Jogos Vorazes - O Retorno escrita por valverdegyy, Carol Pantaleão


Capítulo 6
Capítulo 6 - Na Mira do Inimigo


Notas iniciais do capítulo

E aí, pessoal! Como está sendo a semana de vocês? Aqui está mais um capítulo desenvolvido com todo o amor e carinho para vocês. Espero que gostem!
Beijos e vejo vocês lá embaixo!!



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 Acordo antes mesmo de o sol nascer me sentindo motivada a fazer as pazes com a vida e rapidamente, me levanto e me arrumo.

 Embora seja cedo, desço até a sala de jantar e me sento no mesmo lugar do dia anterior. Encaro o vazio e a escuridão aproveitando o momento. Provavelmente este será um dos únicos em que poderei desfrutar da solidão antes de ir para a arena. Ao pensar nisso, um arrepio percorre meu corpo e começo a me sentir aflita.

 É meu segundo dia como um tributo, me preparando para o grande festival de horrores e mesmo assim eu ainda não tinha tido a oportunidade de perguntar a mim mesma como me sinto em relação a isso. As últimas horas passaram voando e em torno de dois dias eu estarei em um tubo, sendo enviada para meu o leito de morte. Como eu devo me sentir?

 Assustada, com medo e muito desesperada. Olhe a sua volta, Samara. Você está sozinha e assim permanecerá até seu último suspiro. Você sempre disse a si mesma que gostava da solidão, mas felicidade não é exatamente a palavra que descreve como se sente em ocasiões como esta, não é? O silêncio se tornará cada vez mais ensurdecedor daqui em diante... Aproveite!

 O pânico ameaça me dominar fazendo com que todo o meu corpo estremeça. Assim que começo a hiperventilar, fico irritada comigo mesma por criar paranoias.

 - Pode parar...! – tapo minha boca quando noto que as palavras saíram um pouco mais alto do que eu queria. – Nossa, também não precisa acordar todo mundo.

 - Concordo! – me assusto com o vulto que desce a escada nas sombras. Reviro os olhos conforme Haymitch se aproxima.

 - Você...! Sempre assombra os tributos assim ou sou algum tipo de privilegiada?

 - Muito engraçado, ruivinha! – ele se senta a minha frente. – Caiu da cama ou ficou com medo de perder a hora?

 Sinto o seu hálito de álcool e algo em sua aparência me diz que ele não pregou os olhos a noite toda.

 - Desde quando se importa? – desvio a atenção para a paisagem da Capital.

 - Tem razão. A única coisa que me importa é vocês chegarem na hora para os treinamentos.

 Como se você realmente ligasse para crianças que estão prestes a morrer... Volto a encara-lo.

 - Por quê? Faz alguma diferença para você? – retruco.

 Seus olhos cinzas me analisam por longos minutos. Me sinto desconfortável com o modo como ele estuda meu rosto e desvio o olhar para outra direção.

 - Acha que sou desprezível e sem coração, um bêbado idiota que não se importa nem um pouco com tudo isso, não é? E por que eu deveria me importar? O que muda na minha vida se você irá ou não morrer? – ele coloca os braços em cima da mesa, inclinando o corpo em minha direção. –  Para a sua sorte, queridinha, isso significa muito para mim.

 Ele se recosta na cadeira.

 - Antes de tudo, eu sou um sobrevivente dos Jogos e estou apto a prepara-los para o que está por vir. Acha que é fácil conhecer crianças, se apegar enquanto cria esperanças de que possam sobreviver e depois as assistir morrer? Acha que eu realmente gosto disso? Não sou tão indiferente quanto pensa. Também sofro com tudo isso!

 Por um momento, sinto pena de Haymitch. Mas não só dele como também de todos aqueles que foram vítimas da obsessão por sangue da Capital. Todas as famílias que estavam lá, diante de um telão e tiveram que ver seus filhos morrerem; que não acreditavam no que seus olhos estavam vendo e só passaram a crer quando receberam o corpo de seu ente querido.

 Me levanto e paro diante de uma das imensas janelas, tentando esconder as lágrimas que brotaram em meus olhos. Uma fúria absurda se apossa de mim.

  Como pudemos fazer isso? Eram apenas crianças... Cada vida que foi tirada, cada familiar que nunca mais voltou para casa por nossa causa e para nossa diversão!

 As lágrimas inundam os meus olhos, embaçando minha visão. Baixo a cabeça, desconsolada.

 - Nós merecemos isso! – sussurro quando finalmente percebo a gravidade da situação.

 Haymitch se aproxima vagarosamente de mim.

 - Nós merecemos isso! – olho no fundo dos seus olhos, tentando conter o choro. – Eu... sinto muito pela sua perda. – acrescento com a voz embargada.

 Volto a encarar a cidade e meu próprio reflexo com raiva. Lembro de todas as vezes em que via na televisão cenas dos Jogos, em como as pessoas comemoravam a cada morte. Na época, era só uma garotinha que nada compreendia. Não tinha a menor ideia da monstruosidade que estava diante de mim. Mas agora, mal posso acreditar que faço parte dessa sociedade cruel, que vibrava e urrava de alegria quando um corpo caia no chão. Sinto nojo de mim, nojo das pessoas que estavam a minha volta no dia anterior ao da colheita, nojo da Capital. Agora, compreendo toda a revolta que aconteceu.

 - Se eu tivesse consciência do que estava acontecendo há seis anos – o encaro com seriedade. – eu também estaria ao lado dos rebeldes. Eu também apoiaria o Tordo!

 Há alguns minutos de silêncio entre nós. Haymitch parece ter voltado no tempo, pois percebo a tensão em seu rosto. Passo a imaginar a edição em que ele foi vitorioso e me questiono se foi isso que o fez começar a beber tão constantemente. 50ª edição dos Jogos Vorazes. Segundo Massacre Quartenário...

 - Não seria a primeira habitante da Capital a apoiar a causa dos rebeldes. – ele olha para mim pelo canto dos olhos. – Apesar de tudo o que está se passando aí dentro – pressiona levemente o dedo indicador em minha testa. – nada do que aconteceu foi culpa sua. Não precisa se desculpar por uma atitude que foi tomada por Snow.

 - Não foi só por ele. Todos nós concordamos com sua decisão hedionda. E mais, todos ficávamos excitados de emoção quando a época dos Jogos se aproximava. Éramos movidos a sangue de inocentes!

 Fito o horizonte ainda ouvindo os assovios e aplausos de uma plateia exageradamente pomposa assistindo ao desfile de crianças desafortunadas que mais pareciam gados indo para o abate.

 - Era doentio. – pelo reflexo no vidro vejo a careta de desaprovação estampada em meu rosto. – Parecia que estavam escolhendo um pedaço de carne que fosse bom o bastante para viver entre eles. – torno a olhar para Haymitch. – Alguém que merecesse continuar vivo! E por causa disso, muitos dos seus e de tantos outros morreram. Tudo pelo sadismo dos ricos e poderosos.

 Fico a observá-lo, me colocando em seu lugar. Imagino os horrores que presenciou e quantos tributos de seu distrito ele foi obrigado a mentorear apenas para vê-los morrer.

 - Eu sou uma deles e, em nome de todos os que apoiaram tal loucura, eu peço desculpas. Nunca reparou que, mesmo depois que os Jogos foram declarados extintos e a Capital vencida, ninguém se pronunciou a respeito? Ninguém nunca pediu perdão pelos erros que cometeu. Todos baixam a cabeça para o que aconteceu durante setenta e cinco anos, mas jamais alguém se manifesta para dizer, ao menos, “Sinto muito, nós estávamos errados”! Embora isso não possa trazer os mortos de volta, já é alguma coisa. – ele olha no fundo dos meus olhos. - Não acha?

 Voltamos a fitar o horizonte. As nuvens preguiçosas e coloridas no céu nos indicam que mais um dia está nascendo. Aos poucos, os primeiros raios de sol surgem e iluminam a cidade que em breve despertará.  

 - Me desculpa pela forma como o julguei... – suspiro por fim. – Todos olham para você e só enxergam o que querem ver: um beberrão. Mas nenhum deles tenta se pôr no seu lugar. Agora sei porque faz isso! Desculpe termos lhe causado tanto sofrimento. Nenhum de vocês merecia passar por tal transtorno...

 Dito isto, me afasto e caminho em direção à escada. Assim que dou as costas para ele, porém, sinto seus olhos em mim e enquanto subo os degraus, vejo o pouco de seu reflexo no vidro, pensativo.

***

 No Centro de Treinamento, espero o melhor momento para me aproximar de Rafael. Infelizmente, ele parece ter feito novos amigos e onde quer que vá, seus seguidores vão junto. Então, procuro me focar ao máximo em treinar.

 - O que está esperando? – Frank se junta a mim na estação de plantas venenosas. – Por que ainda não foi falar com ele?

 - Acho que ainda não é o momento. Olha! – aponto com a ponta do queixo. – Ele tem novos amigos.

 Frank me encara, incrédulo.

 - Você só pode estar brincando. Desde que chegamos, ele não para de olhar para você. – paro abruptamente e o encaro, cética. – Aposto uma amora-cadeado que se você se aproximar, ele vai dispensar aqueles abutres no mesmo instante para ficar a sós com você! – ele dá um risinho contido.

 - Por que está fazendo isso?

 - Porque já estamos em um momento crítico de nossas vidas. É difícil para qualquer um encarar a arena sozinho e é por isso que fazemos alianças. Mas vocês têm um ao outro. Não podem jogar fora uma amizade por causa de uma bobagem dita sem pensar. Além disso, até parece que qualquer outra pessoa aqui te substitui assim tão facilmente.

Olhando para Frank, tenho a sensação de que não estou diante de um garoto de 9 anos. A forma como ele fala e como se porta me lembra muito mais uma pessoa mais velha, que possui muita experiência de vida do que uma criança.

 - Confiança! – ele meneia a cabeça positivamente enquanto suas mãos brincam com as amostras de amoras venenosas.

 - Como assim? – indago. – O que quer dizer com isso?

 Ele revira os olhos voltando sua atenção para mim.

 - Leva-se anos para construir qualquer tipo de relacionamento e nenhum resiste sem confiança. É a base de tudo! – ele me encara profundamente. - Vocês confiam tanto um no outro que arriscariam suas vidas para se ajudar sem precisar pensar duas vezes.

 Procuro Rafael em meio ao alvoroço de pessoas e percebo que, apesar de todos ao seu redor conversarem animadamente, ele parece cabisbaixo. Quando seus olhos encontram os meus, um pequeno sorriso surge em seu rosto e acabo retribuindo da mesma forma.

 - Vai lá! – Frank sussurra para mim, sorrindo.

 Me levanto e começo a caminhar ao seu encontro. Seu rosto parece se iluminar, o que faz com que eu sinta uma alegria contagiante nascer em meu interior. Porém, a criatura mais detestável de todas cruza o meu caminho.

 - E aí, princesa! A quanto tempo não nos falamos, hein! – reviro os olhos.

 - E gostaria de passar o resto da minha vida assim, obrigada!

 Tento me esquivar, mas Mason segura meu braço.

 - Espera aí, meu bem! Onde vai com tanta pressa? – ele sorri com malícia e arqueia uma sobrancelha. – Ouvi dizer que você finalmente se livrou do seu amigo idiota. Até que enfim! Ele estava atrasando o nosso lado, atrapalhando o nosso amor...

 Puxo meu braço e me solto de seu aperto. Sinto meu sangue ferver e o coração bater mais rápido enquanto Mason segue falando com uma voz melosa.

 - Quer dizer então que eu tinha um oponente esse tempo todo e não sabia? Que garoto esperto! Se aproximou de você só para tirar uma casquinha...! Mas você não gosta dele, não é? É por mim que se interessa. Nós dois somos perfeitos um para o outro, não acha? – sinto minha paciência ser consumida pelo ódio e minhas mãos começam a tremer conforme a ira me possui.

 Ele parece notar meu estado e seu sorriso desaparece. Alguns dos outros tributos nos observam e Rafael, acompanhado de seus fiéis seguidores se aproxima vagarosamente e para a poucos metros de distância. Assim que nota a plateia que se formou, Mason volta a sorrir.

 - E então, querida. Estão todos nos olhando. Se quer mesmo esclarecer a situação, este é o momento! – ele se aproxima ainda mais de mim. – Diga o que realmente sente por mim, o que realmente sente por ele... – ele se afasta.

 Seus olhos pousam em Rafael por alguns segundos e voltam a me encarar.

 - Melhor ainda: mostre de uma vez quem é o dono do seu coração. – ele toca minha bochecha com uma das mãos e a acaricia.

 Fica calma, Samara. Você não pode brigar. Não é a coisa sensata a fazer no momento. Vejo Atala nos observando da estação de espadas. Lembre-se de que terá tempo suficiente para acabar com Mason na arena.

 Desvio minha atenção de Mason e passo a observar as pessoas ao meu redor. Praticamente todo mundo está prestando atenção em nós, incluindo os idealizadores que estão em um canto superior do Centro de Treinamento. Rapidamente, olho para Rafael. Lentamente, ele meneia a cabeça negativamente. Não faça isso! Dou alguns passos em sua direção, dando a volta em Mason, mas ele me puxa pelo braço e me beija. E é aí que a confusão começa.

 Enquanto luto para me desvencilhar, Rafael parte para cima de Mason tentando me afastar do mesmo. Porém, sou puxada de volta no meio do caos e várias partes do meu corpo protestam de dor quando sou atingida por golpes vindos de todos os lados. Tudo é um borrão diante de mim e mal consigo distinguir em quem estou acertando alguns socos e chutes durante as minhas tentativas frustradas de ir para longe. Do nada, Madelyn surge como um anjo da guarda e me agarra, me levando para um canto afastado. Só então consigo perceber a que nível estamos.

 Os outros tributos formaram um círculo em volta dos dois. Alguns incentivam a briga enquanto outros tentam apartá-la no grito. Os dois se socam e se espancam com violência. Sempre que Mason tenta avançar até mim, Rafael o agarra e eles voltam à pancadaria. Os instrutores começam a dispersar os espectadores e tentam separar os dois. Atala vem até mim, me analisando e perguntando se estou bem. Assim que respondo afirmativamente, ela avança na direção dos meninos.

 - Já chega! Os dois venham comigo, agora!

 Depois que a briga finalmente termina, ambos a seguem sendo escoltados por dois instrutores para fora do Centro de Treinamento.

 - Você está bem? – Frank se aproxima às pressas. – Se machucou?

 Ele começa a vasculhar meu rosto à procura de ferimentos, mas me desvencilho de suas mãos. Mesmo que meu rosto esteja dolorido e que minhas costelas agonizem de dor, me forço a sorrir.

 - Eu estou bem, está tudo bem! – olho para Madelyn. – o que acha que vai acontecer com eles?

 - Vão levar um sermão, provavelmente. Mas vai ficar tudo bem, acredite!

 Aos poucos tudo vai voltando ao normal e os outros tributos são encaminhados para as estações de treinamento. Nós nos dirigimos à de armadilhas e depois de sermos instruídos, começamos a praticar a montagem de algumas para animais de pequeno porte, como coelhos e esquilos. Meu corpo lateja e implora por descanso, mas me obrigo a seguir em frente ao invés de ceder.

 - O que foi aquilo? – Ayden pergunta baixinho.

 - Parece que aquele garoto que te beijou é maluco! – dou risada de Madelyn. Quem dera ele fosse só um maluco!

 - Vocês viram a cara de raiva das Gottarge? – todos olhamos em direção às gêmeas malignas. Assim que percebo que elas nos fuzilam, volto a prestar atenção em minha armadilha. – Ouvi dizer que uma delas gosta do Mason e outra, do seu amiguinho.

 Meu coração para ao ouvir o comentário de Frank e sinto minhas mãos suarem frio.

 - Você conseguiu duas inimigas bem fortes... boa sorte com isso! – Ayden dá um tapinha em minhas costas.

 - Isso explica porque elas não desgrudaram do Mason nem por um segundo desde que tudo começou... – suspiro.

 - Elas são muito unidas, Samara. Sonea não vive sem a irmã, Roma. Acredite em mim, elas vão ficar na sua cola durante os Jogos. É melhor ter muito cuidado com aquelas duas!

 - Frank tem razão. – Madelyn as encara. – Ouvi dizer que elas não são flor que se cheire: são mais perigosas do que aparentam. Mas... – ela sorri para mim. – elas também possuem pontos fracos.

 Voltamos nossa atenção para Madelyn.

 - Andei observando todos, é claro. Mas depois que percebi o potencial daquelas duas, passei a dar mais atenção a elas.

 - Espera! – digo abruptamente. – Antes de mais nada, preciso ter certeza de uma coisa. Nós somos um time, certo?

 Todos concordam. Aceno positivamente e Madelyn prossegue.

 - É claro que continuarei a estuda-las de perto, mas o que sei por enquanto é que Sonea é um alvo fácil, porém instável. Separa-la de Roma pode ser bom, mas não dá para ter certeza do que ela fará caso a irmã morra antes dela. É preciso que tenhamos cautela. Elas são ótimas lutadoras e gostam de exibir suas habilidades.

 - Um erro gravíssimo. – acrescento. – Porém muito vantajoso para nós.

 - Exato! Sam, como você é o principal alvo delas, acho que deve ficar mais atenta do que nunca. Até onde pude notar, elas são realmente agressivas e não vão poupar esforços para te colocar fora da jogada. Por isso, procure não as perder de vista! – Madelyn desvia sua atenção. - Frank, sabe me dizer quem tem interesse em quem?

 - Não, mas sei quem pode nos ajudar com isso.

 - Ah, não! – Ayden se manifesta. – Não me faça falar com o idiota do meu irmão, por favor!

 - Mas, Ayden, o Mike é o único daquele grupinho que pode nos ajudar.

 Ayden suspira e baixa a cabeça.

 - Vocês não entendem... não somos assim. Quando éramos pequenos, nossos pais nos fizeram competir um com o outro por tudo. Por atenção, para ver quem iria fazer os afazeres doméstico e tudo o mais que puderam imaginar. – ele fita cada um de nós. – Não somos amigos. Sempre brigamos quando ficamos muito próximos porque ele não suporta perder para mim e vice-versa. Ele não irá nos ajudar e, mesmo que o faça, irá nos delatar. Ele sempre ficará contra mim e fará de tudo para me derrubar.

 - Você faria o mesmo? – procuro por algum sinal de afeto na expressão de Ayden. Mais uma vez ele suspira.

 - Sim! Não posso deixa-lo ganhar. Já tentei conversar com ele, fazê-lo desistir dessa competitividade. – ele fecha o punho com força. – Não tem jeito. Nossos pais realmente conseguiram nos fazer odiar um ao outro. Ele sempre acha que eu estou tentando enganá-lo, o que o deixa com mais raiva e com mais sede de vitória. Ele nunca irá mudar de opinião; nunca seremos como irmãos de verdade. Por isso, sugiro que procurem outro método de conseguir as informações que desejam.

 Passamos um bom tempo envolvidos em nossas armadilhas. Penso em diversas estratégias não só para descobrir o que se passa com as gêmeas como também para destruí-las. Não posso deixar que me vençam, que me esmaguem como um inseto. Ainda mais agora que sei que ambas gostam dos caras que estão de olho em mim. São como dois tratores!

 - Madelyn, você disse que Sonea era um alvo fácil e instável. Ela é movida pela cega admiração que tem pela irmã. – ela confirma. – E com relação a Roma, o que a interessa?

 - Ela parece um pouco indiferente com relação a irmã. Lembra do dia da colheita? Ela não parecia nem um pouco preocupada se Sonea viria com ela ou não. Além disso, ela é um pouco mandona e dona de um ego muito grande. Para mim, parece ser o tipo de pessoa que faz de tudo para derrubar quem conspira contra ela. Acho que as únicas coisas que a interessam é o garoto de quem ela gosta e, claro, vencer.

 Ayden as observa com o canto dos olhos.

 - Acho que sei quem é de quem...

 - Como? – pergunto.

 - Simples: dedução baseado em observações detalhadas.

***

 Ayden nos explica, com base em suas análises prolongadas e minuciosas, como chegou à conclusão de que Roma se interessa por Mason e Sonea, por Rafael. Ele havia decidido que o melhor momento para isto era durante o almoço, quando poderíamos conversar com calma e estaríamos raciocinando melhor depois de estarmos devidamente alimentados.

 - Reparei que constantemente Sonea olhou para nossa mesa ontem a medida que Roma não se dava nem ao trabalho de olhar para o próprio almoço. Afinal, ela estava muito ocupada atraindo a atenção de Mason para si. Ela só pareceu nos notar depois que ele se aproximou de você, antes da briga. Além disso, durante a guerra de comida, os dois se uniram contra Sonea na batalha de pudins e gelatinas. Sempre que ele fazia menção de te olhar, ela achava uma maneira de cativá-lo. Sonea, porém, parecia muito incomodada quando viu você e o Rafael conversando em um daqueles sofás. Desde aquele dia, ela não te perde de vista.

 - Isso é verdade! – a boca de Madelyn está cheia de muffins com glacê roxo. Assim, quando ela fala, vários pedaços voam na cara de Frank nos fazendo gargalhar.

 Voltamos a comer, rindo das palhaçadas de Ayden e de como Frank, depois, retribui o favor de Madelyn. Então, uma figura familiar surge em minha frente, atrás dos meninos.

 - Olha só quem voltou: o príncipe sem cavalo branco! – Rafael se senta de frente para mim, entre Ayden e Frank, ignorando o comentário de Madelyn.

 Involuntariamente, olho para a mesa das Gottarge e vejo a felicidade estampada no rosto de Roma enquanto Sonea me fuzila de modo sinistro. Me arrepio e volto minha atenção para os meninos no exato momento em que um certo alguém me analisa com muito interesse.

 Frank e Ayden se entreolham.

 - Uuuuu, tá sentindo esse cheiro, Ayden?

 - Será que é o mesmo que eu estou sentindo, Frank? – eles riem e eu os fuzilo.

 - Cheiro de romance! – Madelyn entra na brincadeira. Noto que Rafael continua a me encarar.

 - Vão a merda! – pego um punhado de chips de batata e jogo neles.

 Uma pequena guerra de comida começa em nossa mesa. Os meninos retribuem e Madelyn e eu nos unimos contra eles. Por um breve momento, esqueço o porquê estamos aqui.

 Quem dera tudo isso fosse apenas um sonho ruim e não tivéssemos que lutar por nossas vidas.

 Nosso almoço segue animado, mas mesmo assim não consigo olhar nos olhos de meu amigo...

 - Está doendo muito? – de repente pergunto apontando para alguns hematomas em seu rosto.

 Assim como eu, ele parece surpreso e, ao mesmo tempo, feliz com a atenção.

 - Não muito. – ele dá aquele sorriso acalentador. – E quanto a você?

 Dou de ombros.

 - Muito legal a forma como vocês se acertam... – Frank nos encara com deboche. Damos risada mais uma vez.

 - Frank está certo, te devo desculpas pelo modo rude como agi ontem... – baixo o olhar.

 - Ei, eu já te perdoei faz tempo!

 Todos o encaram.

 - Como assim? – perguntamos em uníssono.

 - Te conheço bem o suficiente para saber que não disse aquilo com a intenção de magoar e também sei como você reage quando alguém muito próximo de você... bem, manifesta seus verdadeiros sentimentos. – ele dá de ombros e sorri. – Está tudo bem, Sam! Não quero morrer brigado com você, de qualquer forma.

 - Você tem um amigo fantástico. – Madelyn se vira para ele. – E aí, o que aconteceu depois que vocês foram levados?

 - Nada demais. Levamos uma prensa de nossos mentores e coisas do tipo. Depois fomos levados para uma enfermaria para verificar se não tínhamos ferimentos graves. Então, fomos liberados.

 - Seria tão legal se eles dissessem algo como “Mais uma dessas e estão fora do campeonato” ... – penso em voz alta e todos riem.

 - O pior já está prestes a acontecer: morrer! Não há muito que possam fazer. – Ayden dá de ombros.

 Enquanto terminamos de comer, atualizamos Rafael sobre as descobertas em relação as gêmeas e o cretino tem a audácia de responder:

 - Eu já sabia que arrasava corações! – no mesmo instante, jogo meus pãezinhos nele – Ei, para que tanta agressividade?

 - Como não me disse nada, seu tratante! Eu tenho duas arqui-inimigas e você nem me avisa!? Que raio de amigo você é, afinal?

  Por alguma razão, todos acham muito engraçado o fato de eu estar zangada. Por isso, quando meus pãezinhos acabam, jogo os de Madelyn neles e cruzo os braços como uma criança mimada!

 - Odeio vocês!

 Ignoro todos eles – como parte do meu drama diário – durante o resto do horário de almoço.

***

 Mais tarde, de volta ao treinamento e ao meu estado normal, nos separamos. Madelyn vai para a estação de arco e flecha com Ayden. Frank decide ir aprender a fazer fogueiras enquanto Rafael opta por manusear lanças. E eu, me sinto perdida em meio a tantas opções.

 Na esperança de aprender um pouco sobre luta corporal, me junto a um grupo composto por Jacqueline Lefrere, Myron Darnell e Mike Fletcher. Para o meu azar, Roma e Sonea Gottarge decidem dar o ar da graça e se unem ao time. O instrutor nos explica fatores importantes de um combate como partes do corpo que, quando atingidas, nos fazem agir por reflexo e pontos letais que levam qualquer um a morte. Seja ela lenta ou não.

 Por fim, chega o momento de escolhermos um parceiro. Só existe uma pessoa com quem eu gostaria de lutar, no momento. Mas, infelizmente, mal tenho tempo de escolher Jacqueline como oponente e Myron Darnell é o único que resta sem um par, além de mim.

 Quando vi as gêmeas se aproximarem, pensei que era comigo com quem elas iriam querer lutar. Para minha surpresa, elas nem se deram ao trabalho de me notar. No momento em que fomos avisados para escolher um parceiro tudo aconteceu muito rápido: Mike se juntou a Roma e Sonea com Jacqueline. Era como se todos estivessem com medo... Medo de enfrentar Myron.

 Os primeiros a se apresentarem para combate são Roma e Mike. Os dois possuem um alto nível de desenvoltura com seus bastões – não é permitido que usemos armas de verdade no momento. Eles se esquivam com facilidade das investidas do adversário e, de vez em quando, um consegue atingir o outro. Ver Roma lutar me deixa impressionada. A forma como ela domina a situação com maestria é fascinante! É como se ela tivesse treinado a vida toda para isso. Como uma carreirista...! Mike também demonstra uma habilidade incrível. Ele é ágil, possui uma pontaria certeira e ótimos reflexos. A ação em si dura apenas alguns segundos, mas de forma tão envolvente que parecem horas.

 Assim que eles chegam a um impasse, o instrutor os dispensa e pergunta quem serão os próximos. Sem dizer nada, Sonea dá um passo à frente e vejo um pouco de medo nos olhos de Jacqueline. Apesar de serem apenas bastões, dependendo da força aplicada uma porretada pode ser o suficiente para deixar um corpo dolorido. Então, as duas começam a lutar. Jacqueline se sai bem para uma garota de 11 anos, mas Sonea dá praticamente uma surra nela.

 Sem piedade, ela se mostra implacável e extremamente agressiva para com a menina. Mesmo depois que Jacqueline cai no chão sem conseguir se defender, a outra continua a apunhala-la obrigando o instrutor a tirá-la de cima da adversária. Quando ele a leva para longe, me aproximo e a ajudo a se levantar.

 - Você está bem? – pergunto.

 - Sim... – um fio de voz sai de sua boca. Ela me olha nos olhos com medo e preocupação. – Tenha cuidado! Se ela conseguiu fazer tudo isso comigo usando um porrete de borracha, imagino o que ela possa fazer com você com uma lâmina no Jogos, onde não haverá ninguém para impedi-la.

 Ela olha com apreensão para Roma que a tudo observa com seriedade e depois se volta para mim, segurando meu braço com força.

 - Não confie nelas. Nunca, em hipótese alguma! Elas vão te caçar assim que a contagem chegar a zero. Fique atenta!

 O instrutor retorna e pede que Myron e eu nos aproximemos. Quando olho para trás, vejo Roma sentada ao lado de Sonea em um canto. Ambas me lançam um olhar mortal e dessa forma, sei que é apenas questão de horas até que elas façam meu corpo cair inerte no chão sujo da arena.

 Respirando fundo e tentando não deixar transparecer o medo que sinto, me dirijo até o local onde os outros dois grupos haviam demonstrado suas performances. Myron estaca em minha frente.

 Mesmo tendo a mesma idade que eu, ele é mais alto e bem mais forte. As roupas de treinamento marcam com precisão o corpo malhado e em forma que espera para me enfrentar. Seu maxilar está retesado e seus olhos estão fixos em mim, como os de um caçador em sua presa. As mãos estão cerradas com firmeza em volta da arma de borracha que nos foi dada. Sei que não serei capaz de derrubá-lo. Por isso, quando o instrutor dá o sinal para começarmos a lutar, opto por me esquivar e me defender de seus golpes. Nunca o atacar.

 A princípio, tudo sai como o planejado. Mas no momento em que digo para mim mesma que talvez eu possa dar conta da situação, ele avança com golpes mais rápidos como se tivesse lido os meus pensamentos.

 Myron possui uma tática de luta muito boa. Sempre que acredito que ele está se cansando ou que está dando tudo de si na luta, ele prova que estou errada e esfrega na minha cara que na verdade está apenas pegando leve comigo. Com pouco menos de um minuto, já fui atingida em diversas partes do corpo que ainda estavam doloridas devido a briga recente na qual eu havia me envolvido. Dessa forma, a cada golpe certeiro, meu corpo protesta e cogito a possibilidade de me render. Mas não posso fazer isso. Todos estão nos observando. Todos sempre param para assistir a uma boa luta e não são apenas eu e meus amigos que estamos analisando os adversários. Eles também estão de olho em nós! Principalmente Roma e Sonea e não posso dar o gosto de rendição, de presa fácil e fraca para elas. Sendo assim, não me resta outra saída a não ser continuar me desviando de meu oponente.

 Infelizmente, acerto o bastão – totalmente sem querer – no rosto de Myron e me arrependo no mesmo momento. Ele agarra meu braço direito como se eu fosse uma boneca e com apenas um golpe, me gira no ar e me joga com brutalidade contra o chão. Instantaneamente, urro de dor ao sentir minhas costas irem de encontro ao piso frio. O impacto produz um estrondo horrível e minha cabeça lateja de dor, me deixando zonza. Todas as minhas forças parecem ter sido drenadas e o ar, expulso de meus pulmões. Rostos se aproximam de mim e várias vozes ecoam a minha volta.

 - Droga! Eu sinto muito... – a face de Myron aparece em meu campo de visão e sinto alguém me pegar no colo e me levar para uma parte do Centro de Treinamento onde há alguns bancos.

 Ele me coloca sentada e fica ao meu lado completamente preocupado e aparentemente arrependido, com a cabeça entre as mãos. Atala se aproxima e parece dar uma ordem para alguém que não consigo ver. Meu corpo todo dói e minha visão se torna desfocada conforme tudo gira a minha volta. Sinto braços fortes me envolverem no momento em que tudo escurece e meu corpo despenca.


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Notas finais do capítulo

Bom galera, por hoje é só. Espero que tenham curtido o capítulo da semana e, por favor, me avisem se encontrarem algum erro. Às vezes eu copio e colo o capítulo e, mesmo olhando linha por linha, pode surgir algum problema como engolir palavras ou simplesmente dois parágrafos que viram um só, o que acaba passando despercebido. Então, qualquer coisa meio fora do comum, me avisem. Grata desde já à todos os que leem nossa história - e que nem sempre dão as caras, mas tá valendo... Beijos e até o próximo!



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