Esperar escrita por Lawlie
Notas iniciais do capítulo
Espero que o capítulo não tenha ficado estranho...
Esperar era uma palavra engraçada. Significa aguardar, ficar algum tempo até que algo – esperado ou não – aconteça. Os adultos dizem isso. Alguns nem sabem explicar.
Sentei no ponto de ônibus e esperei.
Meu nome é Nathan, tenho 14 anos e sou uma pessoa comum numa cidade comum num país comum (ou não) num mundo comum. O que eu fazia da vida antes disso tudo acontecer? O que boa parte dos jovens da minha idade fazem. Estudar. Ouvir música. Ajudar meu pai no trabalho dele, e meu tio, de vez em quando. Jogar vídeo-game nos fins de semana. Sair com os amigos, e... só. Mais nada. Nada mais que isso. Essas eram as coisas a qual minha vida se baseava e resumia. Minha existência se dedicava a nada mais que isso desde que minha irmã morrera.
Estava fazendo justamente uma dessas coisas quando avistei uma garota parada sentada no ponto de ônibus. Tinha os cabelos louros angelicais e olhos azuis que lembravam os da minha mãe. Isso seria completamente normal se ela não estivesse lá há umas 11 horas, desde que eu havia chegado para o trabalho. Encarei-a e ela sustentou meu olhar. Ficamos assim durante um longo tempo, até que eu voltasse a me concentrar no que fazia. Logo depois, tornei a olhar. Ela continuava encarando. Por fim, resolvi ir até lá sem saber bem o porquê. Talvez por que ela me observava como se tivesse o vago pensamento de que me reconhecia de algum lugar.
– Oi – falei ao atravessar a rua – O que você ta fazendo aí?
– Esperando. – ela respondeu simplesmente
– Esperando o quê?
– Só esperando. Quer esperar comigo?
Achei-a meio maluca, mas mesmo assim me sentei a seu lado. Ela usava roupas de estudante – as típicas das escolas do Japão, eu acho – sentava-se com a postura perfeita e descansava uma grande mala verde-clara retangular no colo. Olhava fixamente para a frente e de vez em quando cantarolava algum trecho de música.
– Qual seu nome? – perguntei, por fim.
– Ahn... meu nome... – começou a responder, como se tentasse lembrar. Passou os olhos pelos carros estacionados e placas de lojas. Parou-os numa placa específica, “Juliet Style” – Ah! É Juliet.
– Posso te chamar de Julie?
– Pode - voltou a ficar em silêncio.
– Meu nome é Nathan. Prazer em conhecer – falei, tentando quebrar o gelo
– Nathan? – ela me encarou – Bonito nome. Muito bonito mesmo.
– Obrigado, eu acho – respondi, murmurando – Onde estão seus pais? Eles não vão vir te buscar?
– Pais? Eu não tenho mais pais. E eles nunca vão vir me buscar. – deu um sorriso triste e solitário – Eles não podem.
– Você... fugiu de casa? Não tem para onde ir?
– Estou esperando um lugar para ir.
– Será que você não quer passar a noite lá em casa? Quer dizer, você não planeja ficar nesse ponto de ônibus a noite toda, né?
– Ônibus... – ela franziu ligeiramente o cenho – O que é um ônibus?
– Ta falando sério mesmo?
Ela continuou me encarando, esperando a resposta.
– Bem... ônibus é um tipo de carro grande onde cabem vários passageiros.
– Ah. Um carro eu sei o que é.
– Então, vai ficar plantada aí mesmo?
Ela tirou uma folhinha da manga da camisa.
– Está tudo bem.
– Valeu – respondi, desistindo, e segui para o outro lado da rua. Parei antes de entrar e fiquei olhando para o fim da rua. Dois homens vinham rindo e brincando entre si, bêbados. Continuei observando-os. Se eles decidissem fazer algo com Julie, eu teria de me meter. Encostei as costas no portal. Eles andaram. Andaram. Chegaram em frente de onde Julie estava sentada.
– E aí, menina? – um deles disse, alto demais.
– Olá. Boa noite. – Julie respondeu gentilmente
Os homens se entreolharam. Meu corpo enrijeceu.
– O que a mocinha ta fazendo aí sozinha? – perguntou o outro, se aproximando.
– Esperando alguém. Ele já deve estar chegando, aliás. – ela parecia ter um pouco de cérebro, afinal.
Os caras hesitaram e acabaram recuando. Continuaram o caminho.
Relaxei. Mesmo assim era loucura. Deixar aquela garota de onze, treze anos no máximo ali sozinha naquela rua. A loja de meu tio era a última a fechar. Fui até lá de novo.
– Vamos. Dorme lá em casa hoje.
– Na sua casa? Tudo bem.
Era estranho como ela repetia as palavras da frase só para depois responder. Além disso, era meio perigoso aceitar ir para a casa de um garoto que você acabou de conhecer e que poderia se aproveitar de você por ser mais forte até de mãos atadas. Talvez ela sofresse algum tipo de amnésia ou algo assim. Levei-a até a loja e meu tio. Ele começava a fechar as portas.
– Tio... Essa é uma amiga minha. Ela não tem pra onde ir hoje. Será que você não dava uma carona nela até em casa? Ou ela vai passar a noite sozinha nessa rua. – falei, torcendo para ser um dos dias em que meu tio estava legal
– Claro que dou – respondeu, com seu sorriso de dia legal, virando para Julie e avaliando-a. – Muito bonita. Sua namorada?
– Claro que não, droga, é só uma amiga, tio, será que você e as tias vão perguntar isso sempre que eu estiver com uma garota do meu lado?
Ele pareceu sem graça.
– É que você está segurando a mão dela. Por isso.
Bufei. Como eu adoro meus tios.
Ele nos levou até o carro e entramos. Julie e eu sentamos no banco de trás. Não larguei sua mão. Meu tio foi puxando conversa durante todo o trajeto, com Julie respondendo educadamente e comigo olhando pela janela sem dizer nada. Quando chegamos, saímos do carro, agradecemos a meu tio e entramos em casa.
– Mãe? Vem cá um minutinho? – chamei, soltando a mão de Juliet.
Minha mãe veio até a sala, secando as mãos no avental.
– Essa é minha amiga. O nome dela é Juliet. Será que ela pode dormir aqui hoje? Ela não tem para onde ir. – e pressenti que ia repetir aquilo durante um bom tempo.
Mamãe examinou-a. – Pode, tudo bem. Uma semana, se precisar. Bem vinda, mocinha. Mas só por que você me parece muito simpática e tem os olhos da mesma cor que os meus. – ela riu
Julie riu também, mas pareceu com vergonha de dizer qualquer coisa
– Mostre para ela o quarto... de visitas – senti uma dor parecida com a dela ao pensar naquele quarto – Depois ela pode tomar um banho e jantar com a gente, tudo bem, Juliet?
Julie assentiu e correu comigo até o quarto. Dava pra perceber pela cor das paredes que o cômodo pintado de branco gelo havia um dia sido rosa e lilás. O guarda-roupa parecia triste e vazio, e a cama mais solitária ainda. Havia um canto com um lençol cobrindo coisas, e eu sabia que embaixo dele havia brinquedos. Nenhum de nós lá em casa conseguia jogá-los fora nem doar, e nenhuma visita que dormia naquele quarto sequer olhava naquela direção. Juliet se jogou na cama como se sentisse em casa até que emitiu um gemido.
– Ai... minhas pernas... Doem tanto, isso dói – sua expressão era de quem se esforçava pra não sentir dor
– O que foi? – perguntei, me aproximando e pondo a mão sobre uma de suas pernas, checando se havia algo quebrado
– Minhas pernas estão doendo... só isso – choramingou ela.
– Acho que você precisa descansar. Pegue alguma roupa limpa e tome um banho quente. Vai se sentir melhor. Sua viagem deve ter sido muito cansativa – falei tranquilizadoramente, perguntando-me como raios eu sabia que ela tinha viajado.
– Foi muito demorada e longa, - concordou ela, descalçando os sapatos e se apoiando levemente em mim até chegarmos ao banheiro. Ela ficou na porta, me encarando.
– O que foi agora? – perguntei.
– Estou esperando você vir me ajudar, ué.
Meu rosto esquentou de imediato. Entrei e liguei o chuveiro.
– Aqui você esquenta ou esfria a água. Pra desligar, é só girar pra direita. Ali tem o xampu, um sabonete novo e uma toalha limpa b em aqui. Pode usar o vaso quando tiver vontade.
– Vou tomar banho sozinha? – perguntou, surpresa.
– Isso é meio óbvio, né? Não posso ver você sem roupa e nem vice-versa. – expliquei, com o rosto avermelhando como um pimentão.
Ela assentiu. Saí do banheiro e fechei a porta atrás de mim. Aquela menina era maluca?
– Algum problema, filho?
– Tirando que aquela garota doida queria tomar banho comigo, tudo normal.
– E você aceitou?
– Claro que não. Não sou maluco.
– Ah, tudo bem. Escuta, filho, você já beijou aquela garota?
– Não, mãe!!
Ela assentiu. – Olha, filho, me promete uma coisa? Vocês podem andar juntos o quanto quiserem, se abraçarem, se beijarem no rosto... Mas, por favor, vocês NUNCA vão se beijar nos lábios, promete? Eu tive um sonho estranho esta e noite e não quero que você a beije. É perigoso, entende?
– Não, mãe, não entendo, mas prometo sim, como a senhora quiser. – respondi, sem questionar, já começando a ficar com vergonha. Ela falara de um jeito que dava a entender que ela preferia que eu tomasse banho com Juliet do que a beijasse. Óbvio que eu não planejava uma coisa nem outra.
Assim que Julie saiu do banho, foi assistir televisão na sala, enquanto eu ia tomar banho e minha mãe terminava de fazer o jantar.
O jantar rolou normalmente. Eu tinha medo de que Julie fizesse perguntas sobre coisas extremamente comuns e começasse, por exemplo, a comer com as mãos sem saber o que era um garfo. Nada disso aconteceu. Meus pais a adoraram (sim, minha mãe tratou de a apresentar à meu pai assim que ele pôs os pés em casa).
Assistimos televisão em silêncio e na hora de dormir ela também se comportou normalmente, sem esquecer o próprio nome.
Dei os últimos ajustes a seus cobertores e apaguei a luz. Sua vozinha veio do meio da escuridão, e eu apostava que ela estava sorrindo gentilmente:
– Obrigada, Nathan.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Obrigada por lerem!