— E nós vamos ser amigos para sempre, né? — perguntou-me a loirinha desajeita fitando-me incansavelmente seus olhos azuis.

— Sim, claro que vamos, você vai ver. – respondi com um sorriso e ela retribuiu.

No calor dessa emoção, minha mãe bateu a porta e entrou.

— Com quem você ’tá’ conversando, David?

Minha mãe se chama Raquel, tem 36 anos, e é ela que sempre vem me visitar, apesar de ser um pouco chato sair do trabalho todo dia para isso.

— Com a minha melhor amiga. — respondi, apontando para a moreninha que acenou para minha mãe.

Ela sorriu e começou a acariciar meus cabelos.

— Ela é legal, filho? — sussurrou piscando um dos olhos.

— Sim, mãe, ela é muito legal.  — respondi e retribui piscando meu olho também.

Ela me deu um abraço e disse que já estava atrasada para o trabalho, como sempre faz todos os dias, mas foi barrada pelo médico que entrou na sala e falou que precisavam conversar. Eles estão se sentaram na pequena mesa que fica ao lado da minha cama. Eles sempre sussurram, mas eu sempre os ouço.

— Doutor, o David está novamente com as amigas imaginárias, tem algum problema?

Ele olhou seriamente para mim e respondeu:

— Vou aumentar a dose de medicações. Não é de hoje que isso acontece. Se o ritmo continuar, foi ter que coloc...

— Não, por favor. Prometo que estou checando uma boa enfermeira para ele ficar comigo em casa, mas, por favor, não o coloque numa clínica ou em outro hospital ele já se acostumou com esse ambiente e é muito novo... Não merece passar por isso... Sete anos... É pouca vivência. — falou mamãe, interrompendo-o.

— Tudo bem, mas faça isso o mais rápido possível. Os distúrbios estão aumentando, podemos notar de cara — respondeu assinando alguns papéis, na certa, os tais novos medicamentos.

— Claro. — afirmou mamãe, que se despediu de mim acenando.

Os dois saíram do quarto do hospital, e a loirinha começou a me fazer cócegas... E ela sabe que eu não aguento ficar parado.

Passamos semanas conversando sobre coisas que gostamos de fazer, mas nem em todo tempo pude fazer tudo o que queria ter feito com ela. Meu corpo está dolorido, e não consigo respirar direito.

Reclamações? Poucas e raras, o que me faz acreditar verdadeiramente na sua amizade Mas mesmo assim, não quero deixá-la brincar praticamente sozinha. A partir de agora, farei tudo o que fazia há alguns dias atrás. Naquela sala de hospital, havia lugar para todos os nossos sonhos.

Nos dias de semana, dirigimos de carro na maior avenida do país e viajamos para o Japão num avião de última tecnologia, comendo hambúrgueres e batata frita, ao som de música clássica e um teatro, onde piratas morriam de fome num navio.

Nos finais de semana, brincamos com tubarões que dançavam ao entardecer, num grande estádio beira-mar, onde se vendia camisas de madeira por um preço razoável.

Nos nossos próprios dias, que chamamos de dias extras, éramos do século passado e brincávamos com hologramas que falavam e forneciam maçãs a todo instante.

Foi em um desses dias que brincamos de pular o mais alto possível nas profundezas do mar que dava adubo para plantações de milhos subaquáticos, que tinham raízes no navio do Titanic.

Em meio de tantas brincadeiras, certo dia deitei-me na cama, brincando de quem ficava mais tempo sem fazer nada. Meus olhos fecharam-se e eu parei a respiração.

Ela ganhou, pois agora estou num lugar onde não consigo ver nada mais, a não ser o mesmo branco, e perguntei para um ou dois anjos onde eu estava, e eles me responderam que estava no céu. Pena, pois não perguntei o nome da linda menininha que me proporcionou as últimas alegrias da vida.