Réquiem Para O Desafortunado escrita por claris1695


Capítulo 2
Sobre Rainhas e Generais




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/418600/chapter/2

Sobre Rainhas e Generais

Barnabás estava irritado. Havia sido acordado no meio da noite para uma reunião de emergência na qual não fazia ideia do que se tratava, e se tinha uma coisa que ele odiava era o inesperado. O lema que guiava sua vida era estar preparado para tudo. Porém tudo é uma palavra muito abrangente, e por mais preparado que ele estivesse, ainda poderia ser surpreendido.

Ele apertou os dedos na palma de sua mão com uma força que quase fez unha cortar pele e fungou o nariz em sinal de descontentamento. Seu filho mais velho, Thomas, estava decidido a abandonar os negócios da família para seguir o sacerdócio. Apesar do garoto ter negado ferozmente, ele sabia que essa decisão tinha sido fruto de uma desilusão amorosa. Barnabás estava particularmente feliz que aquela moça, filha de um bajulador real tinha deixado seu filho em paz para fugir com um mercenário... Mas em troca de quê? Após ser feito de trouxa, Thomas estava obstinado a servir os deuses.

 Ao caminhar pelos corredores estreitos dos fundos do castelo a irritação de Barnabás só aumentava, não pôde deixar de perceber a escassez de guardas ao redor do castelo.  E os poucos que tinham pareciam estar prontos para desabar em uma cama se a oportunidade lhes fosse dada. Não podia culpá-los, ser acordado àquela hora para resolver assuntos oficiais não estava entre as coisas que o agradava.

“Soldado, para onde estamos indo? Você tem alguma ideia do que isso se trata? Quem está a minha espera?” O soldado que antes apresentava uma expressão neutra, o fitou com um olhar que revelava confusão.

“Qual das perguntas respondo primeiro, general?”

“Todas, seu inútil!”

“Hmm, estamos indo para o penúltimo cômodo à esquerda deste andar, não sei do que se trata, apenas que vossa majestade está lá a sua espera.”

“O que o rei poderia ter para falar comigo numa hora absurda como esta?”

“O rei não, general.” O soldado parou de frente a uma porta e a abriu, revelando as costas de uma silhueta feminina, e ele conhecia bem aqueles cabelos louros castanhos. “A rainha que te espera.”

-

Qualquer um dos convidados poderia confirmar que cerimônia era digna de um rei. Apesar do momento não ser oportuno para o tesouro real despender tanta riqueza.

‘A festa é sim digna de um rei... Um rei rico!’ Retificou mentalmente o general Barnabás. Pois ele sabia que naquele momento a realeza estava quase falida. Mal haviam saído de uma guerra... Sem contar que o velho rei Elias, pai de Carac, havia sido enterrado há menos de dois anos.

Uma pequena reestruturação dos Domínios fez com que a economia real começasse a engatinhar. Mas ainda assim, a moeda ainda era escassa, e o mísero lucro que vinha dos impostos era quase todo usado para pagar dívidas locais.

Após a guerra, os maiores partidários da realeza estavam de volta a seus Domínios para tentar reerguer seus negócios após a devastação provocada pela última batalha. A batalha que decretou o fim do conflito e culminou com a derrota e completa humilhação de Dumian.

Perdas de território, dívidas impagáveis e incontáveis mortos. O que antes era chamado de Império, agora era pouco mais que uma grande porção de terra, uma terra que se resumia a focos de Capitais e Domínios e uma gigantesca floresta que para todos aqueles que não eram caçadores ou madeireiros, podia ser considerada inútil.

Os portos ainda estavam tomados pelas tropas do inimigo. Este que fazia questão de relembrar a sua superioridade, que, após uma guerra tão sangrenta e desoladora, era inquestionável.

Antes da invasão do castelo central, tinham os muitos que ainda sonhavam com a vitória das tropas amigas. Mas esses muitos logo tiveram suas bocas caladas quando aquele ser implacável que antes apenas governava as Ilhas Geladas, arremessou a cabeça decepada do rei Elias em direção ao que restava das tropas amigas. Um ser tão impiedoso quantos seus soldados que o viam como herói. Eles o chamavam de O Conquistador, e o fato era que ninguém negaria a verdade daquele apelido.

Carac assumiu a posição de seu pai durante um certo período de incertezas, a tensão sobre sua posse era palpável nos Domínios. A oposição só crescia, e muitos generais aliados de seu defunto pai não queriam que ele vestisse a coroa.

O próprio General Barnabás estava cético se o reino se reergueria sob o domínio de Carac. Porém, não havia nenhuma outra figura imediata para assumir em seu lugar. E ninguém queria ou tinha condições de iniciar outra guerra após os estragos da última.

Para o resto da população, no entanto, Carac representava a esperança de algum dia conquistar a glória que não lhes foi concedida.  Mas isso não mudava o fato que Carac começava a governar com o legado de sua família enfraquecido.

E agora este mesmo rei que assumiu rodeado de oposições mostrava mais uma de suas qualidades não tão atrativas: era um esbanjador.

Embora houvesse aqueles que afirmassem que o casamento entre o rei e a filha do General Soberlan do Domínio da Costa Oeste era um tanto precoce, todos reconheciam a necessidade de uma rainha para sentar ao lado do rei.

E enquanto muitos achavam que seu segundo casamento havia sido uma armada política assim como seu primeiro casamento, aqueles que eram próximos da realeza sabiam que, diferente do primeiro matrimônio, o segundo trazia sentimentos reais de Carac, ainda que, ao contrário de seu pai, o General Soberlan, pouco se soubesse sobre sua noiva Ágatha.

Soberlan, o General da Costa Oeste, era considerado um dos mais prósperos antes da guerra contra os inimigos das Ilhas Geladas. E, diferente de todos os outros generais que tiveram suas colheitas e empreendimentos comercias praticamente destruídos após a guerra, a família Soberlan apenas se fortaleceu. Isso porque ela era a principal fornecedora de armamentos e armaduras para as tropas de Dumian. Sem contar que os reinos vizinhos que temiam uma invasão sucessiva também lhes compravam os produtos.

A localização de suas terras também os beneficiava, pois era preciso atravessar uma floresta densa ou invadir territórios vizinhos para chegar a seu Domínio. Sem mencionar o fato de que a Costa Oeste é a região mais distante do litoral onde os inimigos começaram a invasão.

Isso tornava lógica e politicamente astuta a escolha de Carac. Pois além de adquirir um aliado forte, o rei encurtou os laços com um dos seus principais vendedores, o que sem dúvida aliviaria os custos das compras feitas para suas tropas.

Uma atitude que para Barnabás era muito engenhosa para um rei que não era conhecido por sua perspicácia. Mesmo em assuntos óbvios, Carac nunca parecia enxergar respostas que estavam de frente a seus olhos. 

Foi pensando no assunto que Barnabás percebeu que a decisão de se casar com a filha de Soberlan estava longe de ter sido feita por motivos meramente políticos, ele estava enfatuado com a jovem Ágatha, que mal havia se casado com o Carac, e já tinha postura de rainha.

Na cerimônia de casamento, A família Soberlan compareceu em peso. Desde o próprio General Soberlan, até o mais distante de seus primos. Era como se o General estivesse usando aquela data como marco de ascensão de sua família.Como prova de sua soberania.

E como um tolo, Carac usava o dinheiro real para fermentar a vaidade de um homem só. Porém, ao olhar em direção ao homem risonho sentado no trono, Barnabás sabia que sua realeza estava muito mais preocupado em oficializar a união com sua nova prometida, Ágatha.

Ao procurá-la com os olhos pela multidão, Barnabás a viu próximo de seu pai, o general Soberlan, e de seus irmãos.

O irmão mais velho, Millo, aparentava estar sendo entediado por sua esposa que tagarelava em seu ouvido, era um jovem esguio e pálido que beirava os trinta anos, estava vestido impecavelmente para ocasião, e aparentava ser do tipo que cultivava mais frescuras que uma vendedora de frascos aromáticos. 

Cecília parecia uma flor delicada, esbanjava mais insegurança que qualquer outra jovem de sua idade, o que era alarmante. Bem diferente de Ágatha, que ele apostava, seria uma rainha muito segura de si.

E para terminar, havia Ester, que ainda era uma criança próxima dos oito anos. Tinha cabelos louros castanhos e estatura acima da média, e além de olhar curioso sobre um rosto inóspito, ela não deixava escapar ou não possuía outros traços de personalidade expressivos.

-

O sorriso aberto de Ester contrastava intensamente com a expressão que ela tinha da primeira vez que o general Barnabás a viu.

No casamento real entre sua irmã mais velha Ágatha e o rei, Ester era apenas uma criança. Agora que ocupava o lugar que pertencera à sua irmã no trono, já era uma mulher. Barnabás não tinha certeza qual das duas ele preferia, mas Ágatha jamais o acordaria à uma hora tão absurda para discutir o que ele não fazia idéia.

E a presença de Ágatha nunca o deixou tão inquieto. Ester não possuía a serenidade da irmã, em vez disso, ele a considerava totalmente imprevisível, seu olhar não revelava nada sobre o que ela desejava discutir no momento, por exemplo.

Era como se ela o estivesse avaliando muito antes dele poder lhe dirigir a palavra, e isso o deixava ainda mais nervoso. Até que ela finalmente o encarou e sorriu cinicamente.

“Desculpe-me pelo horário, General. Eu queria chamar o mínimo de atenção possível.” Eu olhei de forma desconfiada para ela, franzindo a testa, e mais uma vez ela sorriu. “Como vai a família? Parecem anos desde a última vez que conversei com Bernadete...”

“Minha família está bem, minha rainha. Porém não creio que a vossa majestade tenha me chamado para discutir sobre meus familiares.”

“Bem perceptivo da sua parte, general.” O guarda que tinha acompanhado Barnabás já havia se retirado quando Ester olhou para os dois lados do corredor fora do cômodo e fechou a porta. “Não, eu o chamei aqui para discutir outro assunto.” Ela disse ao se virar e olhar mais uma vez para ele. “Um assunto mais delicado, tenho que acrescentar.”

“Estou ouvindo, minha senhora.” Ester começou a caminhar na sua frente com passos vagarosos de um lado para o outro, provavelmente tentando organizar suas ideias.

“Você sabe que viemos de uma temporada de relativa paz. Apesar dos abusos aos quais somos submetidos, os toleramos para evitar uma guerra como a que nos passou há quase duas décadas atrás. Mas eu me pergunto, por quanto mais tempo poderemos suportar esta situação. E caso não suportarmos, estaremos prontos para uma nova guerra?”

“Não tenho certeza se entendo plenamente o que dizes...” Ester parou e o fitou com uma expressão de preocupação.

“Meu marido está sendo pressionado. O clima está muito instável, e as lavouras pouco prósperas. Os inimigos estão levando cada vez mais escravos de nossas terras. Os impostos arrecadados são usados para pagar as dívidas da guerra, enquanto cuidamos de uma nação que ainda está doente. Se um novo confronto surgir, temo que não estejamos preparados...”

“Sei o que quer dizer. E até sou obrigado a concordar. Mas isso ainda não explica o que eu estou fazendo aqui.” Ester olhou para ele por alguns segundos e respondeu.

“Precisamos de algum tipo de vantagem sobre o inimigo. E no momento, estamos feito cegos. Eles sabem tudo sobre a gente, e nós, nada sobre eles.” Ester aproximou-se de Barnabás e falou em um tom mais baixo. “Precisamos saber como eles trabalham... Por esse motivo necessitamos de um espião.”

“Até seria uma boa idéia se houvesse alguma forma de infiltrá-los. Mas temo que o círculo de governo lá é bem fechado. Eles não confiam em ninguém de fora.”

“E se infiltrássemos alguém que fosse deles?”

“Não entendo.”

“Eu te chamei aqui porque sei que tens uma posição de comando na masmorra. Ninguém entra ou sai sem sua permissão. Sei que há alguns anos vocês aprisionaram um jovem suspeito de ser filho do Conquistador com uma escrava dumiense. Pois bem, é deste rapaz que precisamos para descobrir as fraquezas das Ilhas Congeladas.”

Barnabás estava certo. Ester era sim extremamente imprevisível. Pois discutir sobre a possibilidade de recrutar um espião para descobrir segredos inimigos era última proposta que ele esperava ouvir da rainha.

A linha que antes ele considerava tênue da diferença entre Ágatha e Ester havia se tornado subitamente em uma diferença abismal de personalidades. Ester estava disposta a tomar a dianteira na luta contra a imposição inimiga. Mesmo que debaixo dos panos.

Ele não sabia o que tirar disto. Mas foi naquela noite que o General Barnabás viu em Ester uma potencial candidata a governar Dumian, isto é... se o cargo não estivesse ocupado por seu marido.

“Eu me importo profundamente com meu povo, general. E estou disposta a agir diante a inércia de meu marido. Porém de forma discreta. Por isso mesmo preciso da sua ajuda.”

“Preciso que liberte o Híbrido.”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Réquiem Para O Desafortunado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.