Antes De Morrer escrita por Alan


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Ontem não postei porque o cara desligou minha internet (nem sei por que), e aqui vai um capítulo novo, ihu.



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- Levanta! Levanta! – grita Sam. Puxo o edredom por cima da cabeça, mas ele o arranca na mesma hora. – Papai disse que, se você não levantar agorinha, vai subir a escada com uma flanela molhada!
Rolo o corpo de costas para ele, mas ele saltita em volta da cama e se posta acima de mim, sorrindo.
- Papai diz que você devia levantar da cama todo dia e fazer alguma coisa da vida.
Dou-lhe um chute com força e torno a cobrir a cabeça com o edredom.
- Caguei, Sam! Agora sai do meu quarto, porra.
Fico espantado com meu próprio desinteresse quando ele vai embora. O barulho invade o quarto – o estrondo de seus pés na escada, o clamor dos pratos na cozinha quando ele abre a porta e não a fecha atrás de si. Até mesmo os mais leves sons chegam até mim – leite se derramando sobre cereais, uma colher girando no ar. Papai dando um muxoxo enquanto limpa a camisa do uniforme escolar de Sam com um pano de prato. A gata lambendo o chão. A porta do armário do hall se abre e papai pega o casaco de Sam para ele. Ouço o fecho ecler subir, o botão de cima se fechar para manter seu pescoço aquecido. Ouço o beijo, depois o suspiro – uma grande onda de desespero que se abate sobre a casa.
- Vai lá dizer tchau – diz papai.
Sam sobe correndo a escada, pára um instante do lado de fora da minha porta, depois entra e vai direto até a cama.
- Tomara que você morra quando eu estiver no colégio! – sibila ele. – E tomara que doa bastante! E tomara que enterrem você em algum lugar horrível, tipo a peixaria, ou o consultório do dentista!
Adeus, irmãozinho, penso. Adeus, adeus.
Papai vai ficar sozinho na cozinha toda bagunçada, de roupão e chinelo, com a barba por fazer e esfregando os olhos como se estivesse surpreso por se descobrir sozinho. Ao longo das últimas semanas, ele criou uma pequena rotina matinal. Depois que Sam sai para o colégio, prepara um café, limpa a mesa da cozinha, enxágua os pratos e liga o lava-louças.
Isso leva mais ou menos vinte minutos. Em seguida, ele aparece e me pergunta se dormi bem, se estou com fome e a que horas vou me levantar. Nessa ordem. Quando respondo: “Não, não e nunca”, ele se veste e torna a descer as escadas até o computador, onde passa horas teclando, navegando na Internet em busca de informações para me manter vivo. Me disseram que a dor tem cinco estágios, e se isso então for verdade, ele está empacado no primeiro: negação.
Estranhamente, sua batida na minha porta hoje acontece mais cedo. Ele não tomou café nem arrumou a cozinha. O que está acontecendo? Fico deitado sem me mexer enquanto ele entra no quarto, fecha a porta sem fazer barulho atrás de si e tira os chinelos.
- Chega pra lá – diz. Levanta uma das pontas do edredom.
- Pai! O que você está fazendo?
- Entrando na cama com você.
- Eu não quero!
Ele me abraça e me prende no lugar. Seus ossos são duros. Ele esfrega suas meias nos meus pés descalços.
- Pai! Sai da minha cama!
- Não.
Afasto seu braço e me sento para olhar pra ele. Meu pai tem cheiro de fumaça e cerveja choca, e parece mais velho do que na minha lembrança. Posso ouvir seu coração, também, coisa que não acho que deveria acontecer.
- Que droga você está fazendo?
- Você nunca conversa comigo, Kurt.
- E você acha que isso vai ajudar?
Ele dá de ombros.
- Talvez.
- Você gostaria que eu entrasse na sua cama quando você estivesse dormindo?
- Você sempre entrava quando era pequeno. Dizia que era injusto ter que dormir sozinho. Toda noite, eu e mamãe deixávamos você entrar porque você estava se sentindo sozinho.
Tenho certeza de que não é verdade porque não me lembro. Talvez ele tenha enlouquecido.
- Bom, se você não vai sair da minha cama, saio eu.
- Ótimo – diz ele. – Eu quero que você saia.
- E você vai simplesmente ficar aí, é?
Ele sorri e se aninha debaixo do edredom.
- Está quentinho, uma delícia.
Sinto as pernas fracas. Não comi muito na véspera e isso parece ter me deixado transparente. Seguro o dossel da cama, cambaleio até a janela e olho lá para fora.
Ainda está cedo: a lua se apaga em um céu cinza-claro.
- Faz um tempo que você não vê a Quinn – diz papai.
- É.
- O que aconteceu naquela noite em que vocês dois saíram para dançar? Vocês brigaram?
No jardim lá embaixo, a bola de futebol cor de laranja de Sam parece um planeta murcho sobre a grama e, na casa vizinha, vejo novamente aquele menino. Pressiono as palmas das mãos na vidraça. Todo dia de manhã ele está no jardim fazendo alguma coisa – varrendo, cavando ou andando de um lado para o outro. Agora está arrancando galhos secos da cerca e empilhando-os para fazer uma fogueira.
- Você ouviu o que eu disse, Kurt?
- Ouvi, mas estou te ignorando.
- Talvez fosse bom você pensar em voltar para o colégio. Assim poderia encontrar alguns dos seus outros amigos.
Viro-me para olhar para ele.
- Eu não tenho nenhum outro amigo. E, antes de você sugerir isso, também não quero arrumar nenhum. Não estou interessado em gente curiosa e mórbida que só quer me conhecer pra poder receber pêsames no meu enterro.
Ele dá um suspiro, puxa o edredom até junto o queixo e sacode a cabeça para mim.
- Você não deveria falar assim. Cinismo não te faz bem.
- Você leu isso em algum lugar?
- O otimismo fortalece o sistema imunológico.
- Então é culpa minha eu estar doente, é isso?
- Você sabe que eu não acho isso.
- Bom, você sempre age como se tudo que eu faço estivesse errado.
Ele se esforça para se levantar.
- Não ajo, não!
- Age, sim. Como se eu não estivesse morrendo do jeito certo. Vive entrando no meu quarto e me dizendo pra eu sair da cama ou pra não desmoronar. Agora vem me dizer pra voltar pro colégio. Que ridículo!
Atravesso o quarto pisando firme, pego seus chinelos e os calço. São grandes demais para mim, mas nem ligo. Papai se apóia nos cotovelos para me olhar. Pela sua cara, parece até que eu bati nele.
- Não vai embora. Pra onde você está indo?
- Pra longe de você.
Sinto prazer em bater a porta. Ele que fique com a minha cama. Não estou nem aí. Pode ficar lá deitado até apodrecer.


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Notas finais do capítulo

o menino que ele cita no texto é quem? hein? :3