E no bar a discussão apenas começava.
- Você deve estar passando fome - disse um dos homens. - Cinquenta centavos! Tá de sacanagem? Eis que o outro respondeu:
- Sim, cinquenta centavos, é o meu lucro.
Tomei conhecimento de que a discussão era entre o dono do estabelecimento e um cliente que se recusava a pagar o que havia consumido.
- Deixa, Bigode. Eu pago. - Disse um outro consumidor aparentemente ainda sóbrio e provavelmente incomodado com a briga.
- Nada disso. Ele bebe da minha cachaça e quer me pagar com isto? Esbravejou o dono do boteco com a mão erguida mostrando uma moeda de cinquenta centavos. - Eu não admito! O devedor levantou-se meio cambaleante e respondeu no mesmo tom:
- Essa cachaça, que você enche a boca para falar, meu camarada, é metade água, a mais fraca que já me desceu pela garganta. Meia cachaça merece metade do preço.
Você eu não sei, leitor, mas eu achei justo. Em questão de minutos eu já ficara sabendo o que se sucedia e também já fazia alguma ideia de como isto iria terminar. Isto deveria ser o suficiente para matar a curiosidade, e foi, mas esta resolveu ceder espaço ao desejo de justiça, que nada tinha que me cobrar, mas me cobrou mesmo assim.
Digníssimo leitor, se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma justiça no mundo, então somos companheiros. A frase é de Ernesto Guevara, mas exprime bem o que senti naquele devido momento.
Sem hesitar mais nenhum segundo, catei algumas moedas que estavam no bolço direito de minha calça, entrei no boteco de súbito, dei as moedas na mão do bêbado e saí andando a passos largos o mais rápido que pudia. Escutei ainda a voz do bêbado a me chamar mas fingi que não ouvi, temendo me meter em sua briga. Fui refletindo pelo caminho se meu ato havia sido prometeico* ou não. Não cheguei a conclusão alguma, fica a seu critério.