Give Me Love escrita por Izabell Hiddlesworth


Capítulo 6
Capítulo V - Folhas Ao Vento


Notas iniciais do capítulo

Olá! Feliz Páscoa!! *O*

Notas do cap.:
Capa - Imagem de Shriya, editada por mim.
Músicas citadas - "Highway To Hell", AC/DC. "Folhas Ao Vento", Lanna Rodrigues.

Enjoy it.~



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"Hoje eu só quero atravessar um mundo longe, algum lugar. Poucas lembranças pra levar onde eu só possa ter a mim. Onde a saudade tenha fim."

Folhas Ao Vento, Lanna Rodrigues

Vivendo fácil, vivendo livre

Um bilhete para a temporada, numa viagem só de ida

Sem pedir nada, me deixe em paz

Pegando tudo em meu caminho

Não preciso de razão, não preciso de rima

Não tem nada que eu prefira fazer

Logan encarava o psicólogo com um olhar questionativo e um tanto surpreso. A sobrancelha direita estava levemente arqueada, como se esperasse uma explicação para relaxar. Fato era que a música tocando no home-theater o agradava, tanto que seu pé batia junto com a marcação da bateria e os dedos sobre o braço do divã fingiam dedilhar as cordas de uma guitarra invisível.

Mas a questão era: por que raios, numa sessão de psicologia, estava tocando "Highway To Hell"? Seu psicólogo, doutor Hosoe, parecia estar curtindo a música e, quem sabe, fazendo seu próprio show em sua mente.

– Err, doutor? - Logan o interrompeu, antes que ele pegasse sua guitarra invisível.

– Ah, é - o profissional desligou o sistema de som com o controle e se ajeitou na poltrona. Casualmente, limpou a garganta e apanhou seu bloco de notas e a tradicional caneta de ponta dourada. - Temos de conversar, não é?

– Hum, é - Logan o fitou com uma expressão que sugeria estranhamento. - Então você curte, AC/DC? Maneiro.

– "Você", não, meu jovem - Hosoe procurou uma folha limpa em seu bloco. - Não sou nenhum coleguinha seu. Sou seu psicólogo, trate-me como "senhor".

O rapaz sorriu de canto, emitindo um "Ai" mentalmente pelo modo como Hosoe lhe corrigiu.

– E sim, curto AC/DC. Mas não estamos aqui para tratar de meus gostos pessoais, mas de seus problemas.

– Ultimamente, só tenho falado dos meus problemas para todo mundo - Logan respirou fundo. - Me sinto como um peso para todos.

Nossos pais pagam um psicólogo para ouvir suas lamúrias, não me obrigue a ouvi-las também. Como um soco no estômago, o castanho se recordou das palavras do irmão naquela manhã.

– Sabe o porquê de estarmos nos vendo mais uma vez nessa semana?

– Porque sua secretária ligou para minha casa ontem e depois da escola eu vim para cá - o rapaz respondeu.

– Também - Hosoe levou em consideração com leve aceno de cabeça. - Mas, principalmente, porque você não foi muito educado ao deixar a clínica na última vez. Isso foi o calibre para que eu recomendasse duas sessões semanais aos seus pais. E eles acataram.

– Ótimo - Logan murmurou com desdém, revirando os olhos.

– Toda ação tem uma consequência, meu caro - Hosoe sorriu como se estivesse dando um xeque mate com uma estratégia avassaladora. - Como está se sentindo hoje, Logan?

O rapaz recostou a cabeça na parede e deixou que ela tombasse de lado, podendo fitar o psicólogo.

– Como diz a música, eu estou na estrada para o inferno - Logan sorriu malévolo.

Hosoe suspirou pesadamente, retirando o óculos para sustentar diretamente o olhar do paciente. Logan estava vazio. Era como se sua alma tivesse ausentado-se para não deteriorar com seu psicológico. O jovem carregava um cemitério no lugar do coração, e tudo o que ele pensava o levava para a cova carregando uma cruz de culpa.

– Você mesmo está se obrigando a ir para lá, sabe disso - o doutor usava um tom de seriedade harmonioso com o pesar da situação. - Por que não reage, meu jovem? Por que você mesmo não se perdoa? É difícil seguir em frente quando você mesmo se recusa a receber a absolvição de seus pecados. E perceba que o pecado ao qual você está preso nem mesmo foi cometido por você.

– Foi sim. Indiretamente, fui eu quem matou minha melhor amiga - Logan baixou o tronco sobre o colo e apoiou os antebraços nos joelhos. - Que tipo de amigo é esse que permite a morte de uma pessoa amada? Já estou fadado a encontrar o diabo de qualquer jeito, estou bem me conformando com isso. Seria hipocrisia da minha parte acreditar que ainda posso receber a "vida eterna".

O termo foi acentuado com aspas gesticuladas pelos dedos de Logan. Ele não ligava para qualquer tipo de cura que podiam por acaso lhe oferecer. De certa forma, queria exibir as chagas de seu erro, tanto quanto os pesadelos queriam o visitar à noite.

A sessão estava se tornando tensa até mesmo para Hosoe. Ele já tinha visto inúmeros garotos da idade de Logan com problemas que realmente precisavam ser tratados, mas o que o castanho tinha de errado para estar ali?

Logan estava criando problemas para si mesmo que só existiam em sua cabeça. Aquilo se resolveria com um pouco de percepção própria do quão tolo ele estava sendo. Mas um dos principais motivos pelo qual o adolescente fora adicionado à lista de pacientes do doutor Hosoe, era a necessidade que seus pais sentiam em pensar que estavam fazendo alguma coisa efetiva em prol do filho.

– Tudo não passa de um jogo psicológico - o profissional voltou a colocar seu óculos.

– Hã? - Logan endireitou-se no divã.

– Nada. Nada que você vá entender agora, meu jovem - Hosoe meneou a cabeça negativamente. - Pode ir. Aproveite e passe no cemitério para pedir mais um terço de desculpas à sua amiga. Diga que eu mandei um "olá".

A música voltou a tocar na sala, dessa vez mais alta ainda. Aquele era o truque, o remédio para Hosoe retardar seus próprios problemas para cuidar dos de seus pacientes.

Estou na estrada para o inferno

Na estrada para o inferno

Yhasmin jogou a aljava sobre a mesa no centro do quarto, o arco escorregou para o chão. Darius materializou-se sobre o baú de estanho em frente à cama. A caloura encarou seu guardião, arqueando uma sobrancelha e virando-se para caminhar até o guarda-roupa.

– Então, eu preciso tomar um banho e me trocar, sabia? - Ela passou os dedos sobre as camisetas dobradas dentro da gaveta.

– Há um banheiro no quarto - Darius deu de ombros.

– Não foi isso que-

– O que achou da missão?

– Fácil.

A cupido esticou a mão para o lado, tomando o pergaminho com os nomes de seus alvos. Darius puxou o objeto para si, abrindo-o brevemente para conferir os vistos.

– Reponha seu estoque de flechas na aljava, alimente-se e descanse um pouco - o ruivo se pôs de pé. - Você sairá novamente esta noite.

Subitamente, Yhasmin parou de remexer seu guarda-roupa - ainda limitado. Como se não acreditasse no que acabara de ouvir, voltou-se lentamente ao ruivo. Seus braços se cruzaram sobre o peito, enquanto os lábios se separavam com suavidade, soltando um ar indignado.

– Como é que é?

Darius caminhou tranquilamente até a porta, jogando o pergaminho na direção da caloura por cima de seu ombro.

– Você não é surda - ele retrucou, sorrindo de canto ao ter a deliciosa certeza de que Yhasmin estava cerrando os punhos atrás de si. - Ah, e apresse-se, já está escurecendo.

Assim que a porta fechou-se num baque provocativo, a garota rosnou alto, exasperando os braços para o alto. Apanhou uma muda de roupas e marchou para o banheiro com passos pesados.

– Esse cara é inacreditável! - Acusou um tanto alto, socando a parede de azulejos coloridos de seu box.

Mal sabia ela que suas surpresas estavam apenas para começar.

Dessa vez ele tinha se precavido para visitar Yhasmin - ele detestava dizer "o túmulo dela". Levara um guarda-chuva, uma garrafa de água, um livro e estava bem agasalhado. Além do que, tinha ido cedo.

As árvores altas, de folhagem alaranjada, lhe faziam agradável sombra. Ousava imaginar que elas prestavam até mesmo alguma companhia, uma vaga e muda companhia. Mas era melhor ali do que em sua casa, com os pais sempre preocupados e o irmão fazendo pressão para que ele reagisse; era melhor ali do que em sua casa, cheia de remédios na cristaleira da cozinha, só esperando que sua mãe cedesse ao desespero e lhe dopasse com os intermináveis comprimidos coloridos - uma tentativa de parecer um pouco menos doloroso.

Era perfeitamente aceitável o fato de que todas as pessoas que passavam pela pequena rua de paralelepípedos o encarassem. Ora, não era todo dia que se via um adolescente recostado a uma lápide com um livro em mãos, virando as páginas com extrema tranquilidade. Só o título do livro já era de se chamar a atenção em um cemitério, A Companhia Negra.

Uma brisa preguiçosa soprou naquele solo santo. Logan ergueu a cabeça para senti-la com mais vivacidade. Então, como se o destino estivesse determinado a lhe sacanear por todo o resto de sua vida, uma folha de papel colou-se ao seu rosto - como um tapa.

– Ah, tá de brincadeira - Logan pigarreou, soltando o livro em seu colo e arrancando a folha de seu rosto. - As pessoas não sabem jogar lixo no lugar certo?

O rapaz amassou a folha entre as mãos, virando o tronco parcialmente, procurando por um cesto de lixo aonde arremessá-la.

– Não! - A bolinha de papel entrou certeira no cesto verde na esquina da quadra de túmulos.

Alguém caiu em cima dele, como se tivesse se jogado. A cabeça de Logan bateu contra a beirada do túmulo com aquele impacto de supetão. Milhares de nomes impróprios passaram velozmente por sua língua, mas ele censurou-se a abrir a boca.

– Não! Por que você fez isso, cara?! - Socos leves, porém doloridos, eram desferidos contra seu peito.

Sem ter muita noção do que estava acontecendo, Logan segurou aqueles pulsos finos com firmeza.

– Qual é a sua?! - ele aumentou um pouco o tom de voz, tentando se fazer ouvir sobre os gritos nervosos.

No instante em que a voz interlocutora calou-se, ele conseguiu respirar fundo e encarar a criatura sobre seu colo. Uma garota de baixa estatura, de olhos e cabelos escuros, o encarava com o cenho franzido de irritação.

– O que pensa que está fazendo? Não pode sair se jogando em cima das pessoas, mocinha - Logan devolveu o olhar tenso.

– E você não pode sair amassando os papéis alheios, idiota - a garota desviou-lhe o rosto com um bufo, recolhendo os braços cruzados ao peito.

Logan contou até dez mentalmente, inspirando e expirando repetidas vezes para manter-se sob controle. Sem muita gentileza, empurrou a menina de de seu colo para o chão. Seu livrou foi colocado sobre o túmulo, e ele andou até o cesto de lixo para apanhar de volta a bolinha de papel - que para si era de total e completa insignificância.

– Aqui - jogou-a para a dona.

A garota atrapalhou-se um pouco para agarrar a bolinha no ar, quase caindo junto com o objeto. Logan voltou para seu lugar, apanhando seu livro para continuar a leitura.

– Viu só? Bastava ter me pedido para pegar de volta - ele não se dignou a encará-la. - Seu chilique foi desnecessário, pirralha.

– Pirralha?! - Uma veia saltou na fronte da garota. - Eu tenho catorze, quase quinze anos! E você não deve ter mais do que dezoito.

– Dezesseis - Logan virou a página. - E, se não se importa, eu estou tentando ler. Na verdade, mesmo que se importe, cai fora. Volte para os seus pais, sei lá.

Ela levantou-se, batendo a sujeira de suas roupas.

– Eu vim para cá sozinha - ela murmurou cabisbaixa, desamassando sua folha na medida do possível.

– Não é problema meu - o rapaz deu de ombros, suspirando pesadamente.

Ele atentou-se aos passos dela se distanciando pelas trilhas de cascalhos que serpenteavam pela quadra de túmulos. Só queria um pouco de paz, um pouco mais daquele silêncio singular do cemitério.

O sino do cemitério badalava pontualmente às 17h50min, ainda que seu som só fosse audível em dias sem chuva forte. Logan fechou o livro com toda a calma, juntando seus pertences para fazer uma oração aos pés do túmulo de Yhasmin antes de ir. O céu estava escurecendo rápido, ameaçando a garoar. Ele deixou o guarda-chuva na mão.

Enquanto caminhava para a saída, observava as pessoas recolhendo seus instrumentos de jardinagem e panos de limpeza, despedindo-se das fotos de seus familiares nas lápides. No entanto, o que mais lhe chamou a atenção, foi a silhueta debruçada sobre o tampo de um túmulo de mármore branco. Era a garota que o atacara mais cedo.

Soluços doloridos vinham dela. Devia ter chorado mais do que suportava, convencendo a si mesma de que não tinha sido o suficiente. Ele parou um pouco depois de ter passado por ela, olhando a sua volta em busca de alguém que pudesse ajudá-la. Mas as "pessoas grandes" estavam em quadras longes daquela, ou já alcançando os portões.

Ele suspirou.

– Ei, vão fechar o cemitério - ele chegou ao seu lado, com as mãos no bolso do moletom.

Não obteve resposta alguma, além dos soluços. Outro suspiro, Logan agachou-se. Aventurou-se a pousar uma mão caridosa no ombro da garota, afagando-o.

– Moça, daqui a pouco vai escurecer. Você precisa voltar pra casa, não é?

– Mas ele não vai estar lá - com voz chorosa, ela praticamente gritou.

– Ele quem? - Ia levar um pouco mais de tempo que Logan planejara, então ele se sentou no rodapé do túmulo.

Não fazia ideia de que ímpeto de bondade foi aquele, mas ele o acatou com carinho. Com cautela, ele aninhou a pequena garota em seu braços, puxando-a gentilmente para seu colo.

– Henry - os soluços foram se tornando mais baixos.

– Seu irmão? - Ele pendeu a cabeça para trás, fitando as inscrições na lápide. Henry tinha morrido há apenas um mês, sendo oito anos mais velho do que a garota que chorava por ele.

A resposta foi positiva, enquanto ela enxugava as lágrimas. Logan a ajudou nisso, murmurando um "Já passou" com um sorriso gentil nos lábios.

– Como se chama?

– Coralia.

– Coralia... É um nome bonito - Logan percebeu as nuvens ficando cada vez mais espessas. - Temos de ir agora.

Coralia soltou-se de Logan e levantou-se, secando suas lágrimas com as mangas do suéter. O rapaz imitou seu movimento, abraçando-a pelo ombro.

– A propósito, eu sou o Logan. E vou te levar para casa hoje.

Era loucura, certo? Loucura deixar que um estranho lhe acalmasse o espírito e depois simplesmente te levasse para casa. As desculpas de Logan foram as mais óbvias e esperadas, coisas como "Está escurecendo", "Você não pode voltar sozinha para casa a uma hora dessas". Mas, tecnicamente, Logan era o indivíduo com mais chances de apresentar alguma forma de perigo para ela naquele momento. Porém, as folhas secas ao vento diziam que Coralia podia se ater àquele estranho.

Os dois tomaram o rumo da saída de mãos dadas - porque era tudo que Coralia precisava para cessar o choro. E digamos que Logan também necessitava de algum apoio para não romper em lágrimas.

Eles não sabiam nada um do outro, e aquilo não importava na bolha de saudades compartilhadas. Não importava porque Logan sentia a urgência de se fazer forte para servir de segurança à garota, sentia a urgência de impedir que ela sofresse como ele sofrera quatro meses atrás - ainda mais pelo fato de ela ser mais nova.

– Sabe, Coralia, em algum lugar lá em cima - ele apontou para as nuvens cinzentas e pesarosas -, seu irmão está sorrindo para você.


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