O Quarto Rosa escrita por Lótus


Capítulo 11
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Tudo novo



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/417917/chapter/11

Fazia dois meses que havia tido alta do hospital, desde o meu ultimo dia no hospital, muitas coisas aconteceram, minha vida havia mudado e muito. Meu ultimo dia no hospital foi emocionante, éramos quase uma família, pois, morei por quase três meses lá, eu já tinha minhas enfermeiras prediletas, o médico era um deus para mim, era bonito, preocupado, deu um milhão de recomendações para minha mãe.

Fizeram uma festinha de despedida, com muito carinho, me desejaram sorte, muita sorte na nova vida. Dessa forma, deixei o hospital, dei uma ultima olhada no meu quarto azul, testemunha de muitas dores e muitas alegrias também, sorrisos, choros, lembranças e saudades. Assim, retirei-me lançado-me dessa vez para o novo, mas antes observei meus pés e pude notar que ficaram quase normais, exceto pela estética do pé esquerdo que ainda insistia em demonstrar que sofrera queimaduras de terceiro grau. No entanto, não perdi nenhum dedo, estava com todos. O pé direito era, portanto, quase normal, os sinais de queimaduras cicatrizaram bem, mas o esquerdo...

 Como ia dizendo, ao sair do hospital minha vida passou por um giro de quase 360º. Minha mãe alugou uma pequena casa no mesmo bairro dos meus avós maternos, eu não lembrava-me deles antes, apareceram muitas pessoas dizendo serem meus parentes, que antes não conhecia, enfim. Minha mãe havia se aproximado muito do homem que ela diz que era meu pai e que eu ainda via esporadicamente, sendo que todas as vezes que ele ia me visitar levava presentes.

Mais tarde pelo o que entendi minha mãe separou do meu padrasto, ficamos por pouco tempo morando na pequena casa que ela havia alugado, sendo que depois de certo tempo, antes de ingressar na escola, fui morar com meus avós maternos, porque minha mãe começara a trabalhar, e eu a via muito pouco, quase nada.

Fui morar com meus avós, e com o tempo notei que minha avó foi à pessoa mais incrível que pude conhecer uma senhora muito doce, pequena, magra, dona de um jeito cativante de ser, em tudo o que fazia, a quilômetros de distância poderia se sentir o amor que dela emanava, a voz doce que tinha sempre ao dirigir-se para qualquer pessoa que cruzasse seu caminho. Ela também sabia ser muito firme quando a situação exigia. Seu nome? Dona Hortênsia e seu esposo, meu avó que aos poucos fui conhecendo seu Margarido. Então eu estava mesmo em um jardim.

Antes de ingressar na escola, já não morava mais com minha mãe e meu padastro, não morava mais na fazenda e sim em uma pequena casa repleta de plantas, muito confortável, localizada em um pequeno bairro na cidade localizada perto do fim do mundo.

Comecei a frequentar a escola, tudo muito, muito, mas muito novo para mim. Eu me sentia como uma matuta, uma matutinha, pois, sempre fui de pouca estatura e quase franzina. Na escola eu tinha receio de abrir a boca, assim quase enlouqueci, nunca havia visto antes crianças de todas as idades, cores, aspectos, tamanhos, todas juntas e misturadas. Eu poderia passar horas só admirando cada uma dessas crianças, como andava, gesticulavam, iam e vinham, em uma frequência alucinante, eu poderia ficar horas ali, em um canto da escola, perto do muro quase escondida.      Na escola produziam muito barulho, por vezes meu ouvido doía, eu não conseguia entender o que diziam umas as outras, falavam todas ao mesmo tempo. O sinal de ir para a fila para adentrar a sala de aula, sempre me despertava desse mundo particular, eu não tinha mais tempo de imaginar nada, porque o cenário era muito rico e não me deu tempo algum para recolher-me em meus pensamentos. Sinceramente. De onde vieram tantas crianças? Por que era importante estarem todas reunidas, ali naquele ambiente chamado de escola? Será que todas essas crianças tinham pais? Será que tinha pelo menos uma criança que fosse como eu? Tivesse sido queimada e vindo da fazenda? Eu olhava ao redor, e duvidava muito, porque elas passavam por mim como se eu não existisse, elas esbarravam em mim, e nem me olhavam. Eu passava mesmo despercebida por todas elas.

 Quando foi definida minha turma, observei que a sala de aula estava lotada, e tinha muitas meninas e meninos também, todos falavam entre si como se conhecessem há mil anos. Eu estava um pouco desapontada, pois acreditava que era fácil fazer amizade, que bastasse um sorriso, e que as crianças se aproximariam uma das outras. Mas eu havia me enganado... redondamente.

No terceiro dia de aula, duas meninas aproximaram de mim, estavam curiosas, queriam saber onde eu morava com quem, quais eram meus brinquedos, o que eu tinha ganhado no natal. Respondi todas as perguntas muito animadas, acreditando assim, que logo surgiria uma amizade, mas ao me ouvirem, minhas tímidas respostas, saíram e nem falaram mais nada. Talvez eu não tenha contado a elas nada interessante. Mas o que seria interessante para elas?

Na segunda semana, a mesma história se repetiu, repetiu e repetiu até que uma turma de garotos aproximou de mim, sorrateiramente, olharam meus pés, eu estava de sandálias, e começaram a cochichar entre si, até que um deles que parecia ser o líder da turma gritou a pleno pulmões:

__Gente olha o pé dessa menina. Ela tem unha de tatu.

E logo entoaram um canto: “ela tem unha de tatu, unha de tatu, unha de tatu”. – Aquelas vozes que soavam como um deboche ritmado conseguiu atingir o âmago do meu ser. Se eu me sentia como um bicho do mato, agora sim, sentia-me como uma avestruz, pois tudo o que eu queria era encontrar um buraco no chão e enfiar minha cabeça dentro e ficar lá para sempre. Com esses sentimentos de rejeição acabaram de vez qualquer vontade de ser amiga ou ter uma amizade naquele local. Senti como se facas adentrassem minha alma. Aquela dor era física, porque era a dor da vergonha, vergonha em ser tão diferente das outras crianças.

Eu chorava. Chorava silenciosamente. Dentro de mim.

Porque eles riam de mim? Não tinha feito nada a ninguém. Não briguei. Não falei mal. Por que me atacavam?

Nesse momento ouvi uma voz, uma voz doce:

 __Não façam isso com ela meninos, o que ela fez a vocês?

Eu não pude ver quem era porque eu cobria meu rosto com as mãos, mas senti duas mãos, duas pequenas mãos me abraçar e dizer: _Venha comigo, vamos sair daqui.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Quarto Rosa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.