Não existia nenhum motivo especial para que acordasse às sete e meia todos os dias. Não trabalhava, não estudava, nada fazia a não ser mergulhar no escuro de seu quarto e pensar. Pensar... Tarefa perigosa? É, talvez. Quanto mais a gente pensa, mais a gente se devora.

Devorar-se não pode ser uma tarefa prazerosa! Mas se faz necessário. Consumir-se, como uma vela, para manter uma chama acesa, produzir combustível de si mesmo e ter todo o cuidado de não deixar isso ser em vão.

Ele já era o toco de uma vela.

Pensava demais, perguntava demais, consumia demais, produzia demais. Produção esta que servia apenas de luz no seu quartinho escuro e sua sombria mente. Sombria por definição, estado permanente.

Raramente ligava a tevê, não gostava muito do que ela dizia, era... econômica. Ele não gostava de coisas econômicas, gostava da abundancia, exagero. Era consumista, gastava-se até para o desnecessário. Desnecessário? Não! Esse não é o termo adequado. Talvez...Inoportuno? Também não.

Inexplorado! Isso sim está correto, diria ele. E continuaria assim se dependesse dele, suas descobertas eram suas.

Raramente saia de casa, não achava que a companhia alheia o faria bem. Eles o distraiam. Suas presenças, seus atos, seus gestos - Tão interessantes! – o distraiam de seu propósito, sua pesquisa. Seu eu.

Eu que se consumia e não se bastava, mas disso não sabia. Nunca Perguntou.

As únicas respostas que recebia eram as suas. Suficiente? Ele também não perguntou.

Costumava pensar em si e para si, somente em seu benefício. Não tinha amigos, seus parentes não o suportavam. Ele se bastava... Bastava? Estava velho, suas mãos se moldaram num encaixe. Direita e esquerda. Ele e ele. Nunca parou para se arrepender, nem para reparar em sua situação.

Por mais que ele pensasse por muito tempo em si, não sabia tudo o que tinha que saber. Sombrio, onde a luz não alcança, estava o seu desejo de não pensar em si.

Não podia. Foi feito assim.

Ligou a televisão num dia nebuloso, quando notou o silêncio que vinha da rua. Estranhou, quis sair pra investigar, mas isso era ambicioso demais. A voz do eletrodoméstico ecoou pela sala empoeirada, anunciando ruas vazias e pessoas trancadas em suas casas.

Vários eus.

Corriam boatos sobre o fim do mundo. Mas ele não se importava. Acabou-se o seu.