Elska escrita por Green Lothur


Capítulo 1
Inua.




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Ahnah perambulava pela praia, esta, repleta de rochas com neve em cima, e um cenário de árvores raquíticas ao fundo. Ela havia fugido dois dias atrás, enquanto os homens ensinavam técnicas de caça aos meninos, e as mulheres estavam ocupadas demais costurando novos casacos de pele de urso para o inverno. Desde então, estava por sua própria conta, como sempre desejou. Carregava consigo uma faca para matar e tirar a pele de animais pequenos, alguns utensílios para fazer fogo e cozinhar, algumas frutinhas para matar a fome durante as viagens, um saco de dormir e peças de roupas extras para a chegada do inverno, tudo dentro de uma grande bolsa gasta.

                Com cerca de quarenta minutos daquela mesmice que era caminhar pelo litoral, retirou a neve de uma rocha e sentou-se ali. Avistou no mar cinzento um pedaço de madeira, com alguém se sustentando logo em cima. Esse alguém balançava os braços desesperadamente, e soltava urros fracos. A garota levantou-se apressadamente e se aproximou do mar. Receosa, porém apressada, retirou a maioria de suas peças de roupa, e jogou as mesmas em um lugar seco, onde o mar não alcançava. Lançou seu corpo no mar gélido, nadando até o pedaço de madeira. Quando se aproximou, descobriu que se tratava de um adolescente, assim como ela. Mas ele era diferente. Tinha lindos cabelos dourados, olhos claros e menos puxados que os dela, algo novo, nunca visto. Sem muito tempo para pensar nas características do menino, se apoiou no pedaço de madeira e segurou o mesmo pela parte traseira da gola de sua roupa.

                -Nade! Nade! -Disse batendo os pés na água, tentando sair do lugar.

                Ele tentou nadar, mas estava fraco demais para conseguir fazer isso sozinho. Ela, com muito esforço, tentava sair dali sem esperar alguma ajuda do menino. Quando finalmente chegou ao litoral, arrastou o menino para a areia seca, porém gélida. Ele tentou se levantar e balbuciou algumas palavras, mas ela apenas o deitou novamente. Correu até sua bolsa e pegou suas peças de roupas extras, logo retirando as roupas molhadas e geladas que estavam grudadas no corpo dele. Suas bochechas ficaram seriamente rosadas ao ver o garoto nu, mas não conseguiu deixar de contemplar aquela pele tão branca, algo que nunca havia visto antes. Vestiu o garoto, que cooperou bastante, já que não estava tão assustadoramente gelado e imóvel como antes.

                Resolveu vestir suas roupas antes de fazer uma fogueira, já que teria que esquentar a si mesma e ao garoto. Feito isso, tentou fazer com que um pouco de musgo seco pegasse fogo ao friccionar um graveto em um pedaço de madeira. Com alguns minutos, um pouco de fumaça apareceu e o musgo finalmente pegou fogo. O garoto se aproximou o quanto podia do fogo, e dormiu pelas duas horas seguintes. Já preocupada, cutucou o garoto com um graveto para verificar se ele estava vivo. Quem sabe, havia morrido de hipotermia...riu silenciosamente de seus pensamentos maldosos. Mas ele felizmente acordou. Esfregou os olhos, estes que ela encarou por severos segundos. Eram tão azuis e bonitos...tinham a cor do mar, do céu. Aquela cor bonita, que dá vontade de sorrir só de olhar.

                -Obrigado. – Foi a primeira palavra do garoto. Ela apenas olhou para baixo, e permaneceu calada. Seu silêncio foi uma deixa para o garoto continuar a falar. –Eu me chamo Leiv. Sou islandês, mas tenho morado aqui na Groelândia nos últimos anos, com os Vikings do Leste.

                -Eu me chamo Ahnah. -Limitou-se a apenas isso.

                -Ahnah de onde? -Disse Leiv, com um singelo sorriso no rosto.

                -Ahnah daqui. Ahnah da Groelândia. – As únicas coisas que pensava no momento era que realmente não queria e nem iria contar de onde viera, e que a voz de Leiv era bonita. O segundo pensamento, reconhecia que era idiota. Mas se você escutasse a voz de Leiv, teria o mesmo pensamento que o dela.

                -Tudo bem, Ahnah. Faz o que sozinha nessa praia?

                -Viajo. Estou a procura de um lugar melhor para passar o inverno. E você, fazia o que no mar?

                Ele riu.

                -O drakkar de minha família afundou. Estávamos voltando para a Islândia quando isto aconteceu. Acabei parando aqui...- Leiv olhou para baixo, encarando o vazio. Agora, mais do que nunca, ele parecia triste e embebedado pelo cansaço.

                Ahnah engoliu em seco, se sentindo um pouco mal pelo garoto. Ele se perdeu da família, e ela fugiu da dela. Ela, para mudar logo de assunto e animar o clima, vasculhou a bolsa e encheu a mão das frutinhas que estava guardando. Estendeu a mão repleta de frutinhas para o garoto, esperando que ele pegasse.

                -Vamos, coma. Você deve estar faminto. Sei que não é muito, mas até eu caçar...é o que tenho.

                Ele pegou as frutinhas de bom grado, e ao comer, fez uma careta ao perceber que elas não eram tão gostosas como quando frescas. Mas como ela havia dito, era o que tinha. Não demorou nada para que ele devorasse todas as frutinhas, e lançasse um olhar para ela pedindo mais.

                -Sinto muito. Era só o que eu tinha.- A garota olhou para o crepúsculo, e esfregou as mãos que estavam protegidas por luvas grossas. –Está ficando tarde e frio. Tenho que arrumar tudo para dormirmos.

                -Ahnah...- Leiv levantou-se antes que a garota, disposto a ajudar. – Para onde você vai ao amanhecer?

                -Vou caçar, e procurar alguma gruta para ficar. É impossível ficar exposta ao frio durante dois dias diretos.

                Leiv suspirou pesadamente, e deixou os lábios entreabertos como se quisesse dizer algo. Ahnah arrumava o saco de dormir próximo da fogueira.

                -Você pode dormir aí.- Apontou para o saco de dormir- Eu vou vestir algumas roupas a mais, tenho certeza que não vou sentir frio.

                -Não. Eu não preciso de um sono tão tranquilo. - Respondeu.

                -Sim, você precisa. Foi Silap Inua que te trouxe aqui. E se Silap Inua te trouxe, ela te quer bem.

                -Silap Inua? – O jovem viking indagou.

                -Silap Inua é a base de tudo que existe. Ela controla tudo o que entra na vida das pessoas. Controla o destino. E se você parar aqui não foi o destino...então não sei o que aconteceu.- Ela sorriu.- Agora, vá dormir. Você deve estar exausto.

                O garoto sorriu de volta, e aconchegou-se no saco de dormir.

                -Boa noite.- Disse Leiv.

                -Boa noite. –Ahnah respondeu.

                -Obrigado.

                -Você já me agradeceu.

                -Então boa noite.

                -Feche logo os olhos, Leiv.

                Ela ficou mais algum pouco tempo acordada, observando algumas madeixas douradas que caíam sobre a pele alva do garoto. Ele dormia com uma expressão serena, e parecia ter um sono eterno, inabalável.

                No dia seguinte, a jovem foi acordada pelo garoto.  O loiro mantinha um sorriso de canto a canto nos lábios, enquanto balançava uma gaivota com a cabeça esmagada, provavelmente obra de uma pedra. Ela esfregou os olhos, e encarou a gaivota mortiça.

                - Góðan daginn! Trouxe nosso café da manhã. Esta coisinha aqui estava perambulando pela praia enquanto eu tinha uma pedra em mãos.

                A garota nada disse. Apenas sentou-se e olhou o amontoado de cinzas que a fogueira deixou. O garoto vasculhou as roupas ainda úmidas que estavam jogadas na praia, e tirou de sua calça uma faca de um material muito bonito e reluzente, que ela não conhecia. Ele depenou a gaivota, tirou-lhe as tripas e espetou dois gravetos no bichinho. A jovem apenas observava. Nunca havia visto alguém depenar uma ave com tanta destreza.

                -Onde você aprendeu a fazer isso?- Ahnah perguntou ao jovem viking.

                -Com meu povo. – Leiv respondeu.

                Para agilizar tudo, a garota fez outra fogueira, no mesmo esquema da fogueira anterior.

                -E você, onde aprendeu a fazer uma fogueira tão rápido? – Leiv perguntou.

                -Com meu povo.- Ahnah disse com um sorriso no rosto, enquanto espetava dois gravetos na areia para apoiar a gaivota.

                Leiv colocou os gravetos que estavam espetados no bichinho apoiado aos dois fincados no chão. Sentou-se do lado de Ahnah, observando seus cabelos escuros e olhinhos puxados. Ele não era idiota, sabia que ela era uma inuíte. Mas se ela não quis tocar no assunto anteriormente, ela não iria querer agora.

                -A gaivota é pequena, não vai demorar muito para cozinhar.

                -Espero que sim. Estou faminta! E...obrigada por trazer o café da manhã.

                -Não precisa agradecer.

                Realmente assim como Leiv disse, a gaivota não demorou muito. Infelizmente, não tinha muita carne para ser considerado um café da manhã farto. Mesmo assim, os dois se deliciaram com o que tiveram. Logo, eles apagaram a fogueira e arrumaram as coisas. Teriam que procurar uma gruta para ficar. Ele carregou a bolsa dela, por mais que ela tenha dito que mais de três vezes que não havia necessidade.

                Leiv andava na frente todo tempo, sempre dizendo que algum tipo de animal selvagem poderia atacá-los, e que se ele ficasse na frente, ela teria tempo para correr. Apesar dessa desculpa (que ela não achava nada convincente, afinal, um animal pode atacar por todos os lados), a caminhada com o viking de cabelos dourados foi bastante agradável. Ele era animado, cheio de vida, e sem um pingo de dúvidas, uma companhia muito boa. Para matar aquele silêncio, a morena decidiu trazer algum assunto, e perguntou logo a pergunta mais medíocre das perguntas medíocres.

                -Então Leiv...qual a sua idade?

                -Tenho dezessete anos.

                -Ah, então já é um homem...

                -E você Ahnah, qual a sua idade?

                -Tenho quinze anos.

                O loiro deu uns tapinhas na cabeça de Ahnah, e bagunçou o cabelo dela, assim como os irmãos mais velhos fazem. Queria insinuar que como era mais velho, deveria ser respeitado. A jovem cruzou os braços e bufou, enquanto o garoto ria. Logo, o silêncio voltou. Ahnah e Leiv caminharam por mais um bom tempo, Leiv sempre apontando para aves que via no céu, e Ahnah sempre prestando atenção.  Quando acharam uma gruta, soltaram instantâneos gritos de vitória. A gruta não era uma das maiores, mas abrigava duas pessoas confortavelmente. O jovem viking entrou primeiro para verificar se era segura, e eles não demoraram a montar seu pequeno acampamento. Sentaram-se um do lado do outro. Leiv olhava para o sol, e entusiasmado, o loiro começou a contar as crenças de seu povo.

                -Sol é uma deusa. Ela tem dois cavalos, Arvak e Asvild que puxam sua carruagem. As crinas dos cavalos geram a luz, e a deusa por si só gera o calor. Sol é irmã do deus da Lua, Máni. Sol e Máni são frequentemente perseguidos por Skoll e Hati, lobos que tentam devorá-los. E ah...- Leiv colocou a mão no queixo, pensando um pouco. Pegou algumas pedras e as colocou em uma posição engraçada. –Todos nós, deuses e humanos, vivemos em uma árvore, chamada Yggdrasil.

                Leiv apontou para uma das pedras.

                -Aqui vivem os deuses. Eles moram em Asgard, um lugar só para eles.- Apontou para outra pedra.- E aqui nós vivemos, em Midgard. E existem também vários outros mundos, como Nilfheim, onde Hel, a filha de Loki governa os mortos. Também Jotunheim, Vaneheim, Muspellheim, Alfheim, Svartaheim e Nidavellir.

            Ahnah escutou cada palavra de Leiv, maravilhada. Seus olhos castanhos brilhavam com intensidade, e ela absorveu tudo o que ele disse. Adorou conhecer aquela cultura nova, bonita e rica. Sentiu que era vez de partilhar algumas de suas palavras com ele, e desengatou-se a falar.

            -Nós acreditamos que todas as coisas têm uma alma, uma Inua. Nós temos vários deuses, e cada um deles tem uma função no universo. Como Asiaq, que é a deusa do clima, e Pukkeenegak, que é a deusa das crianças, da gravidez, do parto e da costura.

            Enquanto falava sobre vários outros deuses, a garota não percebia o tempo passar. Não sentia fome, não sentia frio, não sentia nada além de felicidade.

            -E Silap Inua, que você me falou ontem?- Perguntou Leiv.

            -Silap Inua é inexplicável. Silap Inua é tudo, Leiv.

            -E o que Silap Inua queria unindo nossos destinos?- O loiro indagou.

            -É impossível saber. A única coisa que sei...é que qualquer coisa que Silap Inua faz, faz certo.

            Ahnah sorriu, e logo Leiv sorriu de volta. A garota olhou para os olhos azuis dele, e sentiu um leve rubor tomar conta de suas bochechas. Seja o que Silap Inua queria, Ahnah acabara de perceber que seu destino estava unido com a coisa mais linda que jamais poderia existir. Leiv. 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler! :3



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