Mantendo O Equilíbrio - Um Novo Amanhã escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 31
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Não matem a mensageira, quer dizer, a escritora, tentei postar na quarta e o site tava off (btw, nova plataforma boa!).
Então fiquem felizes que hj tem combo pra compensar muitos dias off :)
E como tem gente aí roendo unha com aquela prévia, eis o capítulo inteiriiiiiiiinho!
Enjoy.



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Posso reconhecer muitos lados de Djane, conhecê-la como ninguém, mas tem uma coisa que ainda me faz tremer na base quando se trata dela: suas avaliações acadêmicas. E as de Silvana. Só de pensar já fico pilhada. Os outros testes que elas fizeram nesse ano, felizmente, não envolviam provas escritas, eram trabalhos mesclados, individuais e de equipe, seminários, artigos, estudos de caso, ensaios, que aliviavam a barra de encarar suas questões. Agora tô preocupada, pois faz tempo, desde o ano passado, que não faço uma prova dessas. E esse mês eu não iria escapar...

Mesmo que hoje, segunda, não seja o dia, quarta e quinta, tô só pensando por ansiedade. É desse jeito que tenho de ir para o estágio, trabalhar pilhada, encontrar mais dois pilhados, Gui e André – se bem que André não é o tipo de cara que se preocupa muito com essas coisas, mas também não é tão ignorável a ponto de ficar blasé pra uma prova dessas.

Na realidade, tô me sentindo meio zumbi, tô indo empurrada. Se fosse de minha escolha, preferiria estudar e cair no sono sobre os livros a ter que ir trabalhar hoje. Meus olhos ainda ardem da outra noite que tive (meu colírio sumiu de novo), quando os trovões apareceram. Houve uns progressos, senti, que consegui não me focar tanto no medo que eles me traziam e sim em me manter mais quieta e focada.

Até Murilo se admirou. Estávamos apenas nós dois em casa, Vini quis ficar, eu insisti que ele fosse para casa. De qualquer forma, quando começou a “tenebrosidade”, ele me ligou e ficamos os “três” em alerta, mesmo sob o viva-voz. Nem chorei como costumava, mesmo lá e acolá ter uns pequenos acessos de pânico. Se posso chamar de sorte, esses acessos foram em casa.

Poucas foram as vezes que aconteceu fora dela, uma foi até na faculdade. Foi há quase dois anos, Murilo ficou mais maluco que eu. Me escondi num banheiro que quase não é usado pelas garotas, permaneci lá até bem depois do fim da aula pra ninguém poder me ver até que meu irmão chegasse. Foi um dos meus dias mais difíceis, estando a público. Não é a toa mesmo o cuidado que tem sobre mim.

Essa última crise foi mais leve, já não tão horrível quanto as que costumava ter. Realmente acreditei que há esperança de lidar melhor com isso, principalmente se me sinto mais segura e confiante. É um processo, de qualquer jeito, que está a melhorar.

Isso, no entanto, não diminuía meu cansaço.

Só ajudaria muito se a crise não tivesse sido tão logo depois do meu aniversário. Já não me bastava toda a semana afundada nos estudos? Ainda bem que as provas terminam quinta e... talvez eu comemore meu níver de novo.

Mereço, pois dona Bia teve que tirar uma semana de folga para resolver uns assuntos pessoais e eu que tenho me desdobrado pra cuidar das coisas de casa, porque Murilo tem feito muitos plantões ultimamente em seu serviço, algo sobre uma fase crucial de seu projeto no trabalho, junto com seu colega Armando. Bom, seu último plantão foi antes da minha crise, então é certeza que ele ande meio cansado por aí que nem eu.

Termino de passar uma água na louça do almoço para não atrair formigas e outros insetos, deixo para lavar quando chegar ou Murilo se aparecer primeiro que eu. Ele afirmou que ia me levar para o estágio hoje, assim me aprontei logo e almocei mais cedo para aproveitar o tempo estudando algumas matérias. Deus é pai, para a matéria de hoje já teve prova na semana passada e me saí bem.

Ainda que concentrada num estudo de caso que lia no caderno, ouvi o carro de meu irmão chegando. Estranhei primeiramente que ele não veio com ela animação de cada dia, quando dizia “cheguei, família” mesmo que fosse só pra mim. Pensei no cansaço dele, e suspirei por ter dado trabalho a ele no outro dia.

Logo que ele abriu a porta e que eu levantei o olhar dos livros abertos na mesa da sala, percebi que algo estava muito errado. Não era só cansaço não. Desanimado é pouco, Murilo chegou com uma expressão além de si que não tinha nome, parece que se arrastava, não que andava. Torci para que não fosse tão sério quanto aparentava, assim tomei uma abordagem leve:

– Que é que tu já tá todo “xôxo” assim?

– Nada.

Se a casa não estivesse em completo silêncio, acho que não teria ouvido sua resposta. Ele bem que tentou disfarçar, deu um meio sorrisinho sem graça antes de se arrastar para o corredor, passando por mim com uma cara que... me assustou. Porque no outro dia papai ligou dizendo que vovó teve uma recaída e... e se tivesse acontecido algo? Pulei da cadeira.

– Aconteceu alguma coisa, eu sei. É com a vovó? Me diz, Murilo.

– Credo, não! Ninguém lá de casa não.

Ó suspiro de alívio, não sei o que faria se acontecesse algo com ela. Ou com meus pais. Parado no corredor, Murilo se mantém inquieto, sem saber se vai pro quarto ou se volta. E assim ele solta, com a mão no rosto:

– É com a Aline.

Não falo nada. Porque não tenho o que falar... eles têm estado numa ótima fase de namoro e chamego, coisa marlinda de se ver e aporrinhar – e aporrinho muito, acredite. E num é que Aline tirou mesmo Murilo do meu pé? Quer dizer, não tirou de fato, mas ele tem maneirado muito. Eu não teria noção do que poderia ter ocorrido para deixá-lo desse jeito, não me parece que foi uma briga, não tem cara alguma de zanga.

Ao complementar, é que tudo faz sentido:

– Ela tá grávida.

~;~



Lancei de supetão, sem medir minha surpresa ao fato:

– E você é o pai?

– Não sei...

Surtei com essa calmaria derrotada dele. Como assim?

– Como que tu num sabe, criatura? O que ela te falou?

A mão que estivera escondendo seu rosto foi para seus cabelos já bem crescidos, bagunçando sem medida seus fios. Me pergunto se algum dia bagunçar o cabelo já deu algum controle a nós, pois a marca involuntária do descontrole é mexer neles, como se resolvesse alguma coisa.

– Nada, ela não me disse nada, porque eu descobri sozinho.

E saiu, arrastando-se novamente, para seu quarto, todo pra baixo.

Ah tá que ele sequer imaginou que eu o deixaria ir sem o seguir.

– Conta isso direito.

Fiquei lá de pé no seu quarto, de braços cruzados, esperando que ele abrisse a boca. Sentou na ponta de sua cama, ombros caídos, e foi tirando o sapato bem devagar, como se isso lhe exigisse uma força hercúlea. Depois de muitas caras e bocas de desgosto sobre discutir o assunto, viu que eu não ia desistir.

– Fui ajudar uma senhora com uns pacotes e fiquei perto da sala de Aline, ouvi o que suas colegas fofocavam. Sobre o espanto da notícia de que Aline estava grávida e que... que podia ser de Diego.

– Aquele cafa?

– Esse mesmo.

Ô tadinho, Murilo tava a cara da desolação. Me cheguei para mais perto dele, fiz um carinho no seu cabelo, fazendo com que seus fios voltassem ao lugar. Ele apreciou o feito com uma esticada da boca, mostrando que não estava nada bem.

– Pode ser só fofoca. Vai ver nem é ela. Aline teria comentado, não teria?

Ele não parece muito certo quanto a isso.

– Não sei.

Como não? Aline era uma das pessoas mais corretas que já vi e sabe muito bem lidar com meu irmão... Ou será que foi tomada de pânico dessa vez?

Isso seria compreensivo.

– Como você tá?

Esfregando as têmporas, Murilo fecha os olhos.

– Não sei.

Nem sei por que perguntei mesmo.

– Tem que ver isso com ela, você sabe.

– Como que eu vou abordar isso? Melhor eu deitar. Tô com dor de cabeça.

– Murilo...

Ele tava de dar dó mesmo. Principalmente quando começa a viajar nas ideias:

– E se ela estiver grávida mesmo? E se... for dele?

– Como seria dele? Depois de todo esse tempo?

– Não sei, as meninas lá tavam fazendo as contas. Há rumores que Aline ficou mesmo com ele antes de ficarmos. Vai saber, eu não entendo dessas coisas. Me pergunte sobre meteorologia que eu sei, mas área da saúde da mulher, não.

E se joga na cama, de costas, revoltado. Suspira novamente cansado antes de meter um travesseiro na cara. Ele realmente acha que isso vá dá jeito na sua dor de cabeça?

– E se for... seu?

Ele puxa o travesseiro do rosto de supetão.

– Porra, Milena, eu já tô pirando o bastante, obrigado.

Dou a volta na cama, sento ao seu lado, compartilho de sua preocupação. Quando toco na sua cabeça, por instinto ele se vira para mim e se aproxima mais, mesmo chateado. Se bem que ele não está chateado comigo, mas com a situação.

– Desculpa, eu... eu só quero ajudar.

– Eu... eu amo aquela mulher, entende? E não é de agora. As coisas estavam bagunçadas, mas tavam se resolvendo aos poucos. Agora... ficou escuro de novo.

– Então espera ela abordar. Se for verdade essa gravidez, imagina quão difícil deve tá sendo pra ela.

– Não sei se aguento esperar.

– Quer tanto ser pai assim é?

Brinco, pra amenizar esse clima. Não importa se consigo ou não, Murilo me deixa que fique perto dele e conversa abertamente comigo. E não deixa de ser meigo a seu jeito meio torto de ser. Levo a mão a boca, emocionada.

– Não é isso. É que pensar que posso ficar sem ela... arhg, eu ficaria muito feliz se fosse pai.

– Ai meu Deus, já vou ser tia!

Foi quase um pulo, e ele me puxou de volta à Terra, uma expressão cuidadosa e temorosa estampada no rosto. Percebi a seriedade maior quando ele olhou diretamente em meus olhos, tocou minha mão com um pedido.

– Não, Milena, não me fala uma coisa dessas... não ainda.

Tratei de desfazer com um dedo o vinco de sua expressão.

– Ok, maninho, esfria a cabeça primeiro, conversa com ela... espera que virá. Se não, tome partido. Isso é muito sério pra ficar esperando um pelo outro. Ela pode tá em pânico uma hora dessas...

– Valeu.

Não sei é como ele não entrou em pânico é o que eu queria lhe dizer, porém engulo. Ele pode de fato entrar em pânico só por eu falar. Calmo certamente não está, pirando só um pouco. Murilo pode não externar em palavras, mas em pensamento sinto que está uma bagunça. Quase é possível ver as engrenagens se mexendo sob sua pele não há qualquer tranquilidade.

Quando retira seu celular do bolso que verifico a hora. Se não sair imediatamente, vou me atrasar, pois do jeito que meu irmão se apresenta, melhor deixá-lo imóvel com seus pensamentos. Mas assim que me movo para levantar, ele não quer permitir:

– Onde você vai?

– Tenho que ir, Murilo, o estágio, lembra?

Ele levanta rápido demais que fica tonto, então abaixa a cabeça para recuperar a orientação de si. De olhos fechados caça o celular pela cama, depois o encara e vê que está ficando tarde.

– Ai, merda, por que não me disse antes?

– Posso pegar um ônibus, tá? Fica aí, descansa, você tá precisando esses dias.

– Não, eu vô, eu vô, te levo. Não tô com fome mesmo. Preciso me distrair, senão fico maluco pensando nas possibilidades.

Mete o sapato de novo no pé, levanta-se com falsa disposição e só me sobra ser condescendente para com ele, pois sei que se tivesse de pegar um ônibus mesmo, já devia estar dentro de um para não chegar atrasada. Enquanto pego minhas coisas, Murilo se refresca na pia do banheiro, confiando nos milagrosos efeitos anestesiantes que um enxague de rosto pode nos fazer.

Quando entro no carro, abro delicadamente o caderno na página que estudava.

– Você sabe algo sobre sociedade empresarial?

– Sei o geral, acho. Por quê? Pra quê quer saber?

– Porque posso te relembrar, assim estudo e você não fica pensando besteiras.

– Contanto que eu não durma...

– Pode deixar, esse caderno é pesado o bastante pra doer caso você durma.

Ele liga o carro, e mal direciona um olhar pra mim. Atingi num ponto bom, tenho de mantê-lo interagindo.

– Bruta.

– Prefiro estrategista.

E pelos próximos minutos o assunto não saía dos tópicos das minhas anotações, com meu irmãozinho até respondendo bem. O que me preocupou muito, já que ele não costuma ter esses comportamentos.

~;~

Eu não tava errada, tampouco nem totalmente certa. Burlava meu serviço pra estudar a matéria de Silvana, dona de umas perguntas bem cabeludas quando se trata de prova discursiva, qualquer preparo é pouco. E quem me pegou? O chefão-mor... vulgo meu sogro. O susto foi tanto que senti que fora um flagra e até minha caneta caiu, meu livro se fechou num baque e o caderno bambou na ponta da mesa.

Ainda bem que não havia mais ninguém pra ver isso, preferi compartilhar do clima estranho só com Filipe mesmo, os outros estagiários estavam espalhados em reuniões, e graças, André fazia um servicinho que meu supervisor deixara. Sorte que eu já havia finalizado o meu, porém, pra aproveitar o tempo, não entreguei de propósito para não ter que fazer outro nesse meio tempo.

Naquele minuto de silêncio, de Filipe avaliando a situação e sacando o que eu fazia – ou não fazia, engoli a vergonha e fui a primeira a abrir a boca:

– Isso não é o que parece... quer dizer, é, mas eu... hã... eu...

– Não precisa explicar.

– É que tenho prova essa semana, das professoras mais exigentes, então qualquer minuto eu aproveito. Mas pode deixar que já vou entregar o relatório. Precisa de alguma coisa?

– Hã... na verdade, esqueci o que vim fazer.

Não era eu quem devia estar sem graça?

Desde o dia em que Filipe decidiu de vez se afastar de Vinícius, sinto um aperto no peito quando o vejo por alguns momentos, sozinho. É como se eu soubesse o que tem em mente, assim como ele sabe que eu penso sobre isso. Que não concordo, nem Iara. Ela ficou bem zangada com ele quando descobriu. Seu Júlio também, apesar de ficar meio dividido por causa de Djane e Vini.

Djane não ficou inteiramente feliz, não chegou a dizer muita coisa. Ela, quase tanto quanto Vinícius, queria muita distância de Filipe, por tudo que ele lhe fez e nisso eu não exatamente poderia julgar. É natural que se sinta ameaçada pela presença dele, se tivesse um comportamento diferente é que eu estaria preocupada. Mas Vini? Ele praticamente soltou foguetes, como se tivesse ganhado na loteria ou algo do tipo.

Foi durante a viagem à casa de minha mãe que eu e Murilo contamos o que houve, o que Filipe nos confessou. Por nenhum momento concordei com a animação de Vinícius, aquilo não era um caso para se comemorar, e sim se lamentar por tudo “acabar” àquela maneira. Apenas respeitei a posição de cada um, pedi que respeitassem a minha. Felizmente isso não rendeu alguma discussão, até porque não queria compartilhar essa história mais que o necessário e seria malzão ficar um clima estranho pela casa dos meus pais. Já havia acontecido uma vez, não precisava de outra.

Somente uma coisa deixamos eu e Murilo em suspensa. Não contamos ainda para Vini sobre o caso de Viviane, desde aquele dia, quase há 2 meses atrás, na época do carnaval. Já passamos até da Páscoa, Filipe o tempo todo buscando dados, os poucos que tinha, sobre Viviane. Até outro dia ele me comunicou que estava à procura da família dela, e que se não achasse nada, tinha em mente envolver um profissional, um detetive, que o auxiliasse melhor. Por enquanto nada confirmado.

Pouco nos vemos, e dessas vezes sempre na empresa, pois ele tem cumprido sua promessa de manter-se afastado. Suas visitas à casa do pai evitam os fins de semana, que é quando geralmente estamos todos reunidos com seu Júlio, que também não sabe como lidar com isso, porém mantém uma esperança de que este quadro mude. Queria muito fazer algo, principalmente quando vejo Filipe por aí e me bate aquela coisa no peito. Só que isso não diz respeito a mim, então meio que mantenho afastada também.

Murilo, por incrível que pareça, é o mais imparcial de todos.

Assim que começo a retirar o meu material de estudos, Filipe se aproxima para se abaixar e pegar minha caneta que ficara no chão. Ao me entregar, ele comenta:

– Não precisa interromper seus estudos. Vê-se de longe o quanto é esforçada.

– Valeu... eu acho. Quer dizer, prometo que vou me esforçar para não se repetir.

Ele ri minimamente, como algo que tivesse lhe clareado ou vindo de repente na cabeça. Ao que parece foi isso mesmo. Era um momento estranho, porque não havia intimidades entre nós. Nem muita formalidade... Era uma conveniência feliz.

Mas... como assim?

– Ah, seu orgulho. Já ouvi falar muito dele... Oh, não queria deixá-la sem graça.

Me sinto de qualquer forma.

Viro-me na cadeira, começo a juntar novamente as coisas sem saber por que o fazia, só remexia, e nem arrumava, a bagunça aumentava. Não que eu fosse me pronunciar mais sobre isso de qualquer maneira. O meu orgulho, não a bagunça, digo.

Só que não consigo deixar para lá, então toco no assunto, sem dar intenção de me aprofundar nele:

– Tudo bem. Então... hã... tá, agora que mencionou, foi Iara quem...?

Olhando significativamente para meu material da faculdade, Filipe se permitiu mais casual comigo. Chegou-se mais e sentou-se na cadeira do cubículo ao lado do meu. Não imaginava muita conversa com ele, e cá estou numa, sem aviso.

– Não, meu pai mesmo. Apesar de no começo do semestre Iara ter me avisado sobre o detalhe de não transparecer nosso... hã... suposto relacionamento. Lembro que ela havia dito que isso poderia lhe prejudicar de alguma maneira, pois você já sofria certo preconceito na faculdade por causa de Djane. No outro dia conversando com meu pai, o assunto surgiu e ele me contou sobre o caso do seu professor. Sabia que você era forte, não imaginava que era tanto.

Seu Júlio e Filipe conversando sobre mim. Seu Júlio e Filipe conversando sobre mim. Seu Júlio e Filipe conversando sobre mim? O que haveria pra contar? Se bem que consigo imaginá-los sentados, discutindo algumas coisas e, provavelmente partindo de Vinícius, chegaram até meu nome. É, deve ter sido assim.

Quieta, na minha, ouvia seu tom delicado e calmo, bem diferente do que me acostumei dele – e não havia muita referência nesse caso. A tristeza só então tem ficado muito evidente, as palavras sempre têm um quê de quem observa de longe, pois somente de longe ele tem algum tipo de acesso – se isso pode ser chamado assim.

Só acho que Vinícius não precisa ficar todo aos abraços com o cara; que ao menos houvesse certo respeito, mesmo distantes, que não parecesse uma coisa brusca.

Ainda que Filipe possa se apoiar em seu Júlio e em Iara, não é o ideal. Acontece que cada um tem seu tempo-a-tempo. Filipe, por exemplo, tem se reaproximado do pai, este que me diz vez e outra sobre como algumas coisas nessa família deram erradas e até então estão na tentativa de consertar. Quem vê ou ouve que eles se encontram muito pode achar que estão às mil maravilhas. Não, não é bem assim. Mas estão mais abertos.

Agora vejo que não é só comigo que “meu vô-sogro” faz isso, ele conversa com o filho sobre mim. Sinto-me estranha de novo por ter essa informação, por ser um tópico de conversa entre esses dois. Iara ok, eu entendo... Mas seu Júlio? Meu “vô-sogro” gosta de nos levar nuns papos...

Essa história sobre meu professor, por exemplo, parecia ter acontecido há anos atrás, e nem começou ainda a ser esquecida. O fantasma do professor Bart ainda ronda aquela faculdade em comentários por alto, arranjaram logo um substituto. Professor Carvalho teria se candidatado se não tivesse certa relação estreita com os envolvidos, coisa que vai além disso que eu sei – eu e Gui, na verdade, que vimos um beijo rolar entre Renato Carvalho e professora Garra, um dos alvos fáceis do professor que me assediou. Moralmente, tenho de lembrar a todos todas as vezes.

E agora que Filipe soube praticamente.

– Ah. É, foi muita força desperdiçada talvez.

Filipe então me sorriu mais aberto, porém, acanhado, e talvez receoso de meu comportamento para com ele. Afinal, não éramos exatamente “amigos”.

– Aposto que deixou todo mundo louco.

Mas sabe? Me deu um feeling bom. Estranho e bom, na realidade. E aí me vi sorrindo de volta, ainda que as imagens retornando sobre isso não fossem nada boas.

– O senhor não imagina o quanto.

Só de lembrar que Murilo me deu as costas de tão magoado que ficou, tenho medo do que faça quando souber de outras histórias mais que não consigo revelar. Depois desse episódio do professor Bartolomeu, muitas vezes criei roteiros mentais sobre como eu poderia finalmente me abrir, e nada, nada saía.

É uma coisa que, sei lá, como guardei por tanto tempo, soa melhor que fique onde está. Se bem sei é que todas as vezes que tentei trazer a verdade a tona, não só para Murilo, muita coisa ruim vinha acompanhado. Como uma bagunça escondida num armário, não há previsão dessa história suja ver a luz do dia.

Meu chefe interrompe meus pensamentos, gentil:

– Se puder me chamar por você, ou só de Filipe...

– Acho que... que não seria adequado. Sou uma simples estagiária para tanta...errr... consideração. As pessoas podem ver de um mau jeito...

Vide vários rumores que passeiam pelos corredores da minha faculdade.

Filipe parece meio decepcionado, embora entenda.

– Sempre tão preocupada... Mas acho que cabe a mim ver isso como respeito ou não, não acha?

Fico incerta. Nota-se pelo modo em que mexia na caneta por entre meus dedos e por não ter retrucado de imediato. Havia uma vibe diferente, eis o fato.

Uma trégua, uma compreensão? Me pego rindo sem muito rir, já que a comicidade é áspera para a situação. É uma coisa que certamente não poderia adivinhar que aconteceria comigo, conosco. Ser casual com Filipe. Ou mesmo ter algum tipo de coleguismo.

Mas preciso que compreenda minha situação.

– Sim, mas... senhor sabe, sou orgulhosa. Não quero que pareça, que soe, que mostre que tenho alguma preferência aqui dentro. Sou nem funcionária oficialmente. Estou num patamar muito abaixo, nem deveria estar de papo com o senhor. Principalmente depois de ter me pego estudando em hora imprópria.

– Você realmente se preocupa demais, Milena, e se rebaixa demais. Tem feito um bom trabalho que eu sei, ouço o que meus funcionários falam nessa empresa. Pode ser uma estagiária, porém, não está em um patamar baixo. Está muito além do que pensa.

– Obrigada... Então, assim que lembrar o que veio fazer, só me dizer.

– Já lembrei, faz uns minutinhos. Só não disse nada porque é bom conversar com você, gosto disso. Mesmo que não tenhamos tido muitas chances...

Ó Deus, dois acanhados conversando dá nisso.

E em pensar que em outro dia, outros tempos, tivemos numa delegacia.

Antes que eu diga qualquer coisa mais, ele entra no assunto sobre qual me procurava:

– Bom, vou viajar essa semana, tenho uns trâmites para resolver numa filial. Consegui localizar alguns dos pertences de Viviane, num local secreto em que eu guardava e achei ter perdido. Ainda considero muito a história do detetive, no entanto, preciso de alguns materiais para facilitar o profissionalismo dele. Era isso, já me retiro... Boa sorte nas provas.

Meu chefe se levanta com cuidado ao passo que eu ainda processava a informação, ele um pouco mais firme em comparação com quando ele me abordou de início, vacilante. Observo-o ajeitar sua vestimenta social, olhando de um lado para o outro. Talvez estranhasse o fato de eu permanecer sozinha, pois os donos de todos os pertences ao meu redor demoravam a aparecer. Estavam em outra sala, outro departamento.

De pé, já se retirando, me deseja boa tarde, educado, e, quando iria para a sala de reuniões, ele se volta para mim e...:

– Milena?

– Oi?

– Feliz aniversário.

Me estende a mão para apertar a minha, que, por impulso, em função do cumprimento, cedi. Então fomos interrompidos pelo cidadão mais idiota do mundo que adentra a sala de supetão com seu palavreado nada educado e estaca ao nos ver:

– Ah, obrig...

– Merda de estágio, c* de serviç...

André para de falar assim que percebe quem está presente ali, o chefão, e, pego em flagra ruim, novamente, me sinto bem melhor quanto ao meu, que realmente não chega perto dos seus. Puxo minha mão delicadamente de Filipe, André nem parece me ver. A bandeja que detinha em suas mãos, o pano de limpar em outra, foram escondidos atrás de seu corpo. O supervisor Thiago havia o mandado na missão de oferecer cafezinho e biscoitos aos clientes. Até eu queria ter visto.

– Senhor Muniz! Hã... boa tarde. Precisa de alguma coisa?

Prontamente, o chefe o responde em tom autoritário:

– Nada demais, vim consultar o Thiago, mas vejo que ele está em reunião. Contato ele outrora. Diga para que passe em minha sala mais tarde.

– O-okay, senhor. Desculpe, senhor.

Assim que o “chefão” saiu, e voltei ao relatório e às outras papeladas na minha mesa, ouvi um resmungo de André que me tirou do momento de diversão pela idiotice dele. Ele chama Filipe de “mala”. Num segundo eu ria ainda pelo flagra passado, noutro senti uma coisa se remexer dentro de mim.

E vi que então me encontrava em um campo minado quando uma voz na minha cabeça se indignou e quase o defendeu, mesmo sobre uma pequena ofensa – se isso pode ser chamado de ofensa.

Era com isso que Vinícius sempre se preocupava.

Que Filipe atingisse de alguma maneira meu coração e assim teria algum caminho para o dele. Na minha cabeça significava um tamanho conflito, e na de Vinícius, um muito pior que eu nem sabia por onde começar.


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Notas finais do capítulo

Já pode botar no colo, pq né.



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