Antes De Morrer escrita por Alan


Capítulo 27
Capítulo 27


Notas iniciais do capítulo

Momento Klaine, yay



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A tarde passa depressa. Alguém tira a mesa e liga a TV. Todos escutamos o discurso da Rainha, depois Sam faz alguns truques de mágica. Quinn passa a tarde no sofá com Sally e mamãe, contando todos os detalhes de seu malfadado caso de amor com Scott. Chega a lhes pedir conselhos sobre o parto.
– Me digam uma coisa, dói tanto quanto dizem? – pergunta.
Papai está entretido com seu livro novo: Alimentação orgânica. De vez em quando, lê alguma estatística sobre produtos químicos e pesticidas para quem estiver interessado. Blaine quase só conversa com Sam. Mostra-lhe como lançar os malabares; ensina-lhe um novo truque com moedas. Não consigo me decidir em relação a ele. Não sei se estou afim dele ou não, mas se ele gosta de mim. De vez em quando, seu olhar cruza o meu do outro lado da sala, mas ele sempre o desvia antes de mim.
– Ele quer você – articula Quinn com a boca em determinado momento, sem som. Mas, se for verdade, não sei como fazer isso acontecer.
Passei a tarde inteira folheando o livro que Sam me deu: Cem maneiras esquisitas de encontrar seu Criador. É bem engraçado, mas não impede que eu sinta como se existisse um lugar dentro de mim que está encolhendo. Há duas horas estou sentado na mesma cadeira do canto, separado dos outros. Sei que faço isso, e sei que não é certo, mas não sei agir de outra forma.
Às quatro horas já está escuro, e papai acendeu todas as luzes. Ele traz tigelas de doces e castanhas. Mamãe sugere uma partida de cartas. Saio de fininho até o hall enquanto eles estão rearrumando as cadeiras. Já estou farta de paredes e estantes estagnadas. Farta de calefação e jogos de salão. Pego meu casaco do gancho onde fica pendurado e saio para o jardim.
O frio me causa um choque. Acende meus pulmões, transforma minha respiração em fumaça. Subo o capuz, aperto bem o cadarço debaixo do queixo e espero. Lentamente, como se estivesse saindo da bruma, tudo no jardim vai entrando em foco: o arbusto de azevinha roçando o barracão, um passarinho empoleirado na estaca da cerca, com as penas se eriçando ao vento. Dentro de casa, devem estar embaralhado as cartas e passando os amendoins, mas aqui fora cada haste de grama cintila, endurecida de gelo. Aqui fora o céu está repleto de estrelas, como uma cena de conto de fadas. Até mesmo a Lua parece enfeitiçada. Amasso galhos e folhas com minhas botas a caminho da macieira. Toco as ranhuras do tronco, tentando sentir através dos dedos sua cor cinzenta de ardósia. Algumas folhas pendem dos galhos, úmidas. Um punhado de maçãs ressequidas vai se transformando em ferrugem. Sam diz que os seres humanos são feitos das cinzas do núcleo de estrelas mortas. Segundo ele, quando eu morrer, tornarei a virar pó, luz cintilante, chuva. Se for verdade, quero ser enterrado bem aqui, debaixo desta árvore. Suas raízes vão penetrar a matéria macia do meu corpo até eu ficar totalmente seco. Renascerei como broto de maçã. Na primavera, despencarei até o chão como confetes, e grudarei nos sapatos da minha família. Eles me
carregarão no bolso, me espalharão, em forma de seda sutil, nos travesseiros para ajudá-los a dormir. Então, que sonhos terão?
No verão, eles me comerão. Blaine pulará a cerca para me roubar, enlouquecido com meu aroma, minha robustez, com o brilho e a saúde que irradio. Pedirá à mãe que me use para preparar um crumble ou um strudel, e se fartará de mim. Deito-me no chão e tento imaginar isso. Mesmo, mesmo. Estou morto. Estou me transformando em macieira. Mas é meio difícil. Imagino o passarinho que vi mais cedo, se ele saiu voando. Imagino o que estarão fazendo lá dentro, se já sentiram a minha falta.
Viro-me e pressiono o rosto contra a grama; ela pressiona de volta, fria. Corro as mãos pela grama, aproximo os dedos do nariz para sentir o cheiro de terra. Cheiro de mofo de folhas, hálito de minhoca.
– O que você está fazendo?
Viro-me bem devagar. O rosto de Blaine está de cabeça para baixo.
– Achei melhor vir te procurar. Está tudo bem?
Sento-me e limpo a terra da calça.
– Tudo. Eu estava com calor.
Ele concorda, como se isso explicasse o fato de eu estar com o casaco cheio de folhas molhadas. Sei que pareço um idiota. Também estou com o capuz amarrado debaixo do queixo feito uma velha. Solto o cadarço depressa. Sua jaqueta faz barulho quando ele se senta ao meu lado.
– Quer este cigarro?
Pego o cigarro que ele oferece e deixo-o acender. Ele acende outro para si, e ficamos soprando fumaça silenciosa pelo jardim. Posso senti-lo olhando para mim. Meus pensamentos estão tão claros que eu não ficaria surpreso se pudesse vê-los piscar acima da minha cabeça, como um letreiro de neon na fachada de uma lanchonete. Estou a fim de você. Plim. Plim. Plim. Com um coração vermelho de neon brilhando ao lado das palavras. Torno a me deitar na grama para fugir do seu olhar. O frio penetra através da minha calça feito água.
Ele se deita ao meu lado, bem pertinho. Tê-lo assim tão perto dói, dói muito. Fico enjoado de tanta dor.
– Aquilo ali é o Cinturão de Órion – diz ele.
– Aquilo o quê?
Ele aponta para o céu.
– Está vendo aquelas três estrelas alinhadas? Mintaka, Alnilam, Alitak. – As estrelas florescem na ponta de seu dedo conforme ele diz os nomes.
– Como é que você sabe disso?
– Quando eu era criança, meu pai me contava histórias sobre as constelações. Se você apontar um binóculo logo abaixo de Órion, vai ver uma imensa nebulosa de gás onde nascem todas as estrelas novas.
– Estrelas novas? Pensei que o universo estivesse morrendo.
– Depende do ponto de vista. Ele também está se expandindo. – Ele rola de lado e se apóia em um dos cotovelos. – Seu irmão me contou a história sobre você ficar famoso.
– E ele contou que foi um desastre total?
Blaine ri.
– Não, mas agora você vai ter que contar.
Gosto de fazê-lo rir. Ele tem uma boca linda, e isso me dá a oportunidade de olhar para ele. Então lhe falo sobre a situação ridícula na emissora de rádio, tornando a história muito mais engraçada do que de fato foi. Fico parecendo um herói, um anarquista das ondas do rádio. Então, como as coisas estão indo bem, conto-lhe sobre como roubar o carro do papai e levar Quinn até o hotel. Ficamos deitados na grama úmida, com o céu descomunal acima de nós, a lua baixa e brilhante, e conto-lhe sobre o armário, e sobre como o meu nome desapareceu no mundo. Conto-lhe até sobre o meu hábito de escrever nas paredes. É fácil falar no escuro – eu nunca tinha percebido isso antes. Quando termino, ele diz:
– Você não precisa se preocupar em ser esquecido, Kurt. – Então diz: - Acha que vão sentir a nossa falta se a gente for na minha casa por uns dez minutos?
Nós dois sorrimos.
Plim, plim, pisca o neon acima da minha cabeça.
Quando passamos pelo pedaço de cerca quebrado e subimos a trilha de terra batida até sua porta dos fundos, o braço dele roça no meu. Mal nos encostamos, mas é surpreendente. Sigo-o até a cozinha.
– Só um minuto – diz. – Tenho um presente pra você – e ele desaparece pelo hall e sobe correndo as escadas.
Sinto saudade assim que ele vai embora. Quando ele não está comigo, eu acho que o inventei.
– Blaine? – É a primeira vez que chamo seu nome. Soa estranho na minha língua, e potente, como se algo fosse acontecer se eu o dissesse várias vezes. Entro no hall e olho para cima da escada. – Blaine?
– Estou aqui em cima. Pode subir se quiser.
Então eu subo.
Seu quarto é igualzinho ao meu, só que ao contrário. Ele está sentado na cama. Parece diferente, pouco à vontade. Segura um pequeno embrulho prateado.
– Não sei nem se você vai gostar.
Sento-me ao seu lado. Todas as noites, dormimos com apenas uma parede entre nós. Vou abrir um buraco na parece atrás do meu armário e criar uma entrada secreta para o mundo dele.
– Toma – diz ele. – Acho melhor você abrir.
Dentro do papel de embrulho tem um saquinho. Dentro do saquinho tem uma caixa. Dentro da caixa tem uma pulseira: sete pedras, cada uma de uma cor diferente, presas por uma corrente de prata.
– Sei que você está tentando não adquirir coisas novas, mas achei que talvez fosse gostar.
Estou tão espantado que nem consigo falar.
– Quer que eu te ajude a colocar? – pergunta ele.
Estendo a mão, e ele envolve meu pulso com a correntinha e prende o fecho. Então entrelaça os dedos nos meus. Baixamos os olhos para nossas mãos, juntas, sobre a cama entre nós. A minha parece diferente ali, misturada à sua, enfeitada com a pulseira nova. E as mãos dele são completamente novas para mim.
– Kurt? – diz ele.
Esse é o seu quarto. Com apenas uma parede entre a minha cama e a sua. Estamos de mãos dadas. Ele me comprou uma pulseira.
– Kurt? – ele repete.
Quando olho para ele, a sensação é parecida com medo. Seus olhos são dourados e cheios de sombras. Sua boca é linda. Ele se inclina na minha direção e eu sei, eu sei. Ainda não aconteceu, mas vai acontecer.
O número oito é o amor.
 


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Notas finais do capítulo

continuação só no próximo capítulo MUAHAHAHAHAHA