O Aplicativo Amarelo escrita por Rodrigo Caetano


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Criei essa história por um desafio proposto por membros da Liga dos Betas: Escrever em um gênero com que não me identifico.

Segue então a minha tentativa de Yaoi/Yuri, com um tom leve. A ideia era fazer também uma comédia, mas isso fica para vocês decidirem.

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/424289/chapter/1

O aplicativo amarelo

Ela era magra, do jeito carioca de ser magra. Tinha a pele clara, mas bronzeada pelo calor do sol, e seus cabelos castanho claros desciam pelas costas quase lisos, com um toque sedutor das ondas que os banhavam toda manhã, depois da sua corrida matinal. Os olhos cor de mel eram levianos e tranquilos, mas seu sorriso estava escondido, praticamente ansioso. O corpo se mostrava esbelto, no alto dos seus um metro e setenta de altura, como prova viva do estereótipo da sua cidade, marcado por entre o vestido de verão florido, laranja e branco. Não era a toa alguns amigos a chamavam de “garota de Ipanema”.

Seu braço direito estava entrelaçado no dele, e os homens com quem cruzavam olhavam torto, como se insultados pela imagem. Ele tinha mais de um metro e oitenta, e seria forte, se não estivesse um pouco acima do peso. Não era gordo, mas a barriga acentuada era notável através da sua simples camisa polo, lilás. Tinha os olhos estreitos, o nariz torto e parecia ligeiramente incomodado com os olhares que os dois atraiam, como se estivesse se esforçando um pouco demais para não dar atenção. No fundo, sabia o que todos pensavam quando os viam juntos.

Andavam pela orla às quatro da tarde de um domingo que não conseguia se decidir se era ou não ensolarado. As nuvens, provocativas, teimavam em tapar o sol de tempos em tempos, só para lembrar ao povo lá de baixo que elas estavam prontas para chover se vissem algo de que não gostassem. O mar, por sua vez, já estava claramente irritado e chiava com a brisa que vinha gradativamente ganhando força com o passar do dia.

O quiosque em que combinaram comer estava próximo, e já se podia ouvir a cantoria do povo, errando a letra das musicas no Karaokê depois de alguns chopps gelados. Ela escolhera aquele lugar de proposito, e ele a odiava por isso. Não gostava de cantar em público, mesmo sabendo que todos elogiavam sua voz, e estava decidido a não se apresentar naquela tarde. Mas conhecia sua amiga bem o suficiente para saber que ela o faria mudar de ideia.

- E ai Bê? Nervoso?

- O que você acha, amor?! Claro né!

Ana riu, em parte pelo tom fanho da voz dele. Ela adorava, mas ainda assim achava ligeiramente cômico. Quando o sorriso lhe fugiu, porém, seu lábio inferior tremeu e ela sabia que havia sido descoberta. O garoto aprendera há anos o que aquela instabilidade traduzia.

- A há! Você também está, lindinha! Sabia...

Ela levou a mão livre à boca e fingiu roer as unhas, enquanto rolava os olhos para trás, um pouco teatralmente demais. Ele riu uma risada fina, aguda, que fez com que a mulher que passou correndo ao seu lado virasse o rosto, surpresa.

- Você tem certeza que eu não vou me arrepender, mocinha?

- Tenho Bê! Você vai ver... Meu amigo é muito gato, cara. Eu pegaria...

O menino franziu a testa e parou no meio do calçadão, encarando-a diretamente.

- Ei! Eu sou ciumento, ok, amiga?

A menina riu, separou seu braço do dele e continuou andando, com o nariz empinado e um sorriso no rosto.

- Só não pego porque ele não me quer...

Ele rolou os olhos pra cima. Aí, que menina implicante! pensou, antes de correr desajeitadamente atrás dela, com os pulsos dobrados, balançando molemente. Alcançou-a quando já entravam no quiosque e um dos garçons sorriu para a moça, acenando enquanto carregava a cerveja da mesa cinco.

- E aí, Marinho? Tem lugar pra gente hoje?

- Só vocês dois, Aninha? – perguntou o homem de cabelos grisalhos, enquanto abria a garrafa sem olhar.

- Não, mesa pra quarto, por favor...

- É pra já... – respondeu, olhando a volta. Apontou para uma mesa do lado oposto, perto da maquina de Karaokê.

- Valeu!

- De nada, meu amor...

Marinho já estava se dirigindo para a mesa quatro, para atender o seu outro amor que lhe chamava, enquanto Ana e Bernardo atravessavam a área entre pernas de pessoas e pés de cadeiras, tentando sentar antes que a mesa ficasse subitamente ocupada. Em dias como aquele, aquilo era mais do que normal. Ela puxou a cadeira e se sentou quase ao mesmo tempo em que uma mão com unhas pintadas de preto puxava a cadeira oposta.

- Desculpa, essa está ocupada... – disse, quase debochando da garota a sua frente.

A menina que iria sentar levantou os braços, as mãos espalmadas para cima como se clamando inocenca, devolvendo o deboche. Usava shorts jeans cortados a menos de vinte centímetros da cintura, bota preta, camiseta branca ilustrada com uma rosa com espinhos e uma jaqueta sem mangas, deixando a mostra uma tatuagem no braço. Ela tinha um lado da cabeça raspado, enquanto o outro era coberto por fios morenos que desciam abaixo do ombro. Quem é que vem assim para a praia?!

Logo em seguida, um homem alto e forte apareceu ao lado da menina. Calça jeans, camisa branca, lisa e uma barba provocativa, propositalmente por fazer, daquelas que acaricia e arranha a pele, quando pressionada contra ela. O maxilar largo, sorriso fácil, a pele morena e as pernas grossas. Nossa, que homem! pensava Ana, enquanto ele puxava a cadeira ao lado da garota de cabelo raspado e sentava-se à mesa. Pena que é viado...

Bernardo ainda estava em pé quando Otávio se sentou, e se deixou corar involuntariamente, enquanto sentia os olhos escrutinantes do homem a sua frente lhe estudando. Encolheu os braços, sentindo um calafrio percorrer a espinha. Nem ao menos sabia o que dizer.

- Oi, Otávio! – disse Ana, deixando seu sorriso desaparecer enquanto percebia o que estava acontecendo.

- Oi, Aninha... – disse o homem, sem olhar para a amiga – Gosto do que você trouxe para mim...

Bernardo, inocentemente, achara que não poderia corar mais. Tentou rir e sorrir ao mesmo tempo, emitindo um som engasgado que, por sorte, não conseguiria reproduzir se tentasse.

Ana, por sua vez, reanalisava a menina a sua frente, que voltara a puxar a cadeira, tão surpresa quanto ela. A garota exagerara no delineador e na sombra negra sobre os olhos, tinha um sorriso bonito e a pele pálida, sem cor. Era magra demais, com braços e pernas finas e a camiseta larga cobria um par de seios pequenos, que caberiam facilmente nas palmas das mãos de Ana. Ela nem precisava virar para deixar claro que a parte de trás também não tinha um grande atrativo. O pior, contudo, era o cheiro cigarro, e Ana sabia por experiência que ela acabara de apagar um, minutos antes.

- Otávio, esse é o Bernardo. Bê, Otávio... - disse, sentindo outro tipo de arrepio enquanto tentava sorrir educadamente.

- Prazer – respondeu Bernardo, um pouco sem jeito.

- Ainda não, mas quem sabe? – Otávio tinha um sorriso provocante no canto da boca.

Ana já devia esperar aquele tipo de resposta, mas não conteve uma breve risada quando percebeu Bernardo se remexendo sem jeito na cadeira. Ele, por sua vez, tentou conter um suspiro enquanto sentia a calça ligeiramente mais apertada.

- Ana, essa é a Carol. Carol, Ana – disse Otávio, sem tirar os olhos de Bernardo.

Ana sorriu, mas a menina de cabelos negros simplesmente acenou com a cabeça e piscou um olho, deixando a outra sem saber o que interpretar. Sacou seu celular da bolsa e se focou na tela, como se alguém muito importante tivesse acabado de lhe mandar uma mensagem.

Um garçom que Ana ainda não conhecia chegou para atendê-los, com um crachá onde se lia “Marcos”. Ana, simpática como sempre, sorriu, chamou-o pelo nome e pediu seu chopp gelado, na caneca zero grau. Otávio a acompanhou, mas Bernardo pediu uma caipirinha de morango, seu drink usual.

- Vocês tem Uísque? – perguntou Carol.

- Sim, temos sim... – Marcos tentava lembrar o nome da marca – Um Jack...

Carol lançou-lhe um olhar desconfiado, bufou arrependida de ter feito a pergunta, e voltou a olhar o cardápio. Um silêncio desconfortável recaiu sobre a mesa por alguns segundos enquanto a garota observava o menu. Finalmente, ela suspirou e baixou-o sobre a mesa.

- Um mate com gelo, por favor.

- Sim, senhora...

Ana sentia-se levemente desconfortável quando o garçom se distanciou. Não estava acostumada a tratar as pessoas de modo tão impessoal, nem aprovava aquilo. O que o Otávio está pensando? Eu disse que queria algo diferente, mas não assim...

- Então, de onde vocês se conhecem? – perguntou, tentando quebrar o gelo.

- Acreditem se quiser, a Carol era minha namorada quatro anos atrás... – disse Otávio – Nós terminamos quando eu me assumi.

- Sério? – Bernardo parecia em choque, sua boca ligeiramente aberta - E vocês viraram amigos? Que lindo!

Carol havia voltado a se focar no telefone, mexendo com velocidade na tela com os dedos.

- Não exatamente amigos – Otavio estava sorrindo – Ela ficou sem falar comigo e começou a namorar outro amigo nosso...

- Jura? E aí? – Ana começava a se preocupar com a menina. Do jeito que a história caminhava, ela e Otávio não pareciam verdadeiramente amigos. O que ela está fazendo aqui?!

- Bom, aí que eu peguei o namorado dela em seguida e eles terminaram. Mas eu já sabia que ela tinha tendências lésbicas, então arrumei ela com uma amiga...

Carol levantou os olhos da tela por um momento e deu um sorriu distraído para Otávio, balançando negativamente a cabeça.

- Você não presta... – disse, aparentemente se divertindo.

Enquanto isso, do outro lado da mesa, Ana e Bernardo estavam deslocados, sem saber o que falar em seguida. Aquilo não parecia um relacionamento saudável, mas os outros dois pareciam bastante à vontade um com o outro. A ideia que depois de tudo aquilo eles atualmente fossem amigos a ponto de saírem juntos era um tanto quanto inconcenbível para.

- E vocês? – perguntou Otávio, como se tivesse acabado de contar o que tinha comido no almoço de ontem – A Ana me disse que vocês estudam arquitetura?

Marcos chegou com as bebidas, dando a Ana e Bernardo mais um momento para se recuperar. Em comparação, ser meros colegas de turma há alguns anos parecia pouco e insuficiente.

- É... Bem... Sim – disse Bernardo.

Otávio riu uma gargalhada baixa, olhando para as expressões ainda perdidas das duas pessoas a sua frente.

- Estou brincando, gente. Ela é minha irmã, que mora fora e está aqui passando uns meses de férias...

Carol também deu breves gargalhadas sem largar o telefone enquanto Ana e Bernardo suspiravam aliviados, involuntariamente. Os dois riram, sem saber mais o que fazer. Aquilo, Ana sabia, era típico de Otávio. Os dois haviam se conhecido, numa festa onde ele fingiu se hetero para distraí-la enquanto um amigo tentava ficar com sua amiga. Ela nunca se sentira tão frustrada quando ele lhe contou que era gay, mas era tão simpático que ela não conseguiu ficar brava. Os dois se falavam rotineiramente há meses desde então, e sua amiga nem ao menos havia beijado o amigo de Otávio.

Depois da brincadeira, os ânimos ficaram mais tranquilos. Carol ainda mexia no celular, mas com menos frequência, e contou um pouco sobre a sua vida. Tinha 24 anos de idade, morava em São Francisco há cinco, e havia acabado de se graduar em design de interiores. Mostrara-se educada, mas ainda assim levemente seca e direta demais, e com um sorriso difícil de conseguir. Para Ana, o sorriso era a sua expressão padrão, e ela achava estranho ter de se esforçar para fazer com que a menina desse uma risada.

Bernardo estava se soltando à medida que ia bebendo a sua caipirinha. Pediu a segunda quando Ana e Otávio já estavam no terceiro chopp, exatamente quando eles pediram uma porção de iscas de peixe e outra de calabresa acebolada, para beliscar enquanto conversavam. Os dois homens pareciam não ter dificuldades em interagir, rindo constantemente um do outro, além das claras e diretas ofensivas de Otávio, que faziam com que Bernardo se desconsertasse.

- Você vai ficar só no chopp, Otávio? – perguntou Bernardo, quando o garçom lhe trouxe o segundo drink.

- Acho que sim, Bê, por quê? Está querendo me deixar bêbado?

- E se eu disser que sim?

Otávio deu uma risada alta, um pouco exagerada, e rolou a cabeça para trás. Voltou então a olhar para Bernardo e o examinou descaradamente, de cima a baixo.

- Você não precisa disso... – disse ele, fazendo o outro rir e olhar para o lado, sem jeito.

O Otávio não perde tempo... pensou Ana, sorrindo. Carol voltara a mexer no celular, concentrada. O que é que ela tanto faz nesse troço?! A menina estava começando a se irritar com a sua suposta companhia. O que havia passado na cabeça do Otávio para achar que aqulea lhe seria uma boa parceira ainda era um mistério. Dissera-lhe que queria algo diferente depois do ultimo namorado, e ele que lhe sugerira uma menina. Mas homem ou mulher, Carol estava longe de ser um bom par para ela. Ela precisava de alguém que soubesse, ao menos, conversar.

Ela tomou mais um gole de seu chopp e viu a bandeja com a comida chegando de longe. Estava faminta e aquilo pelo menos podia melhorar um pouco seu humor. Antes disso, porém, Otávio levantou e pegou Bernardo pela mão, assustando o rapaz. Os dois caminharam quase correndo e pararam na fila do Karaokê, fazendo com que Ana voltasse a sorrir.

- Você gosta de cantar? – perguntou ela a Carol, tentando novamente capturar a atenção da morena.

- Não muito. A minha voz é fraca... – disse ela distraída, desviando os olhos por alguns momentos do celular e olhando a volta, curiosa.

A comida chegou e Ana pegou logo duas calabresas no palito. Carol pegou um peixe com a mão e mergulhou-o no molho rose antes de levar à boca.

- Mas não precisa cantar bem aqui. Todo mundo vem só para se divertir...

- Pois é. Percebi que aqui as pessoas não se preocupam muito com o talento... – seu tom era, mais uma vez, de uma reclamação superior.

Ana, irritada, franziu a testa, apertou os lábios, pegou mais uma linguiça e virou-se para observar Bernardo e Otávio se preparando para cantar. Agora estava decidida a ficar em silencio até que Carol voltasse a falar alguma coisa, e não a pouparia se não gostasse do que ouvisse. Já fora educada o suficiente até agora e sua paciência estava acabando.

Otávio deu um passo a frente para escolher a musica, mas Bernardo colocou a mão em seu peito e tomou o seu lugar, digitando o código que já sabia de cabeça. Ana não conseguiu segurar a risada quando viu os dois começando um dueto muito divertido de “Robocop Gay” que chamou a atenção de toda a clientela do restaurante, não apenas pela bonita voz de ambos os homens, mas pelas suas interpretações teatrais da letra.

Viu uma loira passar ao seu lado e não se conteve em olhar. Pernas bem definidas, bonitas, e o cabelo escorrido quase até o Cox. Usava uma saia provocante e um top decotado que atrairia olhares no Rio, em São Paulo ou onde quer que aquela mulher fosse. Usava uma sandália rasteira delicada e tinha as unhas pintadas de vermelho. Típica carioca, daquelas que são gostosas e sabem disso. Ana suspirou. Acompanhou-a com os olhos até que ela entrou no banheiro feminino, um pouco depois da maquina onde seus amigos cantavam juntos.

Virou-se para pegar uma das iscas de peixe e foi pega de surpresa. Carol levantou sem uma palavra, deixou o celular na mesa e andou na direção do karaokê, decidida e em silêncio. Essa garota é meio maluca... pensou ela, quando percebeu, de relance, a foto da loira que acabara de passar, aberta na tela do celular da outra. Não acreditou no que via.

Se virou rapidamente e conseguiu, no ultimo instante, ver Carol passando pelo irmão e lhe dirigindo uma piscadela de um olho só, antes de abrir a porta do banheiro e entrar. O queixo de Ana estava no chão e ela mal conseguia entender o porquê. Virou-se para a mesa novamente e esticou a mão para o celular da menina, parando a meros centímetros e se lembrando de que talvez mexer no celular de alguém que ela mal conhecia não fosse aconselhável.

Debateu consigo mesma por um segundo, decidiu não tocar no aparelho e voltou a recolher o braço. Um segundo depois, porém, não resistiu e se levantou, sentando na cadeira da Carol e estudando a imagem antes que luz de fundo se apagasse. Sem duvida era a mesma loira, e a foto estava aberta em um aplicativo de cor amarela, que Ana desconhecia. Ao lado da foto da mulher, que usava um sorriso quase tão provocante quanto o decote, estava escrito o seu nome “Julia”, sua idade de 23 anos, além de algumas outras informações que Ana não conseguiu processar. A tela ficou escura logo depois que ela leu a unica coisa que a assustara. “Looking for: Sex”

Puta que pariu! Pensou Ana, sem saber o que fazer. Levantou-se, quase rindo, e voltou a sentar em sua cadeira, pegando mais duas linguiças e tomando tudo o que restava do seu caneca de chopp, de uma só vez. A palavra “Sex” ainda ressoava na sua cabeça como o eco de um sino recém-tocado.

Fez sinal para Marcos levantando a taça, e ele entendeu sem precisar se aproximar. Torcia para que Bernardo e Otávio voltassem para a mesa ao fim da musica, mas o bar inteiro aplaudiu a dupla quando eles terminaram e os próximos da fila deixaram que os dois cantassem mais uma. Ela mal percebeu quando eles escolheram “Dancing Queen” do Abba.

Passaram-se vinte minutos até que a dupla terminasse seu repertório improvisado, que ainda ganhou as adições de “Macho Man”, da banda Village People e “Vouge” da Madonna. Só terminou quando Otávio finalmente escolheu a musica seguinte “Partida de Futebol” do Skank, e Bernardo não conseguiu reproduzir o desempenho animado e dançante que vinha apresentando. A essa altura, Carol ainda não havia saído do banheiro e as mulheres da fila já começavam a se desesperar, dobrando os joelhos para dentro com a mão discretamente na coxa.

- Vocês estavam animados em? – disse Ana, tentando disfarçar o seu desconforto. Não esperava que fosse ficar de vela para os dois amigos aquela noite.

- Sim! Foi ótimo! – disse Otávio, rindo enquanto se sentava para finalmente comer.

Ana nem percebera que comera quase toda a comida naquele curto intervalo de tempo. O céu já começava a escurecer, aos poucos, e o Sol já se punha avermelhado atrás das montanhas no horizonte.

- Ufa! Cansei... – disse Bernardo, enquanto tomava um grande gole da sua caipirinha.

- A Carol ainda não voltou? – Otávio não fazia questão de ser discreto. Ana gostava disso nele, na maioria das vezes. Aquela não era uma delas.

- É... Ainda não... – disse, com uma expressão visivelmente irritada – Você realmente achou que isso podia dar certo, Otávio?

Bernardo olhou assustado para a amiga, ainda sugando a bebida gelado pelo canudo.

- Mas é claro que sim! – disse ele, sorrindo e se ajeitando melhor na cadeira – A minha irmã é a melhor coisa para você, agora. É tudo o que você quer...

- Ela nem conversa comigo direito, Otávio! E vai comer outra no banheiro?!

- E dai? Ela acabou de conhecer a menina, no aplicativo do celular. Todo gay usa, vocês conhecem...

Ana bufou, revoltada. Não conhecia o aplicativo, mas aquilo não a surpreendia. Ela era sempre pega de surpresa pela tecnologia.

- Você me disse que queria uma coisa diferente não é? Me diz uma coisa, Aninha: Quantos namorados e namoradas você já teve nos três últimos anos?

- Dois. A Pri e agora o João idiota...

- E há quanto tempo você não passa mais de um mês solteira?

Dessa vez Ana teve que parar para pensar.

- Acho que tem uns quatro anos...

- Você já teve com quem conversar por tempo o suficiente, querida... – Otávio parecia decidido, e Bernardo deu um sorriso, que Ana não sabia se significava que o rapaz concordava ou que ele simplesmente estava bêbado – Aposto que faz anos que você não tem um caso com alguém. Só sexo...

Ana corou e decidiu não responder. Otávio, nesse ponto, tinha razão. Ela era bonita e nunca tivera problemas amorosos. Namorados e namoradas nunca haviam lhe faltado e, talvez, aquilo pudesse ser um problema. Ela sempre se sentira segura com alguém do lado, mas nunca experimentara o que Otávio estava propondo. Era uma perspectiva um pouco assustadora, até.

- Minha irmã vai embora amanhã. Vai voltar para São Francisco. Você não precisa conversar com ela para aproveitar essa noite...

Ele sorriu, como se tivesse acabado de provar o seu ponto, e se recostou na cadeira fazendo sinal para o garçom trazer mais um chopp. Voltou então a se focar em Bernardo, e os dois começaram uma gostosa discussão sobre musica nacional, envolvendo Renato Russo, Cazuza e Cassia Eller. Pelo que Ana conhecia de seu colega da turma, ele devia estar apaixonado.

Ela se distraíu em seus próprios pensamentos, refletindo o que Otávio lhe dissera, nervosa. Nem ao menos sabia quanto tempo havia se passado quando Carol voltou à mesa, com um sorriso um pouco menos disfarçado no rosto. Ela olhou a menina nos olhos, como se curiosa, e ela retribuiu com um olhar ligeiramente surpreso. Seguraram a atenção uma da outra por alguns segundos, até que Ana abaixou os olhos, corada, sentindo-se como uma menininha virgem de quatorze anos.

Otávio piscou para a irmã e se dirigiu para Bernardo.

- O que você acha de irmos dar uma volta, só nós dois? Tem uma festa legal na casa de uns amigos, se você quiser ir...

O futuro arquiteto sorriu, bobo, e acenou com a cabeça.

- Parece legal...

Ana olhou para os dois ligeiramente assustada, como se não acreditasse que eles estavam deixando ela ali sozinha com a menina, que ainda estava em silencio, mas já guardara o celular.

- Mana, essa é a nossa parte – disse Otávio, tirando uma nota de cinquenta reais da carteira e colocando-a em cima da mesa – Amanhã eu te vejo, ok?

- Ótimo – disse Carol, sorrindo para o irmão e seu parceiro.

- Cuida bem da Aninha – disse ele, antes de se despedir e puxar Bernardo com ele, pela mão.

Ana se despediu de longe, quase tremendo. Olhou para Carol do outro lado da mesa sentindo o peito pulsar loucamente. Queria aceitar o conselho de Otávio, mas não sabia se tinha coragem. Ou melhor, sabia que não teria...

- Então, acho que podemos pedir a conta não é? – disse ela, se apoiando sobre os braços cruzados, em cima da mesa.

- Boa ideia. Esse por do sol deve estar deslumbrante do meu quarto de hotel... – disse Carol, estendendo a mão com as unhas pintadas de negro e acariciando levemente o braço de Ana.

Ela sentiu um arrepio percorrer o seu corpo, como se uma leve corrente elétrica estivesse passando por ela, e não conteve um breve suspiro. Olhou fundo nos olhos da outra, agora subitamente pentrantes e interessados. Ana não sabia o que fazer.

*-*-*-*-*-*-*

Otávio acordou no dia seguinte em sua cama, pouco antes do meio-dia. Bernardo estava deitado de bruços ao seu lado, dormindo de boca aberta e coberto até o torço com seu lençol. Sorrira ao lembrar-se do dia anterior e estendeu a mão, quase às cegas, para o celular que deixara na mesa de cabeceira. Somente abriu os olhos quando o tinha de frente para o rosto.

Não conteve um sorriso quando viu as duas mensagens que Ana lhe passara, pouco mais de duas horas antes.

“Obrigada por ontem! E me avisa quando a sua irmã voltar, ok? hahaha” dizia a primeira. Já a segunda lhe proporcionou uma gargalhada que quase acordou seu parceiro: “P.S.: Baixei o aplicativo com ela! Como você nunca me falou disso?!”.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Para esclarecer algumas coisas:

— O local usado nessa história é inspirado em um bar verdadeiro. Um quiosque conhecido como "Pesqueiro", na barra da tijuca. Recomendo.

— O aplicativo mencionado existe de verdade, e já foi mencionado varias vezes até mesmo na televisão. A ultima vez que vi, foi em um episódio da série "Californication", e ele gera histórias reais bastante parecidas com a relatada nesse conto. Se você se interessou, fala comigo que eu te passo o nome (ele é especialmente desenvolvido para gays e lésbicas).

Torço para que tenham curtido! Espero vocês nos comentários