Meu aniversário é no dia 20 de dezembro, um dia depois da nossa apresentação na festa de despedida de ano na escola. Estávamos no dia 18 e os ensaios para a apresentação estavam a todo vapor. Ensaiamos e em fim, conseguimos selecionar as músicas que iriamos tocar no dia. Para minha surpresa, a maioria das músicas foram indicações minha. No total eram sete músicas, duas em inglês (que por sinal, tive que ensaiar bastante para não errar a letra) e cinco em português. Bom, as músicas que iriamos tocar eram:

Lutar pelo que é meu

Sol completo

Song 2 You

João de barro

Ele não desiste de você

Diante de Ti

Made in the USA

Posso ser feliz

Eu sempre quis ter um talento. Quando eu descobri qual era o meu, queria aproveitar com todas as chances e não decepcionar ninguém. Pois todos sabem que algumas pessoas usam bem o seu talento, fazem sucesso e começam a fazer coisas errada. Eu não queria ser assim. Não queria decepcionar ninguém.

Não contei para ninguém sobre meu aniversário. Se possível, queria que apenas as pessoas da minha família me dessem os parabéns. Eu não queria festa nem nada. Nunca gostei de festas de aniversário para mim. Nunca sei como reagir quando estão batendo palmas e cantando o “parabéns para você”. Não sei bem para quem entregar o primeiro pedaço de bolo e definitivamente não sei como reagir quando recebo presentes. Certa vez, minha avó chamou toda a vizinhança para a minha festa de aniversário de 8 anos. Havia muitos doces, muitos salgadinhos, muitas crianças. A maioria não sabia que era eu era o aniversariante, pois eu não saia para brincar com elas na rua. Mas claro, os pais as obrigavam a me dar um abraço forçado e me entregar o presente. Muitas delas me davam o abraço chorando, pois não queriam fazer isso. Isso estragava tudo. Eu queria que elas gostassem daquilo. Queria que gostassem de me abraçar e de brincar comigo. Mas era totalmente o contrário, as crianças preferiam ficar com seus amigos do que brincar com o aniversariante desconhecido. Então nunca mais quis ter uma festa.

No dia seguinte.

Eu estava nervoso. Bom, na verdade eu estava muito mais nervoso do que aparentava. Não queria decepcionar ninguém. Enquanto eu estava me preparando em cima do palco com o restante da banda, pude ver no meio da multidão de pais e alunos meu pai Harry, minha mãe Judite, meu irmão Raphael, meu avô Joseph e minha avó Maria. Eles estavam sentados em uma fileira do meio e estavam conversando. Obviamente já haviam me visto, mas não ficaram me olhando. Vi também que Sophia e sua mãe Dakota se sentaram na primeira fileira. Sophia vestia um vestido rosa. Seu cabelo estava com uma trança que caía sobre o ombro direito.

Nunca fui de me ficar olhando no espelho o tempo todo. Nunca fui muito vaidoso, mas naquele dia eu me produzi. Eu estava com uma camisa social branca e uma calça jeans preta. Cortei meu cabelo exclusivamente para aquele momento. Jake havia me levado a um barbeiro e me convenceu a cortar o cabelo igual ao dele. Raspado dos lados e um volume bem maior em cima. Penteei o meu cabelo para o lado e pela primeira vez, eu senti que estava bonito.

Todos os integrantes da banda também estavam “bem apresentados”, se é que você me entende. Todos vestiam camisas sociais e calças jeans. Michael vestia uma calça jeans vermelha, uma camisa social branca com uma gravata borboleta vermelha com bolinhas brancas. Lucio vestia uma blusa social preta, uma calça branca e um tênis de skatista preto. Jake vestia uma calça jeans preta, uma camiseta branca e um paletó preto. Estávamos conversando, quando vimos o diretor da escola vindo em nossa direção perguntando se já estava tudo pronto. Acenamos que sim. Então ele se virou, foi até um púlpito que estava localizado no meio do ginásio de apresentações, pegou o microfone e começou a fazer seu discurso.

– Bom dia a todos! - Disse ele – Estamos aqui para celebrar mais um ano de estudos, de conquistas e de realizações nesta escola. Tenho toda a certeza que esse ano foi muito produtivo para muitos alunos. Muitos passaram em concursos, foram aceitos em trabalhos, fizeram amizades e conseguiram conquistar seus objetivos nessa escola...

Eu tentava prestar atenção no discurso, mas não conseguia. Eu estava nervoso, muito nervoso mesmo. Minhas pernas tremiam tanto, meu coração estava quase saindo pela boca, o frio na barriga já não era mais frio. Era Gelo na barriga, era o Polo Norte na barriga, era -300 graus na barriga. Tá, sei que exagerei. Mas eu estava muito nervoso. Eu fazia tudo para tentar escapar daquele nervosismo.

– Calma, você vai conseguir. – Disse Jake –

Acenei positivamente com a cabeça.

– Não vai amarelar agora, Charlie. – Disse Lucio – Trabalhamos duro demais para simplesmente você desistir na hora H.

– Você não vai desistir, vai Charlie? – Perguntou Michael –

Eu não havia pensado em desistir em nenhum minuto.

– Não, nem pensei nessa possibilidade.

Tentei passar confiança, mas acho que não consegui muito bem, pois todos me olhavam aflitos.

– Sério mesmo. – Falei – Não vou desistir. Só estou um pouco nervoso. Tem muita gente aqui.

Olhei para a plateia.

– Isso é verdade – Disse Michael também olhando para a plateia – Também estou um pouco nervoso.

Todos concordaram. Todos nós estávamos um pouco nervosos. Acho que todo artista, até os mais famosos e experientes ficam – nem que seja um pouco – nervosos quando veem aquela multidão em sua frente esperando ansiosamente por sua apresentação. Ouvimos o diretor terminar o seu discurso.

– .... E para celebrar mais esse ano de tanto sucesso, teremos uma apresentação da banda.... da banda...

Então ele ficou em dúvida, não estava constando em seu papel o nome da banda.

– Qual é o nome da banda? – Sussurrou para nós –

Olhamos um para o outro confusos. Tínhamos nos preocupado tanto em ensaiar as músicas que não pensamos em sequer um nome para a banda.

– Curioso mundo! – Falei –

Todos me olharam surpresos.

– Curioso mundo? – Perguntou o diretor –

– Que raio de nome é esse, Charlie? – Perguntou Jake –

– Foi a primeira coisa que veio na minha cabeça.

O diretor deu as costas para nós e continuou:

–E para celebrar mais esse ano de tanto sucesso – Repetiu o diretor no microfone – Teremos uma apresentação da banda Curioso Mundo. Composta pelos integrantes, Charlie, Jake, Michael e Lucio.

Todos nós nos posicionamos em nossos lugares enquanto ouvíamos um forte barulho de palmas e gritos vindo da plateia. Foi quando Lucio começou a tocar a bateria. O barulho foi forte o bastante para animar todos da plateia, inclusive as professoras idosas que estavam sentadas na primeira fileira. Michael começou tocar o baixo e Jake sua guitarra. Então eu comecei a cantar:

– A gente passa a entender melhor a vida, quando encontra o verdadeiro amor....

Pude ver todos dançando enquanto me ouviam cantar. Pude ver todos ali se divertindo com a nossa música. Era uma sensação incrível. Então eu pensei “Se todos estão gostando, quer dizer que eu estou cantando bem. Eles merecem mais, merecem se divertir ainda mais. Vou dar o meu melhor”.

Quando a primeira música acabou houve um forte barulho de palmas, ainda maior que o primeiro. Todos começara a gritar: Mais uma, mais uma.

– Vocês querem mais uma? – Perguntei sobre o microfone =

Todos gritaram que sim, então foi o que fizemos. Começamos a tocar a segunda música, depois a terceira e o restante.

Eu estava cantando a última música. Todos batiam palmas no mesmo ritmo. Eu estava cantando “Posso ser feliz”. Eu cantava observando Sophia dançar ao ritmo da música. Ela estava feliz. Eu tinha certeza que essa felicidade iria aumentar quando ela começasse a se tratar, a se cuidar como devia. Tinha certeza que a vida dela e de Dakota iriam começar a melhorar quando recebessem nossa ajuda.