Tsubame não tirava os olhos de Hibari. Olhava seu cabelo. Seus olhos. Cada movimento de seus lábios. Percorria o peito da menina e sentia sua respiração. Observava suas mãos delicadas, que faziam o lápis girar entre os dedos.                               

A garota não sabia quando começou a sentir aquele desejo dentro de seu peito, mas agora não importava mais. Era um sentimento do qual gostava.

                                    O amor, quando se revela,

                                    Não se sabe revelar.

                                   Sabe bem olhar p`ra ela,

                                   Mas não lhe sabe falar.

Hibari levantou os olhos e fitou-a dizendo algo. Ela apenas respondeu, sem prestar atenção em sua própria resposta. Hibari sorriu. Como ela achava este sorriso belo e doce. Gostaria de dizer para ela como se sentia, mas como?         

                                   Quem quer dizer o que sente

                                   Não sabe o que há de dizer.

                                   Fala: parece que mente...

                                   Cala: parece esquecer...

Hibari continuava olhando para ela, fitando-a. Novas palavras foram pronunciadas. Mas desta vez ela não respondeu. Hibari insistiu. Parecia preocupada, perguntava se ela estava sentindo algo.

Sentir ela sentia. Sentia um desejo ardente de ser abraçada por ela de acariciar seu cabelo ruivo. Balançou a cabeça e sussurrou uma mentira.

                                  Ah, mas se ela adivinhasse,

                                   Se pudesse ouvir o olhar,

                                   E se um olhar lhe bastasse

                                   Pr`a saber que a estão a amar!

Hibari levantou-se. Tsubame sentiu um leve tremor em seu corpo quando a garota se aproximou. Seus olhos se cruzaram. Aqueles olhos que ela achava tão belos pareciam entrar em seu corpo. Perscrutar sua alma.

Será que estava lendo seus sentimentos? Sentindo tudo o que ela representava para Tsubame?

Seus braços envolveram-na e ela podia sentir sua respiração em seu ouvido. Elas estavam juntas há muito tempo para que ela conseguisse esconder algo dela. Era obvio que havia algo errado então porque não dizia e deixava-a ajuda-la. As palavras de Hibari soavam como uma melodia em seus ouvidos.

                                   Mas quem sente muito, cala;

                                   Quem quer dizer quanto sente

                                   Fica sem alma nem fala,

                                   Fica só, inteiramente!

O contato de seu corpo com o de Hibari. O aroma que sentia de seus cabelos parecia embriaga-la. Sentia-se tomada por um regozijo que ameaçava engolfar sua razão.

Por um momento quase deixou que seu coração falasse por si. Felizmente conseguiu se controlar antes de pronunciar a primeira silaba. Preferia o silencio. Preferia guardar dentro de si todo aquele desejo. Aquela chama que ardia em seu peito quando a observava dormindo a noite.

Hibari afastou-se e ela sentiu como se a vida se esvaísse.  Tudo bem se não quiser contar mas lembre-se que estou aqui quando precisar. Hibari sorria docemente. Um sorriso que ameaçava envolve-la e desarma-la.

Tsubame virou-se para a janela. Orando para que Hibari não insistisse. Temia não conseguir suportar mais uma vez aqueles olhos lhe perscrutando a alma.

                                   Mas se isto puder contar-lhe

                                   O que não lhe ouso contar,

                                   Já terei que falar-lhe

                                   Porque lhe estou a falar...

Chegaria o dia em que poderia abrir-se para Hibari. Então  falaria tudo o que assolava seu peito. De todo o desejo que parecia querer devora-la. Mas enquanto este dia não chegasse seria melhor que tudo continuasse como está.

                                                          Poema de Fernando Pessoa.