ANTROPÓFAGO - Diário de um Canibal escrita por Adélison Silva


Capítulo 6
Baltasar


Notas iniciais do capítulo

Seu Baltasar não poderia ter escolhido hora pior para aparecer. Testemunha da monstruosidade de Maxweel, ele não vai sair ileso disso.



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   Ficamos ali inertes, paralisados em frente ao outro. Ele em pé e eu ajoelhado diante do cadáver da moça, com a boca suja de sangue. Seu Baltasar ficou de olhos arregalados como se não acreditasse na cena que assistia. Lentamente, o vestido que segurava escorregava de suas mãos, por entre os seus dedos, descendo em direção ao chão, enquanto, ao mesmo tempo, dava discretas passadas para trás e virava-se na intenção de sair correndo, fugindo de mim. Em minha mente, relembrava todo o mistério dos objetos que estavam na caverna. Levantei lentamente com a cabeça curvada para frente e o olhar em sua direção. Na mão direita, a faca, cúmplice do homicídio que acabara de cometer. Exclamei com voz firme:

 

MAX

(com voz firme) Não dê mais nenhum passo senhor!

 

 

Baltasar parou de costas para mim.

 

 

BALTASAR

(ofegante) O que você fez Max? Quem é essa moça?

 

MAX

Não foi o senhor que disse que sou um monstro? Eu fiz o que todo monstro faz, mata.

 

 

Segurei o cabo da faca com firmeza e apressei o passo até ele. Seu Baltasar deu uma olhada para trás e correu em direção à saída da caverna. Atirei a faca acertando a sua panturrilha derrubando-o ao chão. Aproximei-me e o encarei com o olhar lacrimejando de ódio. Baltasar arregalou o olho de medo.

 

 

BALTASAR

(suplicando) Max por misericórdia, sou eu! O que aconteceu com você?

 

 

Agarrei-lhe pelo o colarinho e o arrastei pela a caverna ainda com a faca fincada em sua perna. Ele gemia, com uma mão afrouxando a camisa que sufocava a sua garganta, e com a outra segurava a sua perna ensanguentada. Seu Baltasar se debatia tentando escapar, mas o arrasto até o interior da caverna e o amarro com as mesmas tiras de pano com as quais havia amarrado a moça. Agachei-me em sua frente e fiquei lhe encarando.

 

 

BALTASAR

Você está descontrolado Max. Eu não estou te reconhecendo.

 

MAX

Está com medo de mim senhor? (olhando suas mãos) Minhas mãos estão sujas de sangue, eu sou um monstro. (chorando) Meu peito dói, eu não queria fazer nada disso, eu não queria matar a minha Érica.

 

BALTASAR

— (sem entender) Érica? Essa moça que você matou é a sua namorada Érica? Me tira daqui, eu posso te ajudar.

 

MAX

(com ódio) Você mentiu e eu odeio mentiras!

 

BALTASAR

(com medo) Porque me olha assim, Max? O que pretende fazer?

 

MAX

Você é um mentiroso, nunca esteve perdido.

 

BALTASAR

Ouça bem Max. Não se esqueça que quando mais precisou fui eu quem cuidou de você. Minha perna está doendo, agora sou eu quem precisa dos seus cuidados. Lembra das suas feridas? Fui eu que cuidei delas, diariamente dia após dia até você se recuperar. A minha perna está doendo, eu preciso que você me ajude.

 

 

  Não sei se era algum tipo de chantagem emocional, no entanto seu Baltasar procurava tocar no profundo dos meus sentimentos, arrancando dali alguma misericórdia, para que eu não o matasse. Era como se cobrasse o favor que havia me feito. Eu tinha muitas dúvidas a seu respeito. Como entrou na fábrica em meio ao incêndio e me resgatou? Porque em seus pertences haviam objetos da cidade, se estava perdido assim como eu? Eram muitas as perguntas que tinha pra fazer, tentei resumir todas em uma só:

 

MAX

(pausadamente) Quem é você?

 

 

  Seu Baltasar entristeceu o olhar, e ficou cabisbaixo trancafiado mais uma vez em seu silêncio. Segurei firme a faca presa em sua panturrilha e a contornei, quebrando o seu silêncio com um forte grito:

 

 

MAX

(com ódio) Responde as minhas perguntas! Como veio parar aqui? O que está escondendo de mim?

 

BALTASAR

(gemendo de dor) Por favor, não me mate! (desabafando com raiva) Olhe pra você Max, acha que alguém vai lhe tratar como um ser humano normal? Você é um monstro e eu não sou o culpado disso. Veja o que fez com aquela moça, você a torturou, a matou e provou da sua carne. Não passa de uma aberração antropófaga, com sede de devorar tudo, de controlar tudo. Foi assim com a Érica, você a quis possuir, por isso ela não se importou ao lhe ver em meio as chamas. Ela quis se livrar de você.

 

 

  Não compreendia bem a sua intenção, no entanto fiquei mexido com o que dizia, pois era verdade, Érica não parecia se importar muito em me ver sendo queimado.

 

 

MAX

(entristecendo-se) É mentira! Érica me ama, ela só não quis saber de mim por causa do Ricardo. (com ódio) Do maldito do Ricardo.

 

BALTASAR

(ainda gemendo de dor) Sabe bem que não estou mentindo. Eu estava lá naquele dia, eu vi quando vocês entraram na fábrica. Observei bem quando você e seus amiguinhos desviaram o caminho, eu os segui.

 

MAX

(estranhando) Como assim? Estava na fábrica naquele dia? (com raiva) O que esconde senhor?

 

BALTASAR

(revelando) Eu conheço aquela fábrica como a palma da minha mão.

 

MAX

(interessado) Continue, eu preciso saber. Você nunca esteve perdido, né mesmo? O que esconde?

 

BALTASAR

(desabafando) Eu já fui funcionário daquela fábrica, eu era sócio de lá, fazia parte da brigada de emergência. (geme tentando ajeitar a sua perna) No entanto ouve um acidente, pouco semelhante ao seu. A diferença é que a vítima caiu dentro do cilindro de soda caustica, não teve chance nenhuma de sobreviver. (geme mais uma vez) Minha perna dói Max, por favor, tire esse punhal daqui.

 

MAX

Apenas continue a história, quero ouvir.

 

 

Baltasar parou por um instante olhando para mim e resolveu continuar a história.

 

 

BALTASAR

O nome da vítima era Diego. Ele era noivo de uma das funcionárias mais bela que trabalhava naquele lugar. Eu fui acusado de ter o empurrado da passarela. Tudo por que eu tinha uma paixão alucinante pela a noiva de Diego.

 

MAX

E você o empurrou?

 

BALTASAR

Claro que não, foi um acidente.

 

 

 Eu não me convenci daquilo. Fiquei muito surpreso com toda a história que o Seu Baltasar me contava. Não era difícil entender o que realmente aconteceu. Com ciúmes do Diego, Seu Baltasar se viu em uma oportunidade única, se livrar do rival, o empurrou dentro do cilindro de soda, com a desculpa “acidentes acontecem”. Assim como Érica e Davi que ao invés de me socorrer preferiram me deixar a mercê da minha sorte, eu não os perdoava.

 

 

BALTASAR

Max, eu preciso de ajuda! Olha para a minha perna, estou perdendo muito sangue.

 

 

A perna de Baltasar estava toda dilacerada, era possível ver o osso da sua fíbula exposto.

 

 

BALTASAR

Por favor, me ajude!

 

MAX

Ainda não, eu quero ouvir o resto da história.

 

BALTASAR

(respira fundo e continua a história) A polícia foi chamada e iria fazer pericia no local. Existia câmera ali, não seria difícil eles descobrir que fui eu. Por puro ciúme eu desgracei a minha vida. Assim como você está fazendo com a sua, Max.

 

MAX

Eu não escolhi isso. (T) Pra fugir o senhor se escondeu na floresta?

 

BALTASAR

A floresta Mossaíh sempre teve a fama de ser mal assombrada. Eu não sei o que é, mas tem algo encantador nessa floresta. Eu precisava fugir e aqui foi onde eu encontrei abrigo.

 

 

Caminhei até próximo ao lago tristonho me dando conta de que eu poderia ter voltado pra casa.

 

 

MAX

Então isso quer dizer, que durante esses dez anos que eu achei que estivesse perdido poderia ter voltado para a república? (vira para trás e encara Baltasar) Maldito me previu de conviver com a minha Érica!

 

BALTASAR

Aproveita que está aí perto do lago e olho o seu reflexo. E depois me responde com sinceridade. Você acha que Érica ainda vai te querer? Assim como eu perdi a minha amada, você perdeu a sua. Ninguém iria cuidar de você da forma que eu cuidei. Todos fugiram e não se importaram contigo.

 

 

  Ele estava certo, eu é que era o amaldiçoado. Se minha sorte fosse a mesma do Diego. Se a soda estivesse corroído a minha vida eu não viveria naquele martírio. Mas não tive a mesma sorte e agora eu sofria angustiado, sendo prisioneiro dentro do meu próprio corpo. Queria morrer, mas não achava justo morrer sem antes encontrar com a minha amada.

 

 

BALTASAR

(suplicando) Max, me ajude! Não me torture mais, eu sempre te ajudei. O que eu fiz foi o melhor.

 

 

Eu andava de um lado para o outro, tentando digerir tudo o que havia ouvido. Parei diante da garrafa com cachaça.

 

 

BALTASAR

(ainda suplicando) Por favor, me ajude!

 

 

  A sua voz me irritava, peguei então a garrafa de cachaça e derramei em sua perna machucada. Ele gritava fortemente em meio a dor.

 

MAX

Cala essa maldita boca! (colocando as mãos na cabeça) A minha cabeça dói. Eu me sinto perdido não sei o que fazer de mim.

 

Baltasar ainda chorava e gemia de dor.

 

 

MAX

Você é um alcoólatra maldito. Não se conteve em ficar aqui sozinho sem seu álcool pra beber, né? As coisas que você trazia para eu comer não foram caçadas você trazia da cidade. (se dando conta) Então Braço Forte não deve ficar tão longe. Minha Érica pode está bem perto de mim. (com raiva) E eu poderia está bem perto dela se você não tivesse mentido.

 

BALTASAR

(suplicando) Chega Max tenha misericórdia! O queres comigo?

 

MAX

Você também é culpado do meu sofrimento.

 

BALTASAR

Não é verdade, eu sempre te ajudei.

 

MAX

Fiquei dez anos aqui, angustiado me sentindo largado por todos. Você assistiu toda a minha angustia e nunca me disse que sabia como eu chegar em Braço Forte.

 

BALTASAR

Eu fiz isso pra te proteger. Eu sempre me senti só aqui nessa caverna, você foi a minha única companhia. Não queria que você me largasse aqui.

 

MAX

Então você confessa que você não fez isso pra me proteger? Você fez isso porque não queria que eu o largasse aqui sozinho.

 

BALTASAR

O mundo lá fora não vai te acolher do jeito que eu te acolhi, Max. Pode ter a certeza disso. Você sempre será visto como um monstro. Agora olhe pra mim. Estou maltrapilho e judiado assim como você. Estamos no mesmo barco, sofrendo a mesma sina. Porque me maltrata? Que mal eu lhe fiz Max? Eu sempre te ajudei? Você estava entre a vida e a morte eu é que te salvei. Agora você simplesmente me tortura?

 

 

  Seu Baltasar insistia arrancar do coração desse monstro algum gesto de generosidade, e parecia que ele conseguia. Ele estava certo, no momento em que eu mais precisei foi ele quem me ajudou. Eu não poderia deixá-lo daquele jeito.

 

 

MAX

O que eu faço, como posso te ajudar?

 

BALTASAR

Me solte!

 

 

Olhei fixo em seus olhos e vi o ódio que emergia.

 

 

MAX

Não senhor, não serei otário a esse ponto. Os seus olhos fervem de ódio, na primeira oportunidade tentará me passar a perna. Diga-me quais os procedimentos de primeiro socorros e eu lhe ajudarei.

 

 

  Seu Baltasar começou então a ditar os principais procedimentos que eu deveria fazer. E eu comecei a fazer tudo o que ele me pedia. Seguindo a sua ordem fui até a floresta peguei ervas, amassei, fiz uma pasta com tudo. Cortei o vestido que a moça usava em tiras e fiz faixas. Cautelosamente tirei a faca e amarrei a faixa juntamente com a pasta de ervas que havia feito na perna de Seu Baltasar.

 

 

MAX

(terminando de amarrar a faixa) Pronto não lhe devo mais nada.

 

BALTASAR

Obrigado Max. Agora me solte, não pode me deixar aqui.

 

 

Baltasar deu uma olhada para o punhal que foi deixado ao seu lado. Reparei as suas intenções.

 

 

MAX

O seu olhar parece uma fornalha. As suas pupilas parecem saltar para fora. Está sorrateiro meu senhor, é visível as suas intenções. É a sua vida que está em jogo, na primeira brecha que eu te dê, você me atacará.

 

BALTASAR

Se engana Max, eu sou seu amigo. Se você me soltar eu posso te levar até a cidade, eu sei bem o caminho. Chegaremos lá rapidinho e você finalmente encontrará a sua amada. Me solta Max! Eu te ajudei, fui eu que te salvei. Não se esqueça disso.

 

 

Aproximei-me mais um pouco dele, me abaixei e peguei a faca. O velho me olhava com a cara assustada.

 

 

BALTASAR

(instruindo) Isso, agora corta as tiras.

 

MAX

(passando delicadamente a mão pela a lâmina do punhal) Sabe seu Baltasar, pensando bem eu prefiro o senhor calado.

 

BALTASAR

(assustado) O que vai fazer! Pelo o amor de Deus não me machuque mais!  

 

 

  Dei meia volta me aproximei dele segurando a faca nas mãos. Seu Baltasar gemia, implorava para eu não fazer nada, desta vez não tive piedade. Com um sorriso maléfico, apertei o seu pescoço e puxei a sua língua pra fora, ele tentava se soltar das minhas mãos, mas amarrado era impossível, com a outra mão segurando a faca arranquei a sua língua, calando a sua boca para sempre. O homem encolheu a cabeça em meio as pernas, o sangue respingava no chão. Levantei com o punhal na mão e fui saindo da caverna largando o homem lá juntamente com o cadáver da moça que eu havia matado.


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Notas finais do capítulo

E agora? Depois de saber que a cidade não está tão distante o que Max fará? O jeito é continuar acompanhando, e claro não deixa de comentar.



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