*Narrado por Avery Dickens

Acordei com a coluna dolorida e uma luz no meu rosto. Tive vontade de continuar na cama, mas o mundo não era mais o mesmo. Ouvi uma porta se abrindo e me levantei.

– Bom dia! – Gabriela saiu do banheiro.

– Por que não me acordou? – sempre odiei acordar tarde.

– Ainda é cedo e você estava dormindo muito tranquilamente.

– Que horas são?

– Sete e meia.

– Não é tão cedo quanto eu esperava, mas tudo bem! Vamos, eu quero conhecer o pessoal! – fiquei animada com a ideia de ficar lá.

– Você quer ficar? – ela perguntou meio receosa.

– Sim, por que não?

– Acho que vou ir para Atlanta...

– Como assim? Estamos seguras aqui! Tem outras pessoas! E se acontecer em Atlanta a mesma coisa que aconteceu nas escolas e hospitais?

– Você não precisa ir comigo. Eu acho que Atlanta será melhor, têm policiais lá. Aqui estamos em uma floresta! – era estranho pensar em me separar dela agora.

– Exatamente! Menos pessoas atraem menos walkers! E se eles invadirem Atlanta? Todo mundo vai morrer. Fica! Vai ser legal ficar com você! – ela deu um fraco sorriso.

– Vamos conhecer as pessoas, depois eu resolvo isso – ela saiu e eu fui atrás.

Chegamos lá fora e parecia que eles estavam em reunião, talvez falando sobre nós. Quando chegamos todos nos olharam. Josh começou a falar por eles.

– Bom dia. Ainda não pudemos nos apresentar formalmente. Sou Joshua Harris e essa é minha irmã, Katherine Harris – ele apontou para Kate. – Esse aqui é Elias Barton, ele é mecânico e está nos ajudando na segurança, mas vocês já o conheceram – ele indicou um homem no canto. – Esse aqui é Charles Watson, ele é um policial aposentado e também fica vigiando os arredores – Charles, além de tudo isso, era um bêbado, pelo que pude notar. – Emily Johnson, chefe de cozinha – ela era uma mulher nova, devia ter uns 30 anos. –Molly Willians e Ashley Parker, bancárias. Jacob Smith, geógrafo e Jack Adams.

Todos acenaram. Eles pareciam nervosos. Talvez estivessem decidindo algo sobre nós duas.

– Sabem fazer alguma coisa que ajude? Sabem matar errantes? – Charles perguntou antes de tomar um gole de uma bebida.

– Nós sabemos – notei que Gabriela não falaria e me adiantei. – Chamam eles de errantes?

– É – Elias respondeu.

– Pode devolver meu machado? – Gabriela perguntou e eu me surpreendi.

– Vocês vão ficar? – Ashley falou. – Querem ficar?

– Se não se incomodarem, ficaremos por um tempo – como por um tempo? Mesmo assim não pude deixar de sorrir.

Josh entregou o machado dela.

– E o meu taco?

– Tudo bem, rebatedora. Pode ficar com ele! – ele jogou o meu taco.

– Onde posso começar? – Gabriela perguntou.

– Sabe cortar lenha? – a essa altura, os outros já haviam saído e ficamos só nós três.

– Desde pequena – fomos em direção à floresta (que eu já conhecia muito bem) e lá, me sentei em um toco de árvore enquanto Josh cortava as árvores e Gabriela partia a lenha em pedaços menores.

– Então... Vou deixar o casalzinho trabalhar a sós! – fui saindo de fininho. Estava cansada de ouvir aquelas batidas.

– Pode ficar fofinha, já estou de saída! – ele prendeu seu machado em outro toco e foi saindo.

– Eu não sou fofa! – bati os pés no chão.

– Viu, é fofa! – ele disse rindo e arrancando um sorriso de Gabriela.

– Pode ficar! Eu me recuso a ficar aqui! – fui saindo.

– Espera, antes explique o “casalzinho”. – Gabriela falou e eu me voltei para ela.

– Um homem e uma mulher, casal. Só usei o diminutivo! – saí de lá, deixando os dois sozinhos.

Voltei ao local dos chalés e encontrei Kate conversando com Jack em uma mesa. Quando eu cheguei, eles terminaram a conversa e ele saiu.

– O que foi? Cansou de vê-los cortando lenha?

– Pra que serve a lenha?

– Fogueiras e também pra fazer uma cerca. Enquanto os errantes estão por aí, temos que nos proteger.

– O que você estava fazendo antes disso?

– Eu e o Jack combinamos um passeio perto do rio.

– Como assim? Tipo piquenique?

– Quantos anos você tem? Faz essa pergunta de novo daqui a alguns anos que eu te respondo – ela falou como se eu tivesse 5 anos.

– Vocês estão namorando? – arregalei os olhos.

– Tipo isso.

– Vou te ajudar a preparar o piquenique. Vai ser quando? – me levantei.

– Piquenique? Tão ingênua...

– Tá, já vi que não sou bem-vinda aqui! – me virei.

– Além de ingênua é linguaruda! – isso me irritou bastante.

– O que você faz para ajudar aqui, Senhorita Adulta?

– Eu? Nada! O que você queria que eu fizesse?

– Sei lá! O pessoal tá fazendo o almoço lá no refeitório.

– Quer que eu cozinhe? Não sei nem fritar ovo! E eu tenho cara de cozinheira?

– Sei lá... Talvez! – irritei ela. – Estou indo para a cozinha. Já que os adultos não podem cozinhar, vamos apelar para as crianças!

– Volta aqui, pestinha! – saí correndo e ela foi atrás.

Mesmo sendo um pouquinho irritante, ela era legal. Kate era a pessoa mais próxima da minha idade lá (tirando o Jack, que parecia ser 1 ano mais novo que ela, mas eu não conversaria com um garoto). Fui correndo para a cozinha. Chegamos lá ofegantes e vi as mulheres bem atarefadas lá.

– Querem ajuda? – perguntei.

– Sabe fazer alguma coisa? – Emily perguntou sem desviar os olhos da panela.

– Não, mas estou disposta a aprender! – falei e fiquei feliz por mim. – Com o que nós começamos?

– Como assim “nós”? – Kate perguntou.

– Você também vai ajudar! Acha justo todo mundo fazendo alguma coisa e você fazendo outras coisas que não ajudam ninguém? – brinquei e falei sério ao mesmo tempo.

– Tanto faz! O que podemos fazer? – ela perguntou.

Depois disso, Emily nos passou algumas instruções e tarefas. Não foi chato aprender a cozinhar.

*Narrado por Gabriela Hopper

Depois que Avery saiu me sentei no lugar dela.

– Qual a relação entre você e ela? – Josh falou depois de um tempo.

– Não sei se existe uma definição. Somos... Conhecidas. Eu estava dirigindo para Atlanta e quase a atropelei. Fiquei com pena de deixá-la sozinha e viemos juntas até aqui.

– Vocês não parecem só conhecidas. Vi o jeito que olha para ela. Tem algo de especial nisso.

– Pode parecer estranho, mas eu me sinto responsável por ela. Não é só por pena ou culpa, acho que preciso cuidar dela até encontrar um lugar onde Avery possa ficar. Só continuo nesse parque por causa dela.

– E os pais da Avery?

– Foram mordidos. Ela conseguiu escapar e foi andando até a estrada.

– E você?

– Eu morava coma minha mãe há um tempo, depois que meu pai morreu. Eu deixei a porta da casa aberta e um walker entrou lá. Minha mãe foi mordida e eu fui embora. Mas e vocês?

– O que mais quer saber sobre nós?

– O que faziam aqui... Sei lá! – eu não sabia o que realmente queria saber, mas queria saber mais.

– Eu sou professor – ele coçou a nuca.

– De educação física? – aquilo era meio óbvio por causa do porte físico dele.

– Não, de história – ele fez uma careta.

– Jura? E...

– Esteroides! – ele respondeu rápido e eu me assustei.

– Jura? – ele riu.

– Claro que não! Musculação, levantamento de peso... Essas coisas – foi uma das poucas vezes que ri desde isso tudo começou.

– E os outros? – eu ainda queria saber a história deles.

– Kate ia para a faculdade semana que vem. Eu resolvi trazê-la pra cá para passar uns dias com ela antes disso. Não dou aula às quintas e sextas. Elias trabalhava aqui. Charles é um policial aposentado e um bêbado. A melhor coisa é que ele tem uma pistola. Só quero ver quando a bebida do parque acabar. Tem uma adega enorme aqui, mas do jeito que ele bebe... Emily também era daqui, e está sendo de grande ajuda. Molly e Ashley são amigas, vieram juntas passar uns dias aqui. Jacob e Jack também vieram de férias – ele se sentou ao meu lado. – Todos nós decidimos ficar aqui depois que soubemos o que estava acontecendo. Vimos isso na televisão, e seria arriscado tentar sair. Se um errante entrar em Atlanta sem que ninguém saiba, todos estarão correndo risco.

Vimos Avery e Kate passando bem depressa por nós.

– Avery é naturalmente irritante. Deve ter aprontado alguma... – falei.

– Acho que ela encontrou alguém mais irritante que ela. Kate é meio maluquinha...

– Acha que isso vai acabar? – perguntei meio receosa. Isso não podia ser para sempre.

– Um dia tem que acabar. Nada dura para sempre, não é mesmo? A peste negra acabou, fez grande estrago, mas acabou.

– Faz sentido... Vamos ver se o almoço está pronto? – me levantei e ele veio atrás de mim.

Chegamos à cozinha e me deparei com Emily, Ashley e Molly preparando macarrão enquanto Avery e Kate ajudavam cortando os tomates, meio desajeitadas.

– Kate, você está passando bem? – Josh perguntou num tom de brincadeira. – Ela nunca faz nada! – ele falou para mim.

– Ela finalmente tomou vergonha na cara e decidiu fazer alguma coisa que preste! – Avery falou para irritá-la.

– É, eu decidi ajudar, mas se continuarem com as brincadeiras eu paro!

– Tudo bem, só não envenene a comida! – Josh brincou enquanto ela apontava a faca para ele. – Já parei!

– Josh, por que você também não ajuda? – Avery sugeriu.

– Eu já estou contribuindo com a lenha! E sou péssimo com essas coisas.

– Gabriela? – ela olhou para mim.

– Nem pense nisso! – eu cozinhando?

Depois de um tempo a comida ficou pronta e nos reunimos nas mesas de madeira que ficavam perto dos chalés.

– Isso está ótimo! – Jacob elogiou.

– Que bom que você acha isso, porque foi a primeira comida que eu fiz na vida - Avery falou.

– Claro, eu estava ajudando! – Kate brincou. Como se não bastasse a Avery, agora teria que aguentar outra exibida.

– Avery, por favor, modos. – sussurrei.

– Tudo bem! Eu fico quieta, sua chata! – ela gritou para anunciar que eu estava reprimindo ela.

– Não tem problema, crianças sempre animam as coisas – Ashley ajudou ela.

– Por que não contamos os dias enquanto estamos aqui? Sabe, para manter o calendário. – Elias sugeriu.

– Não acho isso uma boa ideia. Vamos ficar esperançosos de mais, e se isso durar um mês, ou mais? É melhor não ligarmos para isso. Essa coisa toda deve ter acontecido para nos dar uma segunda chance, de viver sem tantas preocupações de contas, impostos, capitalismo e trabalho por um tempo, para sabermos como seria – Charles explicou. Por mais que ele fosse um bêbado, aquelas palavras foram sábias, pelo menos para mim.

Depois de uma tarde cheia e a sobra do almoço à noite, fomos dormir. Eu e Avery tivemos que ficar no mesmo chalé, pois uns estavam ocupados e outros trancados com mordedores. Quando eu ia me deitar, notei que Avery estava chorando bem baixo.

– Ei, o que foi? - perguntei colocando a mão no ombro dela.

– Eu sinto falta da minha mãe! - ela respondeu em meio aos soluços.

– Eu também sinto falta da minha mãe. Mas às vezes temos que nos acostumar com coisas que não gostamos muito.

– Não parece que você está tão triste por isso - ela falou limpando as lágrimas.

– É porque eu me acostumei a ficar sem ela antes de perdê-la. Um dia você vai superar isso.

– Eu não sei se consigo dormir. Só dormi ontem porque eu estava cansada. É estranho pensar que sou uma órfã. Quando isso acabar, como eu fico?

– Eu não sei... Teremos que esperar para ver. Posso fazer alguma coisa pra te ajudar?

– Promete que vai continuar aqui no parque?

– Eu... Vou ficar - decidi.

– Obrigada! Boa noite. Vou tentar dormir.

– Boa noite! - dei um beijo na testa dela e fui dormir.