Tempestade de Primavera escrita por Val-sensei, André Tornado


Capítulo 3
Acalmia aparente.




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Trunks ficara intrigado com os acontecimentos daquela tarde de sábado e mal se conseguia concentrar no jogo eletrónico. Teclava os botões do comando da consola de forma automática, sem ver realmente o que se passava no ecrã, em que os inimigos se enxameavam em redor do herói da contenda, mal se desviando dos golpes traiçoeiros, não recolhendo qualquer peça indispensável para aumentar a pontuação, não cumprindo o objetivo primordial do desafio, superar as sucessivas plataformas apresentadas.

E quando ficava intrigado, para além de perder a concentração, sentia uma grande necessidade de desabafar e de contar a alguém o que se estava a passar. Por isso, largou o comando da consola e o herói virtual à sua sorte, puxou pelo fio do telefone que gostava de enfiar debaixo da cama, deitado sobre o colchão, cabeça pendurada, os cabelos a formar uma cortina lilás.

Agarrou no auscultador e marcou o número. Mordeu o lábio inferior, nervoso. Foi Chichi que atendeu. Ele pediu para falar com o amigo e ouviu o grito descabido dela a chamar pelo filho, seguido de:

– Ele já aí vem, Trunks-kun.

Quando Goten apareceu no outro lado da linha, disse-lhe:

Komba-wa, Trunks-kun… Eu ia dormir agora…

– Sabes? Tenho uma irmã! – disparou alegre, rodando o corpo de molde a ficar deitado com as costas sobre o colchão.

– Uma irmã?! Como foi que isso aconteceu?

– Vieram deixá-la à porta da minha casa.

Do outro lado, percebeu a pausa como um franzir de testa.

– Oh… Só eu não tenho surpresas dessas. Uma vez deixaram um bebê à porta da minha casa também.

Honto?

Hai. Mas era um bebé dinossauro, dentro de um ovo. O nii-chan teve de o devolver ao ninho, a ‘kaasan obrigou-o a fazer isso.

– Pois… Goten-kun, acho que a minha mãe também quer devolver a minha irmã, só que não sabe de que ninho veio ela.

– Vai devolver a tua irmã? Não gosta dela?

– Pelos vistos… não. Quem está a cuidar da minha irmã é a minha avó e o meu avô.

– Oh!...

– E isso deixa-me muito preocupado.

– Porquê, Trunks-kun?

– Quando eu fizer uma grande asneira… eles vão devolver-me também.

Goten deu um grito no outro lado da linha, a indicar que ficara chocado.

Honto, Trunks-kun?

Hai. E se tu não te portares bem, vais ver… Acontece-te o mesmo!

– Não pode ser! E para que ninho vou eu, se sair desta casa?

– Sei lá… E eu, que não tenho ninhos por perto?

– E de que ninho saiu essa tua irmã, se não existem ninhos por perto?

– De algum ninho deve ter saído… Olha, se calhar… Vou precisar da tua ajuda.

– Que tipo de ajuda, Trunks-kun?

– Quando as coisas ficarem feias… Mas mesmo muito, muito feias, o que quer dizer quando o meu pai e a minha mãe começarem aos gritos um com o outro, eu vou ter de salvar a minha irmã.

– Ah!... Eu ajudo-te, Trunks-kun.

Arigato, Goten-kun.

– Mas…

– O que foi?

– Mas se ajudares a tua irmã… pode ser uma asneira daquelas muito grandes. Não pode?

Hai. Já estou a pensar nessa possibilidade – e enrolou a língua a dizer aquela palavra tão complicada.

– E também vais ser devolvido?

– É o mais provável.

– Podes ficar na minha casa, Trunks-kun.

– Mas se tu vais ajudar-me, também vais fazer uma asneira muito grande e também vais ser devolvido.

– Ah… Honto? Mas… Acho que a minha mãe não me vai querer devolver, mesmo que eu faça a maior asneira do mundo.

– Porque é que dizes isso, Goten-kun?

– Porque o meu pai não está aqui comigo e com o nii-chan. E ela diz que eu sou como o meu pai e gosta muito de mim, pois eu faço-lhe lembrar o meu pai.

– Quando fizeres a asneira muito grande, ela vai esquecer-se do que disse. E manda vir outro igualzinho a ti.

– Ahn?

Mesmo sem o ver, Trunks sabia que o amigo estava a piscar os olhos muito depressa.

– É assim que funciona, Goten-kun – explicou com um toque de sabedoria na vozita pueril. – Mandamos vir os meninos e as meninas que queremos.

– Ahn? Então… E a tua irmã? Quem é que a mandou vir?

Uma falha no seu raciocínio, nada que o incomodasse. Trunks encolheu os ombros.

– Não sei. Mas ela está aqui.

– Como é que se chama?

Trunks percebeu que havia essa falha. Coçou a cabeça com um dedo.

– Ah… Não sei.

– Ela ainda não tem nome?

– Não, Goten-kun.

– Podemos dar-lhe um nome?

– Acho que sim…

– Então, como é que a vais chamar?

Após uns segundos de congeminação, Trunks exclamou:

– Panty!

Goten bateu palmas do outro lado do telefone.

– Gosto, gosto!

Hai.

E de seguida despachou o amigo, pois tinha de contar a novidade à avó – que arranjara um nome para a sua irmãzinha. Pousou o auscultador, enfiou o telefone debaixo da cama com um safanão. Saiu do quarto a gritar pela senhora Briefs, correndo eufórico pelos corredores, de olhos brilhantes e coração aos saltos de tão feliz.

***

Vegeta encontrou a porta do quarto trancada.

Fechou os olhos, irritado.

Ela estava disposta a prolongar aquela estupidez até aos limites da sua paciência. O que não seria muito inteligente da parte dela, dado que ela conhecia como ele reagia diante de situações enervantes.

Pensou, por momentos, regressar ao antigo quarto de Trunks e matar a cria humana. Depois considerou que seria o pior erro que faria em toda a sua vida, pois haveria de ser escorraçado daquela maldita casa que ele, insensata e inesperadamente, começava a considerar como sua e quando ele tomava posse de um lugar, era como se o conquistasse, marcando-o seu. Mesmo que nunca o tivessem ouvido afirmar isso categoricamente, que aquela era a maldita da sua casa e que tinha direito àquele espaço, onde também poderia ditar as suas regras.

Depois pensou cansado que deveria ter dado um pontapé no maldito cesto. Assim, ninguém ficava a saber que tinha enviado a cria pelos ares e a tarde de sábado voltaria a ser agradável.

Endireitou as costas, com o olhar fixo na porta. Não se ouvia um som do interior. Outra indicação de que Bulma estava zangada. Quando estava nos seus dias normais – que não eram frequentes, pensando bem – ela gostava de ouvir música e cantarolava. Ele costumava postar-se ali, atrás da porta, que não estava trancada nesses dia, a ouvi-la, enquanto sorria. Um prazer secreto e inconfessado.

Naquela tarde, houvera algo que se quebrara entre eles. Não que ele percebesse inteiramente a razão daquela mudança estúpida e repentina, pois não alcançava o papel dele naquela confusão e que ela queria à viva força colar-lhe à pele, mas percebia que teria, de qualquer modo, mesmo inocente, mesmo alheado, de consertar o que tinha sido quebrado.

Retirou o pedaço de foto do bolso, olhou para o rosto do homem. Fora aquele idiota que o tinha colocado naquela situação e haveria de encontrá-lo. Por enquanto, era de noite e só queria descansar.

Desistiu de arrombar a porta, deu meia volta e saiu dali, descendo o corredor.

***

Bulma releu o bilhete, apoiando o queixo na mão, os dedos cobrindo os lábios que repetiam mudos as palavras escritas apressadamente sobre o pequeno papel branco amarrotado, os vincos fazendo sobressair as letras com um certo desespero e um toque de amargura, ondulando como que a pedir ajuda em cada traço.

“Para que nunca te esqueças. Perdoa-me pelo erro, sempre se poderá reparar mais tarde. Adoro-te, és a minha vida. Mas há decisões que nos partem o coração e eu acabei de partir o meu. Quero que saibas que nunca me esquecerei de ti, minha doce filha. Espero que sejas cuidada com muito carinho, te amo.”

Se lhe parecia que todo o texto era dirigido à menina, a primeira frase desmanchava qualquer raciocínio nesse sentido.

Para que nunca te esqueças”.

Tinha tomado um banho a ferver, demorado, imersa numa banheira coberta de espuma cor-de-rosa. Tentou lavar as preocupações daquele dia estranho, o que conseguira parcialmente. Enrolara-se num roupão, secara os cabelos à pressa. Uma das vantagens de os usar curtos, naquele penteado arrapazado que lhe evidenciava a elegância do pescoço e dos ombros estreitos. Não aguentara a pressão da resolução do mistério e sentara-se diante da cómoda, onde relia o bilhete.

Aquela frase, “Para que nunca te esqueças” era dirigida, com toda a certeza, ao pai da criança. Ali estava o deslize do qual ele tentara fugir, escapando-se às responsabilidades, entregue devidamente embrulhado, na porta do culpado. Para que ele nunca se esquecesse do que fizera – o abandono da filha e também da mãe. Era dirigida ao pai e começava o bilhete com esse recado, pois no fim, havia a frase, essa sim, dirigida à criança sem qualquer equívoco, “Quero que saibas que nunca me esquecerei de ti, minha doce filha.”.

Depois havia uma segunda frase.

Adoro-te, és a minha vida”.

Que podia ser dirigida tanto à criança, quanto ao pai. Apesar da desilusão e do coração partido, a mãe ainda amava o pai da sua filha. Ainda amava aquele maldito desgraçado e cruel que fizera o estrago e não quisera assumir o que fizera, por estar agarrado a outra situação, uma casa estável, uma mulher, um filho. Uma outra família, que se desmancharia se surgisse aquela infidelidade, um deslize momentâneo, um acontecimento imprevisível.

A boca de Bulma amargou.

– Eu podia ter rebentado com a porta.

Ela levantou-se sobressaltada, olhou para a janela.

– Fora daqui!! – berrou a Vegeta. – Não te quero ver hoje! É isso o que significa uma porta trancada, sabes?

Ele saltou para o quarto. Reparou no bilhete torcido sobre a mesa.

– Uma porta trancada não é o suficiente para me deter, mulher.

Ela acalmou-se, enchendo os pulmões de ar. Voltou-lhe as costas.

– Eu sei disso…

– Continuas a ler aquele maldito bilhete? Achas que tem o meu nome lá escrito?

– Ainda não consegui descobrir que não o tem.

– Ah, julgas mesmo que aquela cria é minha? Aquela coisa insignificante… é filha do príncipe dos saiyajin?

– Todos os bebês são insignificantes.

– Nem todos. Os bebês saiyajin têm uma força diferente dos bebês terráqueos, para tua informação.

– Son-kun quando nasceu, ao que parece, não tinha essa força diferente. Por isso, foi enviado aqui para a Terra. A tua lógica não me convence.

– Kakarotto foi sim mandado para a Terra por ter um poder de luta baixo, mas tu conhece-lo melhor que ninguém para saber que ele foi diferente e é diferente de vocês, terráqueos.

– Ainda não me convenceu. – Bulma o olhava desconfiada.

– Aquela cria não é saiyajin. Não tem nenhum traço que a identifique com os da minha raça. Sei que já o foste verificar…

– Sabes?

– Conheço-te o suficiente para saber isso.

– Então se me conheces, poderás, por favor, respeitar o que estou a sentir?

O silêncio dele indicava que considerava as palavras dela. Ou simplesmente continuava sem se conseguir enquadrar naquela situação plenamente.

Escutou-o respirar profundamente. O orgulho inundando-o de cima a baixo. Nunca iria admitir a culpa, nunca iria rebaixar-se a tentar explicar algo que não lhe merecia um milímetro de atenção, preocupação ou escárnio. A teimosia dele poderia fazer com que insistisse em ficar naquele quarto e ela não estava preparada para tê-lo ali, pois cairia na tentação de lhe fazer a mesma pergunta, vezes e vezes seguidas, até conseguir provocá-lo de uma forma irreversível. Assustou-se com esse cenário. Mesmo com um possível erro daquela magnitude, Vegeta com uma filha de outra mulher, ela não o queria perder…

Sentiu uma pontada no peito. Talvez já o tivesse perdido, algures…

– Vou provar-te, Bulma, como estás enganada. E depois…

– E depois?

Quando se voltou novamente, o saiyajin já não estava no quarto.

As cortinas agitavam-se pela brisa noturna que entrava pela janela escancarada.

– E depois, vais-te embora… – completou ela triste.

Porém começou a se lembrar das palavras dele.

“Kakarotto foi sim mandado para a Terra por ter um poder de luta baixo, mas tu conhece-lo melhor que ninguém para saber que ele foi diferente e é diferente de vocês, terráqueos.”

Depois começou a lembrar-se de quando conheceu o pequeno garotinho há alguns anos, quando fora em busca das esferas do dragão.

“Goku realmente nunca foi um garoto normal”, pensou ponderando um pouco. Mas a sua teimosia era maior que qualquer ponderação.

***

Vegeta saiu da Capsule Corporation de madrugada. Dormira no quarto que utilizara quando não estava a treinar na nave, antes do nascimento de Trunks e antes de se ter envolvido com aquela mulher de cabelos e olhos azuis que tivera a sagacidade e os atributos necessários para conquistar o príncipe dos saiyajin e fazê-lo assentar bases naquele planeta insignificante.

Levava o pedaço de foto no bolso das calças de ganga e dirigia-se ao arquivo municipal de West City, onde estavam arquivadas as identificações de todos os habitantes da grande metrópole. Aquele rosto masculino era a chave do enigma, muito mais importante e incisivo que aquele maldito bilhete que Bulma insistia em ler, em agitar-lhe na cara, onde queria encontrar a prova incriminatória irrefutável contra a inocência dele.

Quando saíra, escutara os berros estridentes da cria humana, a exigir alimento. Escutara os passos preocupados da senhora Briefs, que era ela quem cuidava da cria, pois Bulma não se aproximava dela por causa daqueles receios infundados. Sentira Trunks despertar e ficar atento ao choro da cria, a remexer-se na própria cama. Sentira também Bulma despertar levemente. Mas afastara-se, para cuidar daquele assunto à sua maneira – descartando, claro, a hipótese de eliminar fisicamente a cria.

Aterrou defronte do edifício do município. Estava ainda fechado. Cruzou os braços diante da porta e ficou à espera, pacientemente, de olhos fechados.

Depois de identificar o homem, iria identificar a mulher depois. Haveria de os arrastar até à Capsule Corporation para que removessem dali a cria incómoda. E depois a tranquilidade dos seus dias haveria de ser restaurada.

Não tinha pedido nada daquilo, apenas queria uma existência apagada e pacífica depois da morte de Kakarotto, em que jurara nunca mais lutar. E haveria de conseguir restaurar a monotonia aos seus dias, nem que tivesse de ir até aos confins do Universo e do próprio tempo.


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Notas finais do capítulo

O nome Panty foi escolhido por casa da palavra em inglês "panties" que em português significa calcinha!, honrando a tradição dos nomes escolhidos pela família Briefs.

Próximo capítulo:
Mais confusão...



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