você vai correr até aquela mochila. Nove. Você vai agarrar a mochila. Oito. E vai direto para a floresta. Sete. Não vai parar de correr. Seis. Até encontrar um lugar seguro. Cinco. Vai encontrar comida. Quatro. E vai morrer lutando. Três.

 — E que a sorte esteja ao meu favor! — Mal termino de me posicionar e a contagem chega a zero.


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Notas finais do capítulo

É isso, pessoal. Pretendo postar um capítulo por semana, mas não garanto nada porque ultimamente ando cheia de coisas da faculdade pra fazer. No entanto, darei o meu melhor para sempre trazer um cap. novo.
XOXO meus amores. Até a próxima!



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