A capa pesada era balançada pelo vento feroz da madrugada, assim como os cabelos da cor de ouro, que vez ou outra atingiam os olhos da cor de sangue, incomodando-o. Retirou os cabelos dos olhos suavemente com sua mão, voltando a observar o horizonte.

Estava de pé sobre um amontoado de cabos de aço de um poste de energia, observando a manhã cair, sentindo um aperto incomum em seu peito. Perdera alguém próximo a si mais uma vez, alguém que nem mesmo se dera conta de que era importante.

Não se sentia como se sentira quando fora Enkidu a morrer, mas uma dor ainda era uma dor e a perda de Kirei lhe trazia dor, talvez fosse por isso que tivesse pego a capa negra dele e vestido por sobre sua roupa. Talvez com aquela ação seu coração se rendesse a calmaria.

De onde estava podia fitar a antiga igreja Kotomine, que agora estava abandonada após sua morte. Sentiu a garganta arder e lembrou-se de todo o vinho que havia tomado lá ao lado de Kirei. Destruiu a igreja com alguns de seus preciosos tesouros, decidindo que era o menor preço a pagar para que nenhum impuro pisasse sobre os destroços do que um dia lhe foi um lar.

Por que ele ainda estava ali se seu mestre havia morrido? Sabia a resposta e sabia que não duraria muito mais, logo seguiria de volta para seu passado, para viver novamente cada um de seus pecados. Logo veria Enkidu novamente, logo o veria morrer novamente, logo ficaria só. Mas preferia isso a deixar algum indigno ser seu mestre.

Havia em sua mão uma taça cheia de vinho. Velhos hábitos nunca morrem, e ele era o único a celebrar a morte de Kirei. Era o único que sequer se importava com Kotomine Kirei. Bebericou do vinho, sentindo o gosto refinado dele em seu paladar.

O céu já estava claro quando as palavras de Enkidu soaram aos seus ouvidos: "não há como evitar perdas em uma guerra, mas o que realmente importa é se vencemos ou não. E você sempre vence."

- Ah, Enkidu. - Suspirou, saudando a nostalgia, sentindo os olhos arderem. - Como você estava errado.

Como estava patético, o rei dos heróis chorando por um mero humano descartável. Foi quando começou a cintilar e sua forma física começou a sumir. As últimas lágrimas a escapar de seus olhos caíram no chão metros abaixo, junto à taça de cristal, que se desfez em pedaços e deixou que o vinho se espalhasse pelo chão. Lá no alto restava apenas uma capa preta farfalhando ao vento.