Nome? Elisabeth Dolevar. Função? Brinquedinho dos Deuses.

Bom, tenho quatorze anos. Sou filha de Hades, Deus dos Mundo Inferior, dos Mortos, e todos aqueles que pensam que sou poderosa e sei invocar trevas e esqueletos ou viajar nas sombras, podem parando por ai, eu não passo de uma adolescente anoréxica que ainda não desenvolveu nenhum poder de uma criança de Hades. Sou exatamente como ele, fria, não amigável e mal humorada. Moro no Acampamento Meio-Sangue desde que minha mãe abandonou eu e minha irmã em um beco qualquer de Manhattan quando eu tinha nove anos. Eu me lembro que foram tempos difíceis, vivíamos escondidas numa caixa de papelão. Até que o dono de uma padaria próxima ao beco, nos deu abrigo e comida. Quando eu fiz doze anos, ele disse que a gente precisava ir para um tal acampamento porque estava na hora e "eles sentiriam meu cheiro e viriam atrás de nós". "Eles" eram monstros e o dono da padaria era um sátiro que nos levou até o tal acampamento.

Para que serve o acampamento? Sinceramente não sei. Na verdade aqui somos treinados para o Jogos Olimpianos Vorazes, um reality show onde adolescentes lutam até a morte por nada, nem um motivo sequer. Bem, não é assim. Tudo começou a muito tempo a trás quando alguns semideuses, deuses menores e Titãs se uniram para destruir o Olimpo, mas isso foi em vão e eles acabaram perdendo a guerra. Os Deuses ficaram putinhos com a traição de alguns dos seus filhos e sua própria família, então resolveram ficar com seus traseiros gordos sentados no seus tronos vendo vinte e seis adolescentes lutando pela própria vida até a morte.

Hoje é o dia da Colheita. Estou deitada na beliche do meu chalé, sinto Violet em meus braços e me aconchego para mais perto dela. Tenho dificuldade para abrir meus olhos, fico tonta só de pensar em ver Violet nos Jogos, ela é tão frágil. Esse é a primeira colheita dela. Eu tenho outros irmãos, mas eu considero eles como colegas de quarto, eles não são muitos sociáveis – muito menos eu.

Abro os olhos devagar e vejo que Violet ainda está dormindo, mexo no braço dela e me levanto num impulso.

– Se arrume, vou dar uma caminhada e te vejo na Casa Grande – digo.

Ela murmurou algo que eu não consegui entender. Fui para o espelho que ficava um pouco perto da beliche e observei meu reflexo. Meus olhos estavam mais pretos que o normal, se é que isso é possível, eu pareço uma Rapunzel com cabelos negros e pálida. Dou uma última olhada em Violet e saio do chalé. Corro até o lago, meus pulmões já estão ardendo. Eu não sou muito fã de exercícios, mato algumas aulas de esgrima e pra falar a verdade não faço nada além de comer e dormir nesse acampamento.

Me agacho na beira do lago, e pego um pouco de água com a mão. Olho para o lado e vejo que vários campistas estão me encarando, afinal filhos de Hades não são muito bem vindos aqui. Eu já me acostumei com esses olhares e o desprezo. Mas com Violet é diferente, ela se dá bem com quase todo mundo no acampamento. Eu queria ser como ela.

Me levanto e volto a correr até o meu chalé. Lá, encontro Nico sentado nos degraus. Nico é um dos meus irmãos, sombrio, misterioso mas no fundo eu sei que ele só é uma pessoa sensível. Eu nunca vi Nico di Angelo sorrir, ele sempre vive com a cara fechada - igual a minha. Ele perdeu a irmã dele, Bianca di Angelo, ela era uma Caçadora de Ártemis. Não sei como ela morreu e não vai ser hoje que vou perguntar sobre.

– Nós poderíamos ir embora daqui, você sabe - sugeriu ele.

– Nós? Filhos de Hades? Morreríamos antes que sentissem nossa falta! Essa é a nossa realidade, apenas aceite-a – digo com um pouco de raiva, eu precisava descarregar ela em alguém, infelizmente.

– Só estava tentando achar uma opção, nada de mais - Ele disse na defensiva.

– Ah me desculpe, eu estou estressada com toda essa coisa.

– Você ainda não se acostumou com os Jogos? – ele disse um pouco chateado.

– Na verdade não faz diferença pra mim, viver numa caixa de papelão ou ficar aqui, o que mais me preocupa é a Violet.

– Independente do que acontecer, eu posso cuidar de Violet pra você, também estou preocupado com ela, ela também é minha irmã e não quero perde-la como perdi Bianca.

O silêncio predominou, Nico e eu não éramos próximos e nossas conversas eram mais curtas do que as chances de um filho de Afrodite ganhar os Jogos - se bem que era possível. Ele sempre vive viajando nas sombras, quase não vejo ele.

– Se você for escolhido, vai se dar bem. – dou uma pausa – Ter Percy Jackson como amigo, é uma grande vantagem, ainda mais se ele também for escolhido.

– Você acha que nos Jogos, as pessoas continuam amigas? Elas só querem sair vivas de lá.

– Eu não tenho amigos, não sei como isso funciona.

– Você pode ser minha amiga se quiser - ele se levanta, estende a mão para mim e sorri.

Segurei a mão dele e levantei.

– Seria uma honra – falei com um sotaque estranho que nem eu mesma consegui reconhecer.

Dei uma risada e logo Nico também. De repente, flautas começam a tocar, e eu sei que está na hora.

– Violet já está lá?

Nico apenas balança a cabeça positivamente e andamos até a Casa Grande. Chegamos lá, todos parecem um pouco tensos exceto os filhos de Ares que dariam de tudo para participar dos Jogos mas até eles não estavam com a cara pra lá de boa. Olho à procura de Violet, mas só vejo as Caçadoras de Ártemis que dificilmente vem para o Acampamento, chego a conclusão que já estava morta se fosse escolhida, elas me matariam um segundo após entrar na arena. Paro e congelo quando olho para o lado direito e vejo 13 tronos e neles os Deuses em suas vestes tradicionais. Não queria encará-los, até porque sinto nojo deles. Como eles podiam ser tão frios ao ponto de deixar que seus filhos se matassem por nada? Como podiam ficar ali assistindo seus filhos assinarem uma passagem só de ida pro Mundo Inferior? Desviei o olhar.

Os tributos seriam escolhidos por um Cálice, cada chalé tem o seu. Sua mãe ou seu pai olimpiano vai até o Cálice e de lá retira dois nomes.

Eu estou com a cabeça em outro lugar, bem que eu queria estar em outro lugar. Meu chalé é o último a ser chamado. Avisto meu pai. Ele tem pelo menos três metros de altura, e usava mantos de seda preta e seu elmo. Sua pele é branca como a de um albino, o cabelo comprido até os ombros.

Congelo e vejo Violet perto de alguns campistas, acho que são filhos de Hermes, seu olhar encontra o meu e demonstra pânico. Meu pai enfia a mão dentro do Cálice e retira duas tirinha de papel. Os campistas suspiram coletivamente e depois o silêncio é tão grande que é possível ouvir até um alfinete caindo no chão. Ele analisa e anuncia os nomes com uma voz alta e áspera.

Di immortales, é Elizabeth Dolevar. E Deitan Hale – que pelo incrível que pareça é meu irmão e eu não conhecia ele.