Minha mãe olha para mim, com um ar de reprovação a ignoro totalmente e vou para o quarto de Dory, combinamos de dormir juntas hoje a noite.

Hoje começam os Jogos, estou ansiosa e com medo ao mesmo tempo, não sei o que vou fazer quando Gabriel morrer, quero pelo menos que demore um pouco. Eles só começam depois da escola, que liberam a gente 1 hora mais cedo, para dar tempo de todos poderem acompanhar a estreia da matança.

Saio da escola, e vou para casa com Linn (como de costume) e esperançosa para que Gabriel, consiga pelo menos sobreviver por bastante tempo, seria muito ruim vê-lo morrer no banho de sangue. Chego em casa, e lá estão minha mãe e minha tia, esperando na mesa, enquanto meus outros primos não chegam da escola. Coloco a mochila em ‘’meu’’ quarto, jogo um pouco de água no rosto, já que estamos no verão, e sigo para a cozinha.

Quando termino o almoço me dirijo ao banho e deixo a água cair durante alguns minutos por todo meu corpo, realmente está muito calor. Coloco uma muda de roupa, penteio os cabelos e vou para o quarto de Dory, estamos muito íntimas não fazemos mais quase nada separadas e isso é impressionante devido a diferença de idades, mas nos não nos importamos com isso, vivemos bem assim e ponto. Vamos juntas para a sala, e esperamos o resto da família, faltam 10 minutos para o ‘’grande’’ momento. Claudius começa a contagem regressiva e eu estou suando, e não, não é por causa do calor. ‘’10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1...’’ E o gongo soa.

Gabriel não aparece nas câmeras em nenhum momento do banho de sangue e eu fico nervosa, não sei se morreu tão rapidamente que nem deu tempo de o captar ou se fugiu rapidamente. Minhas unhas já se foram. Depois de 30 minutos, eles anunciam que foram 16 mortos, um dos números mais altos em anos, o último Jogos Vorazes que teve tantos mortos no começo foi o 2° Massacre Quaternário, onde foram o dobro dos tributos sorteados. E eles começam a anunciar os mortos. ‘’Fisty, Distrito 1, Oliver, Distrito 2, Jade, Distrito 3, Bealie e Kill, Distrito 4, Gabriel, Distrito 5...’’ E eu estremeço, tudo que eu não queria aconteceu, Gabriel morreu, meu Gabriel está morto, aquele que me encantou, que me deixou viciada, que me ajudou mas que acima de tudo me amou. Não que ele fosse perfeito mas só sinto saudades. Mesmo tendo descoberto que ele se foi á 30 segundos. Quando dou por mim mesma, estou com lágrimas nos olhos, estão todos olhando pra mim com o olhar de ‘’sinto muito’’ até mesmo minha mãe. E eu escuto no fundo ‘’Crep e Giulia, Distrito 12’’. Levanto disfarçadamente e sussurro no ouvido de minha mãe, a pergunto se posso ver os jogos em seu quarto, ela concorda com a cabeça e eu subo a pequena escada. A televisão do quarto é bem velha, herança de meu pai, mas ainda funciona perfeitamente. Fico vendo os 8 tributos restantes divididos, os 2 carreiristas que sobraram em uma aliança, e se eu não me engano os dois tributos do 8, 9 e um do 10 também estão juntos, e obviamente resta Samantha sozinha. Não sei se terá muita chance.

Continuo assistindo horas a fio aos Jogos, estou realmente interessada naquilo, não sei se me sinto um habitante da Capital ou se me sinto envergonhada, talvez os dois, mas nada mais importa, o mais importante já se foi. Os tributos do 8, 9 e o do 10, montam guarda, estão realmente preparados. O cenário é uma floresta gelada, parece estar muito frio. Samantha está camuflada, pintou as poucas partes de seu corpo a mostra com lama, imagino, está muito escura, e raramente será avistada, só a enxergo pois quando a filmam ela está deitada na neve, podendo ser sobressaída. Os carreiristas estão buscando presas, e encontram. O tributo do 10, estava coletando gravetos, para fazer uma fogueira, imagino. Eles o atravessam com uma espada que o mata na hora. Os tributos do 8 e 9 correm para o cenário, e começa a luta, os do 9 fogem, e os carreiristas e os do 8 estão batalhando, todos morrem. E Caesar anuncia ‘’Impressionante! Em apenas 18 horas do começo dos Jogos já são 20 mortos. Pelo visto esse ano o vitorioso será descoberto rapidamente.’’ Estou cansada, e apesar dos Jogos, continuo tendo aulas e preciso urgentemente dormir, me dirijo para o quarto, passo pela minha mãe na sala que está tricotando, a desejo boa noite. Me deito, exausta. Torcendo apenas para que Samantha não vença. Seria bom para Lydia, mas não acho que viveria bem no mesmo Distrito que a menina com que Gabriel me traiu. Adormeço.

Acordo com um estalo, Alice está me sacudindo feito uma britadeira, olho meu relógio e ainda são 3:00 da manhã, e me pergunto o motivo de tal inconveniente. Ah, são os Jogos. Já conseguiram um vencedor. Em menos de 1 dia. Impressionante, como Caesar diz. Eles cortam para a arena e lá está Samantha sã e salva com apenas alguns pequenos arranhões no rosto. Vitoriosa. ‘’E a vitoriosa da Septuagésima Terceira edição dos Jogos Vorazes é Samantha Grinfi, Distrito 5.’’

Sigo para o café da manhã ainda chocada com a notícia. O meu pesadelo vira realidade. Imagino que Samantha só chegará daqui a 2, 3 dias, então terei tempo pra mastigar a notícia e me acalmar, fingir que nada aconteceu. Corto caminho de Linn e sigo para casa de Lydia, apesar de tudo, fico feliz que ela não tenha perdido sua irmã. Ela deve estar muito feliz, já que perdeu sua filha, nos Jogos do ano retrasado. Samantha é um presente. Somente para ela.

Quando me despeço de Lydia, ela me abraça e agradece por eu ter ido lá, imaginava que eu ficaria com rancor pelo resto da vida. Não de Lydia. Nem de Samantha, na verdade, só estou abalada ainda.

Na escola fico surpreendida pela piedade das pessoas, que semana passada me jogaram pedras. Alguns vem me dar os pêsames e outros sussurram um singelo ‘’sinto muito’’. Isso já é o suficiente para me deixar um pouco triste.

Samantha chega, dois dias depois, no fim da tarde de uma ensolarada quinta-feira. Na praça, acena para as pessoas, e está muito feliz. Até que nossos olhares se cruzam e seu sorriso desaparece por um segundo, mas logo se recompõe, fico pensando no que isso quer dizer. As saudações duraram mais ou menos uns quinze minutos, até que a praça começa a esvaziar. Chego em casa e imagino que é uma ótima hora para usar os morfináceos, estou deprimida, abalada, preciso de algo para me tirar desse maldito mundo. Ainda não consigo acreditar que perdi Gabriel por causa de um idiota programa de televisão, onde todos se matam. Ridículo.

Quando estou escondendo a dose em meu short, minha mãe bate na porta e eu rapidamente o escondo de volta na gaveta. Tenho visitas, ela anuncia. Sigo até a sala, e não consigo acreditar em quem está sentada, tomando um copo de suco, na minha casa. Samantha Grinfi, ela mesma. Fico extremamente enfurecida por dentro, mas por fora estou calma e serena, com um sorriso mais falso do que os habitantes da capital.

– Oi Samantha, o que veio fazer aqui? – pergunto bastante entusiasmada.

– Então, eu sei que deve estar morrendo de raiva de mim, eu entendo, mas vim esclarecer tudo o que você acha – ela dá ênfase ao ‘’acha’’- que aconteceu entre mim e Gabriel.

– Tudo bem. – e me sento.

– Nossos mentores, eles disseram que seria ótimo que fingíssemos ser namorados. Daria audiência e que conseguiríamos muitos patrocinadores. Gabriel, ele foi o primeiro a descordar disso tudo, dizia que eu era muito nova, e sou de fato, e que seria uma traição a você. Eu também não queria, nunca tinha beijado ninguém, até aquele desfile, mas eles insistiram e acabamos concordando. Aliás, ele fugiu, porque ficou tão culpado, tão pressionada com tudo que não aguentou. Viramos amigos e seríamos aliados, se o pior não tivesse acontecido. Enquanto ele corria para a direção onde eu estava, um dos carreiristas enfiou uma lança em sua nuca, a cena foi devastadora para mim e quase que eu não tive força para sair dali, mas eu consegui. A história de sermos namorados acabou quando ele revelou você na entrevista, sendo assim não ganhei nenhum tipo de patrocínio e acho até que eles descontaram em mim a fuga de Gabriel, pois sofri coisas inexplicáveis. Mas de qualquer jeito, quero te pedir perdão, se toda essa história te feriu de algum modo, não foi a minha, e muito menos a intenção dele te deixar assim. Espero que um dia possamos ser amigas. – ela diz, tudo isso de um jeito tão intenso e sinto a sinceridade em suas palavras, então relaxo, e a raiva se esvai.

– Olha, eu estava chateada com isso tudo sim, mas fique tranquila, porque não estou mais com raiva de você. Tenho que ser sincera, queria matar vocês alguns momentos atrás, mas agora que está tudo esclarecido você parece ser bem legal. – Ela ri. – Queria te perguntar uma coisa...

– Sim?

– Por que se voluntariou no lugar de Linn? Não sei se sabe mais ela é minha prima. E fiquei tão chocada, queria saber de verdade o motivo.

– Treinei a vida toda, escondida de minha irmã, eu realmente queria ir para os jogos e tentar uma vida melhor para nós. Quando descobri os Jogos, tinha 5 anos, desde já, corria, pegava pesos com sacos de farinha e olha, todo mundo me acha estranha por eu ter alguns músculos. – realmente ela era musculosa. – Então senti que era hora, e fui. Podia não ter saído de lá viva. Mas... consegui. – sinto que ela não queria ter falado dessa forma, por causa de Gabriel, mas não me abalei.

– Nossa, não sabia disso, parabéns, de verdade. Muito obrigada por ter vindo aqui, aliás.

– Não foi nada, só não queria que as coisas ficassem fora do lugar entre a gente. Bom, preciso ir, não está muito cedo, boa noite.

– Nos vemos depois? – gostei dela, quero realmente ter uma amiga.

– Claro! – E saiu.

Depois disso as coisas se acertaram. Recuperei a confiança da minha mãe, devolvi os morfináceos para Jack. E me tornei uma grande amiga de Samantha. E tive a oportunidade de adentrar uma das casas da aldeia dos vitoriosos, e é magnífica, nada comparada ao meu humilde lar. Tenho me divertido bastante com Dory, e estou mais amiga dos meus primos, até de Mark o caçula mais lindo do mundo. Porém, ainda sinto falta de Gabriel e sei que nada, absolutamente nada, o trará de volta.