Um Anjo (quase) Caído escrita por Gaby Molina


Capítulo 18
Capítulo 18 - Romeu do Reformatório


Notas iniciais do capítulo

Ninguém acertou, HAHA
Os comentários ficaram bem divididos entre Team Serena e Team Heath, foi demais *-----* Vocês são muito incríveis, na moral.



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Heath

Serena passou, exatamente, um mês, três semanas, dois dias, quinze horas e vinte e três minutos sem falar comigo. Mas, ei, quem está contando?

Ela não voltava mais comigo e Damien. Damien pegara raiva da garota, e não se sentia mais nem um pouco a fim de me fazer favores.

Então voltei à mesma situação do começo, seguindo-a de longe da casa até a escola e vice-versa e impedindo que morresse.

Depois de algumas semanas, pedi a Audrey que por favor por favor por favor desse carona a Serena, coisa que ela acabou fazendo.

Eu a observava mesmo assim, mas pelo menos era mais seguro.

Até que, depois de um mês, três semanas, dois dias e sete horas, fui chamado à diretoria.

A diretora discursou sobre como eu estava quase estourando em faltas e sei lá mais o quê, e achou que seria "proveitoso" que eu "canalizasse minha energia" em algo "produtivo".

Então ela me inscreveu no musical da escola.

E eu tive que ficar até mais tarde na sexta-feira. A diretora disse para eu ir ao auditório e falar com a diretora, roteirista ou sei lá o que do tal musical de inverno.

Eu estava sentado em uma das poltronas com os outros que iam fazer teste quando uma voz aguda e conhecida soou no microfone:

Bom dia, seus merdas. Mesmo que metade de vocês só esteja aqui porque a diretora mandou — é, eu sei, e inclusive me incluo nesse grupo —, vamos fazer desse o melhor e menos clichê musical já feito na Nottingham High. Bem, pelo menos na medida do quanto musicais podem ser bons e não-clichês.

A primeira frase já tirara todas as dúvidas que eu nem tinha.

Serena estava lendo a lista de presença... Até que chegou ao meu nome.

Sandy, Sears, Seeler... Seeler. — ela fez uma pausa. — Sidney, Stewart... Certo, vão se preparando, eu volto em cinco minutos.

É relevante dizer que ela não voltou em cinco minutos. Ou em dez. Ou em vinte.

A maldita simplesmente deu no pé.

Corri atrás dela. De novo. Pelo menos não estava chovendo.

Saí da escola e icei voo, encontrando-a depois de dez minutos. Desci para segui-la por terra, mas tropecei e ela me notou.

— Você é um perseguidor problemático, sabia disso?! — disparou ela, bufando.

— Se eu sou um perseguidor problemático, você é uma vadia ingrata. O que acha disso?!

A resposta dela foi um tapa na minha cara. Ou uma tentativa, porque eu segurei a mão dela no ar um segundo antes, mas o olhar dela foi tão mortífero que por um momento me arrependi de não ter deixado que ela acertasse.

— Não acredito que teve a coragem de falar comigo assim — disse ela, ríspida.

Soltei a mão dela bruscamente.

— Eu?! Claro, porque eu quebrei o coração da inocente e perfeitinha Serena Argent, não foi? — zombei. — Não é como se eu tivesse me declarado para você e você tivesse simplesmente me mandado ir para o Inferno, claro que não. Mas foda-se, porque eu não tenho sentimentos. Porque os meus problemas não importam.

— É exatamente o oposto. os seus problemas importam, Seeler. Que bom que Damien está te dando gelo por isso também.

— Na verdade, ele ainda culpa você.

— Ótimo! Então as duas mocinhas podem se juntar e fazer um clube de Eu Culpo A Loira Maldita Por Tudo, por que não, né?

— Tá, que seja. Acredite ou não, eu não vim aqui discutir com você.

Os olhos azuis dela semicerraram-se.

— Então por que veio aqui?

— Vim aqui porque, mesmo que eu realmente não queira, ainda sou o mané do seu anjo da guarda.

Ela revirou os olhos e voltou a andar. Demorei alguns segundos para pensar em uma ameaça.

— Que merda, Argent! Se não me ajudar aqui, vou dar um jeito de me mudar para a sua casa! Vou supervisionar você vinte e quatro horas por dia!

Ela parou por um minuto, como se considerasse. Depois me encarou e, com um sorriso presunçoso nos lábios, disse:

— É mesmo? Vá em frente. Traga-me seu inferno, Anjinho.

Serena

Heath não disse nada depois de meu desafio, o que me deixou sem saber como agir. Então apenas fui para casa. Ele não me seguiu de imediato, mas eu apostaria meu rim que estava me seguindo do céu.

Foi um fim de semana tranquilo, depois que especifiquei com a Patricia que coisas muito ruins aconteceriam se ela não parasse de fazer perguntas sobre Heath.

Felizmente, ela ia viajar na quinta-feira seguinte, então eu não teria muito com o que me preocupar por dois meses.

Suspirei. Segunda-feira chegou rápido. Eu estava mexendo em meu armário quando senti uma respiração próxima de meu pescoço.

Eu estava pensando em alguma piada sobre bafo quando me dei conta de que não era o perfume do Seeler.

Mas era bom. Era praticamente delicioso.

Chad Campbell me fitava intensamente com seus olhos verdes quando eu me virei.

— Bom dia — ele abriu um sorriso de canto.

Derrubei dois ou três livros.

— O-oi... — xinguei a mim mesma e estava me abaixando para pegá-los quando ele o fez por mim.

Chad usava uma blusa despojada, jeans rasgados e algum tipo de bota militar. Seus cabelos estavam despenteados. Se qualquer outra pessoa estivesse usando aquelas roupas, provavelmente seria confundido com um sem-teto de viaduto.

Mas Chad parecia prestes a posar para a Calvin Klein. E sabia disso. E eu sabia disso. E ele sabia que eu sabia disso.

E eu não queria que ele soubesse que eu sabia disso.

E, merda, o que eu estava dizendo?

— Tudo bem aí? — ele ergueu uma sobrancelha.

— O que... O que você está fazendo aqui? — sussurrei, por mais que não soubesse por que estava sussurrando.

Ele achou graça e se aproximou de mim para sussurrar também:

— Me matriculei aqui.

— Foi expulso da Northern, não foi? — franzi o cenho, convicta.

Ele sorriu.

— Talvez eu tenha expulsado a mim mesmo.

Soltei um riso involuntário.

— Sei.

— É verdade. Odiava aqueles malditos uniformes de escola particular — ele me analisou de cima a baixo e, parecendo pressentir que eu ia abrir a boca para xingá-lo, falou mais rápido do que eu: — Bela saia.

O comentário fez com que eu sentisse que minha saia era três vezes menor do que realmente era. Eu normalmente não ligaria. Além do mais, o puto do Heath ficava olhando para as minhas pernas o tempo todo.

Mas Heath... era Heath.

O fato de Chad respirar perto de mim já me deixava desconfortável.

— Olha só! — ele fingiu estar surpreso, checando o próprio horário. — Tenho três aulas com o seu namorado.

— Seeler não é meu namorado — falei, antes que pudesse me perguntar por que diabos contara isso a Chad Campbell.

— É mesmo? Ótimas notícias, não acha? — ele passou a língua entre os dentes, revelando seu pequeno piecing na língua, e caminhou até a aula de Inglês.

Heath apareceu logo depois e me fitou por um minuto, estudando minha expressão de quem acabara de ver um fantasma.

— Entre na sala — falei, suspirando. — Tudo vai ficar claro.

Heath

Serena falando comigo já era preocupante. Agora, Serena falando comigo com aquela cara de quem acabara de ver o demônio, com a voz baixa e me dizendo para ir logo para minha primeira aula foi plenamente assustador.

Abri a porta da sala.

Não o vi de imediato, na verdade. Ele estava no fundo da sala, tirando uma sujeira de debaixo da unha.

Com um canivete.

A única reputação que eu tinha na escola era a de delinquente extremamente atraente, mas Chad fazia com que eu me sentisse uma Barbie Moda e Magia.

Por que eu não pensara em um canivete?

Resposta: porque Serena acabaria roubando e me matando com ele.

Certo, eu não conseguia mais passar cinco minutos sem falar o nome dela?!

Merda.

De má vontade, sentei-me ao lado do cara cujo anuário provavelmente dizia que ele ganhara a eleição de Mais Provável A Tornar-se Um Presidiário.

Se eu já não gostava de Chad, passei a odiá-lo bem mais quando descobri que ele era ótimo em Literatura.

Não o ótimo do tipo que leu os mais vendidos do The New York Times. Ótimo do tipo Argent, que poderia citar todas as obras de Dickinson em ordem alfabética ou de lançamento.

E lá estava o nome dela de novo.

Eu, por outro lado, descobrira a existência de Dickinson há três meses, e nunca lera um livro sequer dela. Já me sentia orgulhoso por conseguir citar The Soul Selects Its Own Society.

— Alguém pode sugerir um soneto de Shakespeare para analisarmos? — a professora, sra. Willson perguntou, esperançosa.

Chad parou de brincar com o canivete e ergueu a mão.

— Sim, sr. Campbell, o senhor pode ir ao banheiro — disse ela antes que ele pudesse falar alguma coisa.

— Na verdade... Eu queria sugerir um soneto.

— É mesmo? — ela arregalou os olhos, olhando em volta à procura de câmeras. — O que mais falta no meu dia? Seeler vai sugerir um soneto também?

— Não, obrigado — murmurei.

Chad soltou um riso leve e disse:

— O vigésimo quinto é certamente um de meus favoritos. Principalmente os versos finais, sobre o guerreiro.

A sra. Willson parecia prestes a chorar.

— Todos aqui têm algo a aprender com o sr. Campbell hoje, classe.

Chad riu e voltou a brincar com o canivete.

— Valeu, professora. É muita bondade sua.

Deitei a cabeça na mesa, apenas pensando em quando aquela maldita aula ia acabar.

Eventualmente, o sinal bateu e fui o primeiro a arrumar minhas coisas. Chad foi até a sra. Willson e eu ouvi trechos da conversa:

Eu também gostaria de sugerir Além do Céu Noturno, de Eric Todd Barker. A senhora já leu? É excelente.

— Ah, sim — ela suspirou. — A srta. Argent, uma aluna do segundo ano, enche minha paciência todas as aulas para que leiamos esse poema.

Chad riu.

Sem querer me queimar, mas fui eu quem mostrou esse poema a ela. Acabou que ela gostou dele tanto quanto eu.

Saí da sala. Não queria imaginar as conversas intelectuais e poéticas entre o Gato Preto e o Romeu do Reformatório.

Serena

Dentro da arquibancada. Não em cima. Não atrás. Dentro. Era um lugar bem bacana lá, até, para um esconderijo de última hora no intervalo.

Tinha espaço o suficiente para umas três pessoas, e eu podia me sentar num banco que havia levado para lá e trabalhar em músicas.

Ou em uma em especial.

Até que meu esconderijo deixou de ser tão secreto.

Eu voei até o teto cósmico / Eu dancei com o meu interior / Eu queimei como uma vela acesa... — disse aquela voz grave e rouca infelizmente conhecida.

Não era isso que eu queria. — finalizei a estrofe e fitei Chad, que se sentou ao meu lado sem permissão. — Por que está citando Barker?

Ele sorriu e eu enrubesci. Escondi com o cabelo.

— Aquela velha filha da mãe — resmunguei.

— Ela pareceu muito surpresa quando eu sugeri um soneto — contou. — Deve ter lido minha ficha.

— Ou apenas olhado para você — rebati.

Chad passou a língua entre os dentes. Era um hábito extremamente sedutor que me deixava extremamente desconfortável.

Eu podia até ser um pedaço de mau caminho.

Mas Chad Campbell era a International Drive dos maus caminhos, levando diretamente para a perdição.

E que perdição.

— Ficha escolar ou criminal? — provoquei.

— Ah, claro, srta. Aluna Exemplar — ele provocou de volta, aproveitando a oportunidade de focar os olhos verdes em mim.

— Quer comparar?

— Qual é, Argent. Garotas boazinhas são garotas más que nunca são pegas.

— Isso soa como uma música da Rihanna.

Ele riu.

— Afinal, o que está fazendo aqui?

Desviei o olhar.

— Me escondendo.

— De mim?

— Por quê? Tenho motivos para me esconder de você?

Chad deu de ombros.

— Você não precisa de motivos para fazer as coisas. É um dos motivos pelos quais você é fascinante.

Não core. Não core. Qual é, é de Chad que estamos falando.

—... Seeler concordaria comigo.

— Não ligo para o que Seeler acha — resmunguei. — Ou para o que você acha. Ou para o que qualquer um acha. Afinal, você e o mané são BFFs agora?

— Não, mas ele seria um belo idiota se não concordasse comigo em algo tão evidente.

— Vai ficar aqui, mesmo? Ou posso ficar sozinha em paz?

Ele se aproximou um pouco.

— É o que você quer? — sussurrou.

Sim, sim, sim, sim, sim, sim...

— Hã... Eu...

— Afinal, no que está trabalhando? — ele apontou para o caderno.

Merda.

— Alguma coisa.

— Essa alguma coisa tem nome?

Fiz que não com a cabeça, mas ele pegou o caderno de minhas mãos e começou a ler.

— Heading through space / Didn't get what I wanted / Tired of navigating / And having no idea of what I need... / Cause my head's stuck on every little detail / That should become a tale but I can't take the risk / Cause there's too much to lose...*

— Já chega — resmunguei, tomando o caderno de volta antes que ele chegasse ao refrão.

— Você melhorou bastante desde a última vez que li uma música sua — comentou ele. — E elas já eram boas naquela época.

— Eu tenho que ir. Uma última coisa: Heath disse algo sobre já conhecer você antes daquele dia no shopping.

Chad pensou por um minuto.

— Talvez de alguma festa? Sei lá — ele deu de ombros. — Conheço muita gente.

— Tá — soltei, já nem sabendo mais o que estava falando. — Eu... Hã... Tchau, Chad.

— Tchau, Argent — ele sorriu levemente.

Saí dali e sentei-me no chão de um corredor praticamente vazio, tentando manter minha respiração constante. Se era pela corrida ou simplesmente pelo pânico, eu não sabia.

Três horas. Esse era o tempo aproximado em que Chad Campbell estava na escola. E eu já estava fugindo em pânico.

* Indo em frente pelo espaço / Não consegui o que queria / Cansada de navegar / E de não fazer ideia do que preciso... / Porque minha cabeça está presa em cada pequeno detalhe / Que deveria se tornar um conto mas não posso arriscar / Pois há muito a perder...


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Notas finais do capítulo

* Indo em frente pelo espaço / Não consegui o que queria / Cansada de navegar / E de não fazer ideia do que preciso... / Porque minha cabeça está presa em cada pequeno detalhe / Que deveria se tornar um conto mas não posso arriscar / Pois há muito a perder...

E então? Qual o motivo da transferência de Chad? Alguém arrisca?