Os nervos de Judith estavam à flor da pele. Duas de suas cinco filhas haviam desaparecido. A mulher já estava sendo vítima de boatos maldosos da vizinhança do pequeno bairro onde vivia. Diziam eles que a mãe havia vendido as filhas para alguém, ou que elas haviam sido negociadas por causa de dívidas familiares. Rumores cruéis e mentirosos.

  Todas na família estavam em pânico. Judith pensava em mudar-se, mas não tinha dinheiro para tal. Não havia nenhum parente para auxiliar, apenas a mãe e suas meninas indefesas, que poderiam ser as próximas a receberem um destino cruel.

  Duas garotinhas desaparecidas, em apenas duas semanas. A polícia chegou a desconfiar da mãe, mas concluíram pelo seu choque que ela não seria capaz disso.

  Sobraram apenas três patinhos, Marceline, Alice e a mais nova, Maggie. Seriam elas as próximas?

***

  Marceline, com apenas sete anos, estava brincando com a sua boneca preferida, Emilia, nomeada em homenagem à irmã a quem admirava muito. Ela penteava os longos cabelos negros do brinquedo de pano sentada perto da porta do quarto das garotas. Estava sozinha, as outras estavam com a mãe na cozinha. Outra pessoa teria medo de ficar isolada depois de tudo o que aconteceu, mas não Marceline. Era a mais corajosa de todas. Não tinha medo de nada, era a menos feminina e mais ativa.

  Quando estava prendendo uma fita vermelha no cabelo da boneca, ouviu algo vindo do baú de brinquedos do quarto. Era uma música infantil que falava sobre patinhos, sobre três patinhos e sua mamãe pata. Viu que vinha de um palhaço.

  Achou que era algum brinquedo idiota de Maggie, e resolveu pregar uma peça na irmã, escondendo o boneco num lugar aonde ninguém nunca vai. Mas onde?

  No sótão, é claro! A idéia parecia muito boa. Seria engraçado ver a menor chorar e espernear por falta do boneco. E ele era estranho, era melhor ele ficar lá. Aliás, ele era completamente perturbador. A música encaixava-se perfeitamente na situação atual da família, muito assustador. Será que ela estava... Com medo?

  Sim, estava com muito medo. E resolveu levantar-se rapidamente numa onda de adrenalina e ir correndo até o sótão, jogar o brinquedo lá e nunca mais deixá-lo sair. Ele lhe dava calafrios.

  Muito nervosa, acabou derrubando-o no final do percurso, e ele se abriu. Dentro havia uma desagradável surpresa: Uma pequena faca. Marceline empalideceu. Pegou o boneco e a faca, entrou no cômodo em silêncio e com o objeto cortante machucou seus pulsos e sua garganta. Chorando, caiu ao chão. E a canção termina.