Acordo com o barulho do despertador. Como eu o odeio. Como eu odeio tudo aqui.

Como de costume, me levanto da cama e fico de joelhos, encostada na mesma, para fazer uma oração a Deus, a esse Deus que fui criada para o adorar, como diz minha mãe. Poderia muito bem pular essa etapa do dia, como já fiz várias vezes, e mentir para os meus pais; mas não vejo motivos para esquecê-la hoje. Estou me sentindo mais fraca do que nunca.

***

– Você precisa é de Deus! – Diz meu pai. – Você anda faltando muito a igreja com essa desculpa de dor de cabeça! Isso não vai te levar a nada!

– E a igreja? E esse Deus? Isso vai me levar a quê? A essa vida infeliz igual a sua? – Digo. Só depois de pronunciar essas palavras pude perceber o que fiz. Eu o respondi. É muito mais além disso...

– Você se arrependerá! Que palavras sujas! Sua imunda, mundana! Suba para seu quarto. Você nunca mais ousará falar assim comigo! Nunca mais insultará o teu Deus.

Ele está errado. Não me arrependo, e nem me arrependerei. Ele pertence à minha imaginação, algo que me dá esperança para não me sentir sozinha, apenas isso. De repente, eu mesma seja meu próprio Deus.

Subo para o meu quarto, no andar de cima. Estou completamente sem medo, mesmo conseguindo ouvir os passos estrondosos do meu pai  sobre a escada, logo atrás de mim.

***

– Não era para você ter respondido seu pai. Você não tem jeito! Parece que pede para apanhar! – Minha mãe fala, mas na verdade sinto facadas agudas ao invés de raciocinar suas palavras.

– Eu...–  Meu soluço não me permite continuar.

– Vai ficar aqui, trancada. Vou sair e quando voltar quero ver essa casa toda limpa. Tanto lá embaixo como esse andar. Tchau.

Sim, ela me trancou e ainda quer que eu arrume toda a casa. Não a compreendo. Ela nunca fala coisa com coisa. Mas no fundo, acho que ela se sente mais perdida nessa casa do que eu.