Born to Die escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 70
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas!
Esse não é exatamente o tipo de epílogo que tem uma passagem temporal enorme para resumir os acontecimentos anteriores, nós fizemos uma continuação. Epílogo é algo que acontece depois do final e, tecnicamente, o 69 foi o último capítulo. Aqui apenas iremos esclarecer os últimos fatos.
Não vamos tomar muito o tempo de vocês, devem estar muito ansiosos. Leiam as notas finais, precisamos nos despedir.
Boa leitura!



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*Narrado por Mika Williams

– Era uma vez, há muito tempo, uma cabana pobre, às margens de uma extensa mata, feita de troncos de árvore, na qual morava um lenhador com sua segunda esposa e seus dois filhinhos, nascidos do primeiro casamento. O garoto chamava-se Hansel e a menina, Grettel. A vida sempre fora difícil na casa do lenhador, mas naquela época as coisas haviam piorado ainda mais: não havia comida para todos – iniciei a história, esse livro era um dos poucos que trouxera do Alto do Morro, e naquele momento estava sendo muito útil para acalmar as crianças. Hesh estava no meu colo, enquanto Grace e Sam acompanhavam a narrativa ao meu lado, todos nos bancos de trás da caminhonete.

Depois de saída de Carl e Avery, havíamos continuado o caminho pelo leste. Quanto mais avançávamos pela estrada, mais visível era a mudança de cenário. As brisas foram ficando mais fortes e, depois de algum tempo, já podíamos ouvir o som do mar. Ao anoitecer, chegáramos à cidade indicada pelos adultos, onde deveríamos nos estabelecer em segurança. Scott e eu tínhamos resolvido passar aquela noite no carro antes de procurar um local definitivo, pois não seria possível fazer isso com as crianças e no escuro.

Os pequenos haviam dormido horas antes, porém acordaram tempos depois sentindo muita fome. Enquanto eu lia o conto para tentar fazer com que eles adormecessem novamente, já era possível ver os primeiros raios do Sol no horizonte. Scott e eu havíamos dividido os turnos, entretanto ele decidira não me acordar e passar mais tempo na vigília, e eu sabia que Scott estava preocupado comigo. Contudo, as crianças tinham me acordado mais tarde, entediadas e agitadas. Enquanto isso, o garoto estava do lado de fora do carro, observando atentamente a cidade. Brianna dormia dentro de uma cesta do banco da frente, até então não apresentara nenhum problema na viagem.

– Eu quero uma história de princesa! – Grace pediu aproveitando a minha pausa.

– Histórias de princesa são chatas! – Hesh reclamou.

– Eu estou contando essa história porque tem um menino e uma menina, vocês vão gostar – falei para acabar com a discussão. – Vocês podem se identificar com os personagens.

Antes que eu pudesse continuar a narração, Scott desceu da parte traseira da caminhonete e caminhou até nós. Ele abriu a porta lentamente, trazia uma arma com silenciador, um dos cuidados dos adultos para a nossa proteção, além dos mantimentos que durariam cerca de duas semanas se soubéssemos estocar. Também havia bastante leite de cabra, Brianna precisava ter uma boa alimentação para se desenvolver sem maiores problemas, e leite em pó, para as crianças.

– O que foi? – indaguei preocupada, para Scott ter saído de seu posto algo muito sério deveria ter acontecido.

– Escutei o barulho de motores, não podemos ficar expostos. Vamos entrar naquela loja, acho que ela está vazia.

– Lembram do que eu disse sobre não fazer barulho? – dessa vez dirigi a pergunta para os pequenos, era essencial que eles seguissem tudo que eu dissesse. – Vocês precisam se comportar, dar as mãos e nos obedecer, certo?

Scott pegou as nossas coisas, incluindo mochilas e a bolsa de Brianna, enquanto eu levei apenas uma mochila e as crianças. Ele parecia muito preocupado, acabava se sobrecarregando de mais para que eu não precisasse fazer nada, quando eu era perfeitamente capaz de ajudar. Era como se Scott me afastasse para impedir que algo ruim acontecesse, eu sabia que ele tinha medo de me perder, mas aquela atitude só contribuía para me deixar mais apavorada. Vê-lo se arriscando por todos nós e não poder ajudar só contribuía para aumentar o meu medo, parecia que algo ruim poderia acontecer a qualquer momento.

Entramos em um estabelecimento que deveria ter sido um bar, o chão era de madeira, assim como as mesas redondas e a bancada retangular, com algumas prateleiras vazias atrás. Scott foi à frente e bateu no chão algumas vezes, para checar se não estávamos sozinhos. Aparentemente, não havia nada, o que me deixou aliviada. Provavelmente a loja estivera vazia por muito tempo, a julgar pela camada de poeira que cobria os móveis. Além disso, o local deveria ter sido completamente saqueado, já que não pude ver uma garrafa sequer.

– Vou deixar as coisas atrás do balcão, vocês podem se esconder aqui se alguma coisa acontecer – ele disse colocando a bagagem no local indicado. – Sei que vai cuidar bem deles.

– Scott, o que é isso? – questionei quando ele se virou para a porta. Fui até as crianças para falar com elas antes de continuar com ele. – Fiquem atrás do balcão e em silêncio – Scott continuava parado ao lado da porta, mas havia se voltado para mim. Ele parecia bastante sério e determinado, enquanto eu permanecia confusa. – Você está indo embora?

– Não, eu vou ficar do lado de fora para ver o que é. Vocês precisam ficar escondidos aqui, precisam ficar a salvo.

– Vai ficar lá fora, sozinho, com aquelas pessoas? – tentei mostrar a ele que aquilo era loucura, Scott não podia estar falando sério.

– Sim. O que importa é você e as crianças ficarem bem.

– E você? Também precisa se proteger!

– Mika, você não está entendendo. Você precisa ficar com as crianças, é perigoso lá fora. Não vou deixar que se arrisque.

– E você pode fazer isso? Eu só tenho você e os meninos agora, não posso perder mais ninguém. Desde o começo foi assim, eu perdi quem amava e não pude fazer nada. Minha mãe, meu pai, Lizzie, minha mãe de novo, e agora nos separamos dos outros. Dessa vez eu não vou ficar parada enquanto você se arrisca, eu não posso te deixar ir – consegui me lembrar claramente dos meus pais, minha irmã mais velha, Carol, que tinha sido como uma mãe para mim, Sasha e Tyreese, eu não sabia como ele estava, mas meu pai tinha ficado lá enquanto eu havia ido embora para me proteger. Todas aquelas lembranças me deixaram à beira do desespero, só então percebi que estava chorando.

– Eu também estou com muito medo, não quero te perder. Se eu puder fazer qualquer coisa para evitar isso, nada vai me impedir. Mika, eu prometo que vou ficar bem, apenas me deixe fazer isso. Você precisa ficar segura.

Dizendo isso, Scott colocou suas mãos ao redor do meu rosto e se aproximou. Aos poucos, fui me acalmando, seus olhos estavam fixos em mim e passavam muita confiança. Então, de repente, nós simplesmente nos beijamos. Foi rápido, já que não tínhamos muito tempo, porém o suficiente para que soubéssemos exatamente o que um sentia pelo outro. Em seguida, ele se afastou lentamente e deu um beijo na minha testa. Scott estava prestes a sair quando pudemos escutar claramente o barulho de motores sendo desligados, muito próximo a nós.

Toda a calma que ele havia me passado foi pelos ares, minha mente estava completamente conturbada, porém meu corpo permanecia firme, de pé e segurando a pequena Brianna. Scott se aproximou da janela com a arma nas mãos e não disse mais nenhuma palavra. Aquele silêncio apenas serviu para me apavorar mais. Eu não entendia o que estava acontecendo, quem poderiam ser aquelas pessoas, muito menos porque os olhos azuis do ruivo haviam se arregalado de uma hora para outra, como se tivesse acabado de ver um fantasma.

– Não são os Salvadores – ele disse.

*Narrado por Avery Hopper

Eu não sabia o que tinha na cabeça naquele momento, apenas corri até minha mãe quando ela foi jogada no chão. Nenhum homem atrás de mim pareceu se incomodar com isso, talvez porque eles sabiam que eu morreria de qualquer jeito. Abraçamo-nos com força, sua presença era capaz de me tranquilizar diante daquela situação. Mesmo que fosse morrer, tê-la comigo fazia tudo parecer um pouco melhor. Apesar disso, eu sabia que não estávamos nada bem.

– Não olhe para trás – minha mãe disse enquanto me apertava contra seu peito, na tentativa de me esconder daquilo.

O som do tiro me fez estremecer, Daryl estava lá e, se Dwight tivesse dito mesmo a verdade, ele não era nada do que pensávamos. Apesar de ainda estar confusa quanto a isso, não pude deixar de me preocupar com ele. Precisei desobedecer minha mãe e olhar para lá, no momento exato em que em que Daryl esfaqueava o capanga de Negan. Dwight caiu no chão sangrando bastante, de certa forma aquela cena foi capaz de reacender em mim um sentimento adormecido, aquilo me trouxera um pouco de ânimo.

O líder dos Salvadores, que segundos atrás quebrara a perna de Rick, se jogou sobre Daryl e começou a socá-lo. Negan parecia estar furioso, provavelmente por ter sido traído e ter perdido dois de seus homens com aquilo. Era uma imagem terrível, seus punhos se enchiam de sangue a cada golpe, e Daryl não reagia mais. Pensar que ele morreria com tantos socos não era uma boa ideia, cheguei a pensar em parar de olhar, no entanto algo me fez mudar de ideia.

Rick, mais ao fundo, começou a se levantar devagar. Se não soubesse que ele estava vivo, poderia dizer que era um walker, já que havia sangue em suas roupas e sua perna direita estava partida. Ele se arrastou até a faca que estava jogada no chão, parecendo adquirir uma força heroica para se ajoelhar. Eu não sabia como ele estava fazendo aquilo, sua perna estava em péssimo estado e, apesar da região danificada não tocar no chão, o fato de estar se esforçando tanto deveria aumentar a dor. Os Salvadores não fizeram absolutamente nada, todos os homens apenas assistiram enquanto Rick se aproximava do líder, que estava concentrado de mais em espancar Daryl para perceber o que acontecia atrás dele.

Rick finalmente o alcançou e, sem perder tempo, levou a faca à garganta de Negan. Seu rosto adquiriu uma expressão de raiva e satisfação ao esfaquear o homem que ele chamara de maníaco. O líder dos Salvadores parou subitamente, caindo do lado esquerdo de Daryl, seguido por Rick, que tombou para o lado.

Imediatamente, todos os Salvadores ergueram suas armas, a maioria delas brancas. Eu permaneci estática, ainda não conseguia acreditar no que acabava de ver. Negan se contorcia no chão enquanto o sangue que caía em abundância o sufocava, se nada fosse feito, logo ele estaria morto. Antes que algum tiro fosse disparado ou alguém morresse, Jesus se levantou e correu até o local onde os quatro homens estavam deitados, se posicionando na frente do alvo dos Salvadores. Ele ergueu as mãos, como se pedisse para ser escutado.

– Ei, por favor, não atirem! Eu só peço um pouco de atenção, depois vocês têm todo o direito de decidir o que farão conosco, certo? Apenas abaixem as armas e me escutem. Eu não conheço vocês, mas tenho certeza que não são iguais ao Negan, consigo ver nos seus olhos que não são loucos como ele. Sei que, apesar de tudo, são pessoas boas. Vocês, assim como nós, só querem sobreviver, e conseguiram fazer isso até agora. Devem ter escutado a proposta daquele rapaz, o nome dele era Fred. Ele estava comigo há uns cinco anos, era um bom garoto, e sonhador também. Pode parecer loucura o que Fred disse, mas aquilo me deu esperança. Acho que ele tinha razão, podemos trabalhar juntos. O que temos nas comunidades, o que construímos, o potencial é quase ilimitado para nossos padrões. Temos um monte de pessoas entre nós. Pessoas que são espertas e capazes, que podem fazer coisas incríveis... Se trabalharmos juntos. Podemos desenvolver um sistema de trocas. Então podemos construir lugares mais seguros para viver, podemos consertar estradas, podemos criar fazendas. Com todas essas pessoas trabalhando juntas... Podemos fazer tantas coisas... Nós poderíamos consertar isso tudo. Mesmo se não voltarmos a ser exatamente o que éramos antes... Podemos ficar perto pra caralho disso! Pessoas vivendo suas vidas, crianças crescendo em um ambiente seguro. Podemos ser felizes... Todos nós. Podemos reconstruir a civilização... Quem sabe até fazer um trabalho melhor dessa vez.

– Puta que pariu... Imagina o que poderíamos fazer... – um dos Salvadores se aproximou de Jesus, parecendo concordar. Pelas expressões dos outros, aquele homem deveria ter influenciado eles.

– Exatamente! Poderíamos criar uma área segura entre nossas comunidades para viajarmos, e trabalhando juntos isso poderia ser mantido facilmente. Se dividirmos as tarefas entre as comunidades, dá para fazer praticamente tudo. Comida, mantimentos, construção, segurança... Se delegarmos e cooperarmos, poderíamos mudar tudo. Vocês estavam fazendo tudo errado, saqueando e atacando. Sei que fizeram isso pela segurança do seu povo, não estou julgando ninguém, mas não acham que dessa forma é bem melhor? Não precisamos derramar mais sangue, podemos fazer algo melhor, começar de novo. Talvez vocês não vejam tantas vantagens nisso, mas, se cooperarem, ninguém vai precisar lutar e matar. A curto prazo isso pode não significar nada, mas será uma maneira honesta e justa de construírem um mundo melhor para seus filhos. Agora conseguem ver o que eu vejo? – Jesus não obteve resposta por alguns instantes, mas logo em seguida várias pessoas murmuraram respostas positivas ou balançaram as cabeças em concordância. – Isso não é apenas um cessar-fogo, pode ser o início de uma grande era.

Aos poucos, os Salvadores que escoltavam nosso grupo se afastaram, permitindo que a maioria das pessoas que estavam ajoelhadas se levantasse. Minha mãe e eu fizemos o mesmo. Foi como se o lugar todo adquirisse um aspecto diferente, e um sentimento bom tomou conta de mim. Fiquei observando o Santuário, não era exatamente o fim da guerra, e sim o começo de algo novo, como Jesus dissera. Apesar de tudo que aquelas pessoas tinham causado, o fato de terem nos poupado significou muito.

– Eu preciso ver o Daryl – minha mãe disse enquanto me soltava.

– Você sabia disso? É verdade? Ele estava mesmo do nosso lado? – perguntei segurando sua mão antes que ela se afastasse.

– Lembra aquilo que eu não podia de contar? Era isso, Daryl pediu que eu guardasse segredo – apesar de curta, a explicação foi o suficiente para me fazer compreender tudo. Se antes eu não sabia como ele poderia ter nos traído, a resposta era óbvia, Daryl simplesmente nunca fizera isso. – Sinto muito por não ter contado, foi para te proteger.

– Entendo se você achou melhor. Agora vá, o Daryl precisa de você e eu tenho que falar com o Carl.

Minha mãe caminhou até ele, um dos corpos caídos no pátio. Ela segurou a mão de Daryl delicadamente, sorrindo ao perceber que não estava desacordado. Parei de observar e resolvi ir até meu namorado, que tentava se levantar com dificuldade. Ele não devia estar fazendo isso, mas eu sabia que Carl pensava o contrário, para ele, era uma obrigação.

– Ei, pode parar! Você não pode fazer isso – disse segurando seus ombros para fazer com que ele se sentasse.

– Eu tenho que falar com o meu pai.

– Não, temos que cuidar do seu ferimento – sentei-me perto dele para analisar o torniquete. Carl havia afrouxado o pano, e, como a hemorragia tinha parado, ele deveria estar um pouco melhor. Apesar disso, meu namorado tinha perdido muito sangue e eu sabia que um torniquete poderia causar a amputação do membro danificado, o que ainda era preocupante. – Está horrível!

– Eu sei! – ele falou após dar um pequeno sorriso, pelo menos eu havia cortado o clima ruim que se iniciara quando eu tinha verificado seu ferimento.

– Deve haver algum médico aqui, ele vai nos ajudar e você vai ficar bem.

*Narrado por Sarah Grimes

Ele não poderia ter morrido, não naquele momento. A verdade era que não havia um momento certo, eu nunca estaria preparada para a morte do meu irmão mais novo. Uma das piores partes naquilo tudo tinha sido a dor, eu só queria que Fred tivesse tido uma morte menos dolorosa e mais rápida, ele não merecia aquilo. Havia sido algo tão brutal quanto ser devorado vivo. Quando havíamos ingressado nessa guerra, todos estavam cientes de que perderíamos pessoas, muitas delas, porém eu não esperava aquilo. Negan havia pedido para esquecermos aquilo, como se nada tivesse acontecido. A verdade era que eu nunca poderia me esquecer daquela cena. O sangue dele ainda estava em mim, e eu sentia que essa sensação nunca iria embora.

Eu tinha que ter protegido meu irmão, não podia ter deixado que aquilo acontecesse na minha frente. Mesmo que eu tivesse que morrer para salvá-lo, era isso que deveria ter sido feito. Depois de sete anos separados, só havíamos passado algumas semanas juntos. No início do apocalipse, não tivera a chance de protegê-lo, estávamos em estados diferentes e a separação fora inevitável. Entretanto, a partir do momento em que havíamos nos reencontrado, nada poderia ter acontecido com Fred. Da segunda vez, quando eu estava do lado dele, tinha assistido aquilo, ficado parada enquanto seu crânio era aberto por tentar nos salvar.

Eu já estava certa de que deveria ter feito algo, esse sentimento nunca sumiria, todavia outra pessoa tinha uma parcela maior de culpa na morte do meu irmão. Negan fora o responsável, desde o início. Ele havia nos ameaçado, atacado e sequestrado. Ele dera os golpes fatais em Fred. Negan havia tirado tudo de mim, primeiro Grace, depois Fred, e tentara fazer o mesmo com Rick.

Estava mergulhada nesses pensamentos quando Jesus fizera seu discurso. Eu tinha escutado aquelas palavras com clareza, apesar de não ser exatamente o que eu precisava. A menção ao nome de Fred havia sido um pequeno conforto, em meio a toda aquela tristeza. Mesmo depois de que sua vida fora tirada, a ideia de meu irmão permanecera, pelo menos sua morte não tinha sido em vão. E Negan, seu assassino, estava à beira da morte, sangrando lentamente. Eu havia visto tudo, desde a aparição de Daryl, até o momento em que Rick dera um fim ao líder dos Salvadores.

Só então me lembrei dele, eu não sabia como meu marido estava. Seu estado deveria ser o melhor, comparado ao dos outros três homens no chão. Claro que não deixava de ser preocupante, eu tinha visto sua tíbia sendo partida em duas partes pelas mãos de Negan. Rick poderia ter problemas no futuro se aquilo não fosse devidamente tratado. Ao seu lado, Dwight não respirava mais. Pelo corte na região abdominal, era possível ver seu intestino delgado. Daryl, próximo dele, parecia péssimo. Seu rosto estava vermelho, repleto de cortes e marcas roxas, além do sangue que escorria pelo nariz. Se tudo aquilo fosse mesmo verdade, não tínhamos mais motivos para odiá-lo, e eu torcia por isso. Negan, alguns metros adiante, respirava com dificuldade, engasgando com seu próprio sangue. Mentalmente, desejei que ele ainda tivesse muito tempo de vida para sofrer antes de se transformar e ser morto novamente.

Aproximei-me dos quatro homens lentamente, ainda com medo de ver que meu marido não estava bem. A faca ensanguentada que usara ainda estava no chão, ao lado de Negan. Quando cheguei, me sentei ao lado de Rick, o estado dele não era tão ruim assim. Ele parecia exausto, mesmo assim tentou melhorar sua expressão, talvez para não me preocupar.

– Rick – sussurrei enquanto o abraçava. Minha voz ainda estava muito rouca, quase inaudível.

– Você está bem? – apenas balancei a cabeça positivamente, sem me soltar dele. Era reconfortante poder abraçá-lo novamente, apoiar a cabeça em seu peito para ouvir seu coração e saber que ele estava vivo. – Acabou. Não vamos ter que passar por isso de novo. Faremos uma comunidade melhor, como seu irmão queria. Fred era um bom garoto, ele merecia estar aqui para ver isso. Agora vamos seguir o caminho dele, vamos mostrar que ele morreu por um motivo. Ninguém terá que lutar contra esse tipo de pessoa, os Salvadores não são mais uma ameaça. Vamos ficar bem.

Eu confiava muito nele, sabia que aquelas palavras eram verdadeiras. Junto com Jesus, Rick poderia reconstruir a sociedade. Aquilo trouxe a minha esperança de volta, foi como uma luz no fim do túnel. Meu irmão estava morto, e nada podia mudar isso, mas havia algo a ser feito, poderíamos honrá-lo. Eu apenas lamentava por todos que tinham ficado, os moradores da prisão, da base militar, minha família, todos mereciam ter sobrevivido para ver o resultado de todo o nosso trabalho, que fizéramos com tanto afinco, finalmente ser recompensado.

– Rick – ouvi a voz de Daryl, que estava próximo de nós. Levantei-me e ajudei meu marido a fazer o mesmo, já que sua perna não dava indícios de melhora. Depois que tudo que ocorrera, eu havia prestado pouca atenção no caso de Daryl, mas tudo levava a crer que podíamos confiar nele. Gabriela deveria saber, pelo jeito que o olhava, dava pra notar que a desconfiança desaparecera. Talvez não o tempo todo, mas ela sabia. – Obrigado.

– Você ainda é meu irmão – foi uma das poucas vezes em que vi Daryl sorrindo de verdade, as palavras de Rick haviam confirmado tudo, ele ainda era um de nós.

Ficamos nós quatro sentados no chão do pátio por algum tempo, cercados de homens mortos. Alguns segundos depois, Daryl se ergueu, com ajuda de Gabriela. Rick tentou fazer o mesmo, porém eu o impedi. Ele não conseguiria fazer aquilo, nem deveria. Pelo que eu havia olhado, era uma fratura exposta, já que uma parte da tíbia atravessava sua pele. Qualquer movimento forçado poderia piorar a situação dele.

– Não pode se levantar com a perna nesse estado. Você e Carl precisam de ajuda, deve haver algum médico no Santuário – o esforço vocal que precisei fazer valeu a pena, pois Rick acabou se convencendo de que sua fratura era pior do que parecia.

E, de fato, havia um médico na fábrica. Fora uma grande surpresa descobrir que ele havia sido um morador do Alto do Morro e, mais do que isso, era irmão do Doutor Carson. Ele tinha me contado parte de sua história enquanto eu o auxiliava no tratamento de Rick e Carl. O homem, pouco mais novo que Harlan, se juntara a um grupo do Alto do Morro, liderado por Negan. Com aquela narrativa, pude entender melhor os Salvadores, eles não eram tão ruins assim, apenas haviam seguido o caminho errado, confiando nas palavras eloquentes de seu líder.

Carl estivera desacordado durante todo o procedimento, devido a uma anestesia improvisada. Eu me encarregara de analisar sua perna, pois precisávamos saber se o torniquete causara necrose no tecido. Se isso tivesse ocorrido, teríamos que amputar o membro do meu enteado. Desde o início Carl havia sido prevenido sobre essa chance e, apesar do choque inicial, ele reagira bem com Avery ao seu lado. Entretanto, não era uma certeza e, apesar do torniquete ter prendido sua circulação, teríamos que avaliar mais antes de tomar qualquer decisão.

Rick não precisava de tanta ajuda, por isso apenas observei enquanto o Doutor Carson juntava seu osso novamente, num procedimento cirúrgico que, apesar de ter sido feito às pressas e sem muita estrutura, era tudo o que tínhamos. Depois disso, ele deu alguns pontos no corte provocado pela fratura exposta antes de imobilizar a área. Eu sabia que isso geraria um longo período de repouso para que meu marido se recuperasse, já que não tínhamos um tratamento mais adequado à disposição, além de medicação, uso de muletas e fisioterapia após a retirada da tala.

Avery entrou na enfermaria, que, no passado, deveria ter sido um depósito para utensílios de limpeza. Havia três camas, separadas por cortinas, além de um armário médio, uma bancada e duas cadeiras.

– O Carl está bem? – a loira perguntou.

– Espero que sim. Temos que esperar um pouco mais para ter certeza, ele deve acordar em algumas horas.

– Acha que ele e Rick vão ficar bem sozinhos?

– Sim, por quê?

– Estamos indo para a cidade onde Scott e Mika foram com as crianças, e eu pensei que você poderia querer ir com a gente.

Ao ouvir aquilo, minha face se iluminou. Era claro que eu não perderia a oportunidade de rever minha garotinha o mais rápido possível. Depois de tudo que havia acontecido, não tivera muito tempo para pensar em Grace, muito menos na possibilidade de encontrá-la novamente. Em um momento tão difícil, eu precisava muito dela e da minha família. A guerra tinha acabado e, mesmo que nossas vidas não voltassem a ser como eram antes, eu podia sentir que faríamos algo melhor, um lugar onde poderíamos viver de verdade. No final, tudo aquilo que fizéramos pelos nossos filhos valera a pena. Por mais que antes tudo estivesse tão obscuro a ponto de tirar minhas esperanças, eu sabia que, a partir daquele momento, teríamos luz novamente.

*Narrado por Gabriela Hopper

Daryl e eu caminhamos pelos corredores até o pátio do Santuário, dessa vez não tínhamos mais tanta pressa, finalmente havíamos libertado Malcom e Rose. Os dois, além de estarem esgotados, pareceram se incomodar bastante com a luz das lâmpadas. Do lado de fora, pude perceber que ainda era noite e fazia bastante frio. Quando havíamos chegado à fábrica, estava de tarde e o Sol dava uma sensação de calor. Desde então, algumas horas tinham se passado e, aos poucos, tudo estava se resolvendo.

– Enfim, livres – Malcom comentou quando paramos no pátio. Lá, as pessoas se movimentavam bastante, alguns preparavam carros e mantimentos para o nosso grupo, enquanto outros conversavam com Jesus. Alguns homens deveriam sair do Santuário para passar a mensagem de trégua para os que estavam nos postos avançados ou continuavam lutando. Se tudo corresse bem, não teríamos mais problemas com aquelas pessoas.

Uma região estava vazia, e eu sabia muito bem o motivo. Aquele local era onde Fred havia morrido, por isso evitei olhar. Seu cadáver, ou a brutalidade que levara à sua morte, era uma cena muito forte e, mesmo que o apocalipse nos levasse a acostumar com isso, não deixava de ser chocante. Os outros dois corpos também permaneciam no chão, Negan e Dwight ainda não haviam se transformado, talvez isso demorasse um pouco.

– Vocês estão indo embora? – Rose indagou depois de algum tempo.

– Temos muito trabalho a fazer, mas alguns ficarão aqui – Daryl explicou.

– Jesus, por exemplo. Ele vai precisar da ajuda de vocês para arrumar esse lugar, mas antes os dois precisam descansar e se alimentar – completei.

– Mãe! – Avery chamou depois de me cutucar, algo realmente irritante, porém resolvi não fazer qualquer tipo de objeção. – Já estamos indo.

– Está bem, só preciso me despedir de uns amigos – respondi indicando o casal ao meu lado com a cabeça, me arrependendo instantaneamente. A expressão de minha filha mudou completamente ao ver o homem e a mulher, ela havia os reconhecido.

– Espera, eu conheço vocês! Tentaram nos matar! – ela exclamou se posicionando entre mim e eles, encarando-os. Contudo, ao notar que eles não fizeram o mesmo, e, muito pelo contrário, adotaram semblantes mais amigáveis, Avery pareceu confusa.

– Igualzinha à mãe... Pode ficar tranquila que eles estão do nosso lado – Daryl se adiantou, resumindo a história.

– E eles estiveram o tempo todo do nosso lado? Que confusão... Bem... Foi um prazer revê-los, agora que não são mais sequestradores. Vou ajudar os outros, e não demorem – Ave se despediu brevemente antes de voltar para o local onde os carros eram preparados.

– Ela cresceu muito – Malcom disse enquanto observávamos seu afastamento. – Nem parece aquela menininha.

– Sim... Olha, eu sei que começamos errado, duas vezes, mas eu realmente não guardo rancor por nada. Vocês foram grandes aliados e provaram ser boas pessoas. Obrigada.

– Amigos? – o homem estendeu a mão, e eu retribuí o gesto. Depois me voltei para Rose, que fez o mesmo.

– Conhecidas – apesar disso, seu pequeno sorriso me levou a crer que, no fundo, éramos amigas.

Daryl se despediu deles antes de sairmos juntos. Era estranho estar com ele sem atrair olhares, pois, dias antes, tínhamos que nos encontrar escondidos raramente, e apenas por questões da guerra. Saber que tudo estava acabado, e que Daryl finalmente voltaria para casa, trazia um sentimento bom de segurança.

Apesar de parecer bem, seu rosto indicava o contrário. Eu tivera que insistir muito para convencê-lo de ir à enfermaria, pois seu nariz sangrava muito. Naquele momento, depois de ter sido devidamente tratado, Daryl parecia um pouco melhor. A vermelhidão anterior não existia mais, ao contrário das marcas roxas, que deveriam levar mais tempo para desaparecer. Os cortes distribuídos no rosto também não seriam uma grande preocupação e, tirando tudo isso, ele estava ótimo.

Observei o Santuário pela última vez antes de entrar no carro. Eu não queria mais voltar para aquele lugar, certamente me traria péssimas lembranças, no entanto eu sabia que isso poderia ser necessário no futuro, já que Jesus estivera bastante empenhado em projetar uma aliança com a comunidade. Aquelas pessoas ainda não me agradavam muito, mesmo assim eu tinha esperança que aqueles homens fossem tão bons quanto havia sido dito, isso me deixaria mais tranquila. No meu pensamento, quando voltássemos à fábrica já seria um local completamente diferente, todavia os moradores não teriam muito tempo para isso, já que o nosso retorno deveria acontecer na noite do mesmo dia, para buscar Rick e Carl.

No momento, eu só queria pegar a estrada e ir até aquela cidadezinha onde meu filho e as crianças estavam. Estava no carro com Daryl, Avery, Sarah e Eugene, este ia dirigindo, enquanto Glenn, Maggie e Tyreese ficariam no outro automóvel. Os Salvadores, ou qualquer coisa que fossem a partir do momento, haviam oferecido sua van, que fora recusada imediatamente. Além de termos quatro pessoas a menos, o que tornava um veículo tão grande desnecessário, os carros eram mais rápidos, fora que nenhum de nós gostaria de voltar para aquele local abafado e sombrio, que trazia péssimas lembranças.

Sarah estava no banco da frente, com a cabeça encostada na janela. Eu queria poder dizer algo reconfortante, sabia o quanto ela era forte para ter suportado aquela tragédia. Apesar disso, permanecemos em silêncio. Ela parecia completamente alheia, com o olhar distante e perdido no horizonte, talvez estivesse prestando atenção na paisagem ou no som do vento, entretanto eu acreditava que Sarah estava apenas pensando na vida, em seu irmão. Sua fé havia sido muito abalada por tudo o que ocorrera, e a única coisa que poderia regenerá-la no momento era Grace, portanto não havia muito que se fazer além de prosseguirmos com os planos.

Finalmente chegamos à cidade, que parecia completamente deserta. Já era madrugada, eu podia ver o Sol nascendo mais ao fundo. Os carros rondaram o local lentamente, passando pela rua principal. Eu não poderia estar mais ansiosa, queria pular para fora do veículo e correr em busca do meu filho. Estacionamos assim que a caminhonete foi avistada e, para o meu quase desespero, ela estava completamente vazia. Saímos do carro, olhando para todos os lados em busca de algum vestígio da passagem dos meninos.

– Eles devem estar por aqui – Maggie comentou.

– Papai! Mamãe! – ouvi a voz das crianças gritando, porém tudo que eu pude escutar foi Sam.

Ele veio correndo desesperadamente em nossa direção, com um grande sorriso. Inicialmente, Daryl ficou paralisado, provavelmente não acreditava que estava vendo nosso filho novamente, mas logo se deu conta do que estava acontecendo e foi até lá. Scott e Mika vieram atrás dos pequenos com aparente preocupação, entretanto suas faces mudaram gradualmente, à medida que perceberam a nossa presença.

Sarah, que estivera desolada durante todo o trajeto, começou a chorar quando viu sua filha correndo até nós. Apesar disso, pude ver um pequeno sorriso em seu rosto, pela primeira vez depois da morte de Fred. Eu finalmente poderia dizer que ela estava feliz, apesar de tudo. Parei de olhar no momento em que ela e Grace se abraçaram, e voltei minhas atenções para Samuel.

– Eu sabia que você voltaria! – ele disse orgulhoso enquanto seu pai o rodava no ar. Não pude deixar de sorrir ao ver aquela cena, meu filho não tinha a mínima noção do que acontecera conosco, muito menos dos motivos que o levaram a sair do Alto do Morro.

– Prometo que eu vou tentar nunca mais me afastar de você – Daryl falou abraçando o garoto enquanto Avery e eu nos aproximamos dos dois.

– Então, maninho, sentiu a minha falta? – a loira questionou bagunçando seus cabelos.

O diálogo continuou, mesmo assim não prestei atenção. Ficamos nós quatro parados e nos abraçando no meio da rua, cercados de pessoas que faziam o mesmo. Olhando ao meu redor, percebi que eu não poderia estar mais feliz. Não era o que eu tinha planejado para a minha vida, antes do apocalipse a minha aposentadoria já estava quase preparada e, a essa altura, eu deveria estar quase cumprindo minha época de trabalho, pronta para ser recompensada pela dedicação no serviço e aproveitar a vida viajando, como a tia Carmen, porém eu estaria sozinha, ao contrário dela. Aquele futuro perfeito não me agradava mais, eu não trocaria a minha família por aquilo. Mesmo com todos os acontecimentos terríveis, as perdas, dor e sofrimento, a felicidade que eu tinha encontrado no apocalipse era preferível ao que eu havia imaginado, e era isso que a fazia tão perfeita, o fato de ter sido algo inesperado.

Se por vários dias a frase que Charles dissera no parque, anos atrás, me atormentara, eu sabia que isso não incomodaria mais. Ele estivera coberto de razão, contudo aquilo não resumia a nossa passagem, não existíamos apenas para partir, havíamos nascido também para lutar, viver, amar, entre outras coisas. Porém, com a certeza de que, no final, todos tinham nascido para morrer.


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Notas finais do capítulo

Algumas pessoas podem não gostar do nosso final "clichê" e sem morte de protagonistas, mas foi o nosso final. Fizemos muitas coisas que as pessoas acharam surpreendentes para, pelo menos uma vez, fazermos algo mais comum. Ainda não estamos preparadas para matar nossas principais (ainda não).
Depois de 70 capítulos, 430 dias e mais de 180000 palavras, Born to Die chegou ao fim. Nesse tempo, tivemos que fazer muitas pesquisas geográficas, médicas, nos arrastamos no chão, simulamos lutas, entre outros, tudo para ver se essas coisas eram possíveis e tornar a história mais realista, porém todo o esforço valeu a pena, muito por causa de vocês.
Agradecemos muito a todos vocês, sabemos que temos cerca de 100 leitores. Mesmo que a maioria nunca comentou, sabemos que a história possivelmente não teria chegado até aqui sem cada um de vocês. Não iremos citar nomes, para não esquecermos de ninguém, mas vocês são os melhores leitores. Graças aos seus comentários, críticas construtivas, elogios e sugestões, conseguimos chegar até aqui. Muitos de vocês não sabem, mas BTD quase acabou no capítulo 51. Havia poucas chances de termos feito algo além disso, mas acabamos mudando de ideia, em grande parte porque vocês mereciam, e sabemos que a Gabriela, a Sarah e a Avery tinham mais histórias para contar.
Mesmo que você nunca tenha comentado na vida por algum motivo, gostaríamos de poder dizer um "oi" e agradecer individualmente.
Esperamos vê-los outras vezes. Como a maioria já sabe, em breve postaremos nossa nova fic, End of the World. É algo completamente diferente do que já fizemos, começando pela narrativa em terceira pessoa, o número de personagens e as personalidades mais profundas. Gostaríamos de contar com a presença de vocês lá, temos certeza que vão se surpreender com o enredo e esperamos que gostem, pois estamos preparando muitas coisas para vocês. Qualquer coisa, nos procurem no Ask, estamos meio sensíveis e generosas hoje, quem sabe não damos algumas informações extras da nova fic? Provavelmente ela será postada na sexta-feira, mas ainda não começamos a escrever a talvez haja um atraso.
Então, o que acharam do capítulo, da fanfiction em si, do final da história? Deixem a sua opinião, realmente queremos saber.
Aos que ficam aqui, adeus. Aos que veremos futuramente, até mais.