Isto não é mais um romance água-com-açúcar escrita por Vanessa Sakata


Capítulo 52
Fazendo as coisas do jeito certo




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Shinpachi abriu a porta corrediça principal do segundo andar do prédio vermelho no Distrito Kabuki que, como sempre, estava mergulhado no silêncio àquela hora. Anunciou-se como de hábito, mesmo sabendo que muito provavelmente seria ouvido apenas por Sadaharu, cuja audição canina era bastante sensível. Deixou as sandálias na entrada e caminhou pela sala até o armário onde Kagura dormia. Abriu-o devagar embora a ruiva dormisse como uma pedra, de tal modo que saía até uma bolha de ranho do nariz.

Assim que fechou o armário de Kagura, dirigiu-se à porta ao lado, que dava para o quarto de Gintoki. Com a mesma cautela, abriu a porta corrediça e o viu ressonando largado no futon de um jeito que até escorria baba pelo canto da boca. Não iria acordá-los cedo como sempre fazia, desta vez daria um desconto por conta de tudo o que ocorrera na véspera. Fora um dia difícil para todos, principalmente para o albino, cujo passado volta e meia o perturbava. Mesmo que ele fosse um homem que não costumava se abrir muito sobre sua vida antes da Yorozuya, era inevitável que uma ou outra vez suas emoções se aflorassem.

Entretanto, acreditava que Gin-san acordaria bem melhor. Não esperava que ele acordasse alegre e sorridente, mas que fosse o preguiçoso inveterado de sempre, com cara de quem fazia um download da alma sempre que acordava de um cochilo dado no sofá antes de qualquer coisa a ser feita durante o dia. Tão logo fechou a porta, ouviu que lá dentro o despertador em forma de justaway tocava escandalosamente, mas logo recebera um soco do Yorozuya, que murmurou algo como “só mais cinco minutos” e aparentemente voltara a dormir.

E, enquanto eles dormiam, Shinpachi decidiu ir à cozinha preparar o café da manhã para os dois dorminhocos.

 

*

 

Esfregou os olhos rubros enquanto encarava o despertador que acabara de socar para cessar aquele barulho irritante. Virou-se para o lado a fim de tentar retomar seu sono, mas sem sucesso. Já estava bem claro e o sono se fora, visto que dormira relativamente cedo. Estivera exausto física e emocionalmente do que ocorrera na véspera e seu corpo ainda estava meio dolorido, como costumava acontecer no dia seguinte a um grande esforço. Pelo menos dormira bem e não tivera qualquer pesadelo. Por outro lado, sentia as dores da luta da véspera, como se houvesse sido atropelado, especialmente na mão esquerda enfaixada, onde se ferira segurando uma lâmina afiada de uma katana. Estava meio que acostumado a esse tipo de situação.

Voltou a se virar e ficar de barriga para cima, encarando o teto. Definitivamente, não tinha mais qualquer sono. Ouviu Kagura bocejar e sair do armário, enquanto Shinpachi a cumprimentava. Era a rotina de sempre, embora tivesse percebido que o Quatro-Olhos não batera a concha na frigideira como fazia todo dia para todo mundo se levantar. O pirralho às vezes agia como uma mãe compreensiva.

Deu um longo e generoso bocejo enquanto repassava mentalmente as coisas que ocorreram ontem. Tudo começara na madrugada com aquele pesadelo. Depois que fizera um serviço junto com os pirralhos, fora a Yoshiwara ver Tsukuyo e ela fora raptada, enquanto Hinowa e Seita haviam ficado inconscientes. Aquele cômodo secreto onde ele e a Cortesã da Morte se encontravam fora incendiado como um aviso da parte de Namino Koji, mais um fantasma vindo de seu passado. Enfrentara-o enquanto Shinpachi e Kagura resgatavam Tsukuyo de uma velha casa em chamas. E depois daquilo o restinho da tarde e a noite passaram quase num borrão, devido ao grande turbilhão de sentimentos no qual fora envolvido quando as lembranças da perda de seus pais e do início daquele período em que saqueava mortos em campos de batalha saíram do limbo de sua memória e voltaram à tona.

Mas havia algo que ele sabia que não se tornaria um borrão em sua memória. Ainda podia sentir aquele momento, mesmo depois de várias horas. Mesmo deitado, abriu os braços e sorriu, se lembrando daquele abraço coletivo que recebera após a luta contra Namino. Conseguia sentir perfeitamente aquele abraço tão reconfortante daqueles pirralhos e da mulher que amava. Aquele abraço que recebera naquele momento em que estava tão vulnerável pela tristeza era tudo o que ele necessitava.

Ouviu a garota Yato reclamar de fome com o Quatro-Olhos e decidiu se levantar, ou ela devoraria até sua parte. Enfiou a mão por dentro da blusa do pijama verde-claro e deu a clássica coçadinha na barriga enquanto dava mais um bocejo preguiçoso. Deu uma ampla espreguiçada e, por fim, saiu do quarto. Após cumprimentar os dois adolescentes, fez sua higiene matinal e se trocou, para depois se sentar no sofá e ligar a TV e ver Ketsuno Ana no noticiário, enquanto tomavam café da manhã.

Quando terminava de comer seu pedaço de bolo com glacê que Shinpachi comprara na loja de conveniência que ficava no trajeto até a Yorozuya, ouviu o telefone tocar na escrivaninha. Prontamente o atendeu:

― Alô? Yorozuya Gin-chan, aqui é Sakata Gintoki. – sorriu. – Olá, Honey!

Kagura e Shinpachi o encararam sem entender nada e ele corou. Constrangido, pigarreou e se corrigiu:

― Olá, Tsukuyo!

 

*

 

― Até mais tarde, Darling...! – corou, pigarreou e se corrigiu. – Gintoki.

Tsukuyo corou ainda mais quando viu que Hinowa ria discretamente. Apesar disso, ao encerrar o telefonema, estava mais aliviada. O tom de voz de Gintoki dava evidências de que ele estava bem melhor da véspera. Isso a deixava mais tranquila.

Quando regressaram a Yoshiwara, Gintoki pouco conversara. Percebera em seu rosto uma expressão de cansaço físico e emocional. Até cogitara chamá-lo para uma conversa a sós para que ele se abrisse com ela, mas depois pensou que aquele não era o melhor momento e que tudo o que ele precisava era realmente chegar em casa e descansar.

Sabia que aqueles dois adolescentes conseguiriam lidar com ele de algum modo. E eles, pelo jeito, conseguiram.

Saiu para caminhar um pouco por Yoshiwara, aproveitando a manhã fresca. Mesmo não fazendo a patrulha de costume, Tsukuyo gostava de dar umas voltas e verificar por si mesma como estavam as coisas no distrito e como estava sendo a atuação da Hyakka sob o comando de Sakuya. Toda vez que olhava para o céu, estivesse ele azul como naquele momento, ou nublado, se sentia grata por aqueles três terem aparecido junto com Seita e lhe proporcionado uma possibilidade de se rebelar de fato contra Housen, o Yato intitulado “Rei da Escuridão” que mantinha aquele lugar escondido de tudo e de todos.

Todos contribuíram para que Yoshiwara tivesse contato com a superfície e que tivesse acesso à luz do sol ou da lua, que até então eram negadas àquela gente. E, principalmente, para que as pessoas daquele lugar – sobretudo as mulheres – vivessem com esperança de dias melhores, podendo fazer suas próprias escolhas em suas vidas.

Um sorriso se formou em seus lábios ao se lembrar do quanto ficara feliz em ver Hinowa junto ao Seita, seu filho de coração. Mas ainda havia outra razão para sempre se lembrar daquela ocasião, e essa razão tinha um nome: Gintoki.

Seguiu sua caminhada, prestando atenção em cada pessoa, em cada local e respondia aos cumprimentos. Mesmo afastada das rondas, Tsukuyo não deixava de ser respeitada e, conversando com uma ou outra pessoa, tinha a confirmação de que a Hyakka seguia desempenhando bem o seu papel, o que a deixava satisfeita e despreocupada, pois significava que Sakuya estava sendo uma ótima líder para as meninas.

Chegou ao local onde ficava aquele cômodo que tão gentilmente lhe fora cedido pelos Oyamada. Realmente não sobrara nada dele, apenas as lembranças das várias vezes em que estivera junto com Gintoki. Foram encontros diurnos e noturnos, onde compartilharam momentos simples sem que ninguém os incomodasse. Compartilharam também segredos, temores, alegrias e tristezas, entregaram-se de corpo e alma e tiveram momentos muito intensos.

Sentiria saudade daquele local. Lembrava-se da primeira vez em que estiveram ali, num dia gélido de inverno. Gintoki havia estranhado o caminho que tomaram até lá e ficara surpreso quando os dois adentraram o cômodo. Fora uma agradável experiência, onde se amaram intensamente não só daquela vez, mas em várias outras ocasiões.

Adoravam estar naquele refúgio, agora convertido em cinzas e escombros encarvoados.

Após um breve momento de contemplação, Tsukuyo passou a fazer o trajeto de volta. Pensava em fazer algo mais tarde e precisava cuidar de alguns preparativos. Mais precisamente, planejava alguma coisa para ela e Gintoki, pois o convidara para ir até Yoshiwara à noite.

 

*

 

Gintoki interrompeu brevemente sua caminhada ao avistar a entrada do Distrito Yoshiwara, onde placas luminosas, antes soberanas, agora disputavam com a lua e as estrelas de um céu limpo quem iluminava mais as noites. Preferia aquele lugar assim, na escuridão natural da noite e com um clima mais amistoso onde daria gosto de aproveitar sem culpa o entretenimento adulto que bem quisesse. Adentrou o distrito, ao qual chegara para atender a um convite de Tsukuyo. Vinha sozinho, Kagura havia ido à casa dos Shimura com Shinpachi, pois Tae folgaria naquela noite.

Isso era bom, pois não gostava de deixar a Yato sozinha. Não que ela fosse uma garotinha indefesa qualquer, mas definitivamente não era como costumavam ser as adolescentes comuns de catorze anos de idade. Certamente, se ficasse sozinha devoraria a despensa todinha em poucas horas e viraria a casa de pernas pro ar. Apesar de Kagura ter a aparência de uma heroína fofa, ela basicamente era uma ogra com a força e o apetite monstruosos de um saiyajin de Dragon Ball.

Pelo menos ela se comportaria um pouco melhor na companhia do Quatro-Olhos e da irmã-gorila... E não destruiria nada junto com aquele monstrengo canino chamado Sadaharu.

Gintoki, intrigado, pôs-se a caminhar até o endereço que Tsukuyo lhe passara. Ela parecia bastante enigmática ao convidá-lo, e isso soava proposital. Não fazia ideia do que esperar, mas qualquer coisa poderia ocorrer em Yoshiwara. Entretanto, o que importava mesmo é que iria encontrar a mulher que aprendera a amar.

Sua caminhada terminou em frente a um estabelecimento, no qual entrou. Uma das cortesãs o conduziu a um dos cômodos que fora reservado com antecedência. Em frente à porta corrediça, pôs a mão para abri-la e lhe ocorreu um flashback em que dava de cara com Tsukuyo vestida como cortesã, e depois ficaria totalmente bêbada. Aquilo fora para ele um grande pesadelo, onde descobrira que ela não podia ingerir a menor quantidade de álcool, pois ficaria extremamente violenta e ele sempre apanharia.

Engoliu seco, tentando reunir toda a coragem necessária para aquele momento. Queria muito fugir do perigo iminente, mas não conseguia resistir ao convite que Tsukuyo lhe fizera. Se ele conseguia sobreviver a kunais cravadas em sua testa e ainda amar aquela mulher, com certeza suportaria apanhar de uma Cortesã da Morte possivelmente alcoolizada.

O que ele não fazia por amor...

Abriu a porta e viu Tsukuyo belamente trajada com um quimono que provavelmente fora escolhido a dedo por Hinowa e valorizava seus cabelos loiros e seus olhos violetas. Contrariando as expectativas do albino, ela estava sóbria e o saudou tal como uma típica cortesã:

― Seja bem-vindo!

Ele sorriu ao ver aquele belo rosto, que transparecia a bela alma que ela possuía. Embora uma parte de si ainda continuasse alerta, ele sentiu que a voz dela era muito acolhedora. Tirou a bokutou da cintura e a deixou encostada em uma das paredes, para depois se sentar ao lado dela à maneira nipônica. Tsukuyo lhe entregou um copinho, para depois oferecer uma dose de saquê e, após resposta afirmativa do Yorozuya, despejou um pouco da bebida.

― Espero que fique à vontade. – ela lhe dirigiu um sorriso cordial. – Eu queria fazer isto do jeito certo pra você.

― Então não foi ideia da Hinowa para ajudar alguma das garotas ou pra você pensar menos nas patrulhas?

― Não, a ideia foi minha mesmo. – ela ofereceu mais uma dose e seus olhos pousaram na mão esquerda enfaixada de Gintoki. – Achei que você precisava relaxar um pouco depois de ontem. Fiquei preocupada depois de tudo o que aconteceu.

Desta vez o sorriso do albino vinha sem muito humor, talvez com algum resquício da tristeza que sentira na véspera. Por alguns instantes, ele fitou sua própria expressão refletida no líquido que ainda não bebera e deixou que o sorriso se desvanecesse. Não era preciso disfarçar o que sentia. Com Tsuki, ele se sentia mais à vontade para abrir o jogo. Seus olhos rubros logo encararam os olhos violetas dela, percebendo uma genuína preocupação.

― Estou melhor que ontem. – buscou tranquilizá-la enquanto desviava seus olhos para a mão ferida. – Não se preocupe tanto, eu ficarei bem... Basta os ferimentos se cicatrizarem.

Ela entendeu perfeitamente que isso se aplicava aos ferimentos físicos e aos do passado e lhe dirigiu um sorriso mais aliviado enquanto ele sorvia mais uma dose. Aquele sorriso dela acabou por aquecer o coração do Yorozuya, que também acabou sorrindo, agora mais espontaneamente. Recebeu mais uma dose e indagou:

― Não vai beber, Tsuki?

― Não. Nada de álcool ou kiseru até que o bebê nasça. Creio que nós dois queiramos que nasça bem, não?

― Ah, verdade... – bebeu a nova dose recebida enquanto olhava para o ventre de Tsukuyo, perceptível por baixo do longo quimono. – Bebidas são só pra adultos...

― Sem contar que queria fazer as coisas do jeito certo desta vez. E eu sentia falta do seu sorriso, Gintoki, e queria de algum modo fazer com que você se sentisse bem.

Ele sorriu mais uma vez e aproximou seu rosto do dela. Ela sentiu seu coração bater mais forte quando o ouviu dizer com a voz mais suave:

― Parece que deu certo, Tsuki.

Tsukuyo também aproximou seu rosto do dele e os lábios se encontraram para um beijo bastante terno. Estava feliz em ver que Gintoki se sentia bem melhor depois de tudo. Não estava totalmente bem, havia feridas que precisavam ser tratadas até se cicatrizarem por completo. Mas ele ficaria bem, como dissera antes. E, pelo o que conhecia daquele homem, sabia que ele buscaria estar bem.

― Fico feliz em saber que deu certo. – ela externou seu alívio assim que terminaram aquele beijo.

― Deu, sim. – seu sorriso era ainda mais franco do que o anterior. – Você é incrível, Tsuki. Obrigado por tudo.


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