Quem É Você? escrita por Amanda Cunha


Capítulo 2
O Dia Em Que Eu A Conheci


Notas iniciais do capítulo

Agora, nossa história realmente começa!
As falas em italiano foram escritas com a orientação da minha amiga Luiza, que estuda italiano. Porém, como ela mesmo avisou, podem não estar totalmente corretas. Peço desculpas, e que me avisem, caso saibam de algum erro.

Fora isso, espero que gostem!



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O Dia Em Que Eu a Conheci

Aquele dia foi estranho desde o início.

Não adianta você dizer que essas coisas são predestinadas porque eu não acredito em destino.

Porém, aquele dia podia ter sido apagado da minha vida. E eu jamais a teria conhecido.

Mas a conheci. Da maneira mais intrigante possível. E olha que eu tentei evitar... E esse é o momento em que você diria: eu falei que era destino!

E que eu reviraria os olhos e responderia, muito, muito calmamente, que eu ficaria muito grato se eu pudesse contar a minha história em paz.

Naquele dia, eu tinha uma grande reunião marcada com um desenhista de joias. Afinal, avaliar joias era o meu passatempo favorito. E mover imensas quantidades de dinheiro também.

Eu deixei o hotel pela manhã. Estava muito bem vestido, como sempre, agasalhado para um dia de inverno na Itália.

Eu só não poderia imaginar que o céu abriria naquele dia... Mas ainda não cheguei realmente nesse ponto da história.

Após muito avaliar, e chegar à conclusão de que os desenhos, apesar de bons, eram muito... Inovadores... E dispensar o artista, que insistiu em reclamar e dizer que eu “não sabia enxergar a verdadeira luz por trás das suas obras”, eu engoli duas xicaras de café com leite, peguei minha capa, imaginando o frio que fazia lá fora, e saí do escritório...

E realmente fazia frio nas ruas de Veneza, repleta de pessoas, de turistas e crianças barulhentas, mesmo assim.

Eu andava direto para a minha livraria favorita, que deveria ser considerada a melhor livraria da região e que também deveria ser exclusiva para determinados clientes... Ela era tão fantástica que, talvez, eu a comprasse um dia e então ela só poderia ser frequentada por gente da mais alta classe...

Mas o que é isso, afinal?

Eu olhei para o céu, e vi as nuvens se afastarem, revelando uma luz tão forte que cegava meus olhos.

– Droga. – eu odiava a luz do sol.

Odiava o calor, o suor e as cores do sol. A cidade toda se modificava, ficava mais clara e sem graça...

E eu tinha vontade de voltar para o hotel e dormir o dia inteiro, na mais profunda escuridão e no mais plácido silêncio.

E era isso que eu estava decidido a fazer, logo após comprar algo para beber que congelasse o meu corpo...

Caminhei até a lanchonete da esquina, e pedi o suco mais gelado que eles tinham. Não faço ideia do gosto daquilo, pois estava realmente muito gelado, e eu estava pronto para sair dali, quando a avistei.

No início, não acreditei.

Quais são as chances de alguém conhecido encontra-lo na mesma cidade, na mesma rua, no mesmo horário, na Itália?

E quais são as chances desse alguém ser pobretão e sem a menor classe?

E enquanto eu fazia as contas, ela se aproximava cada vez mais e... Seja lá qual fosse a probabilidade, eu não tinha mais dúvidas: era mesmo a caçula Weasley, cheia de sardas e daquele cabelo absurdamente vermelho.

Sem pensar mais, desviei para o outro lado da rua, esperando que ela não me visse.

E não teria visto. Ah, mas não teria visto mesmo, caso aquela “senhorinha de canelas finas cobertas por uma meia roxa aterrorizante” não tivesse interferido... E isso é outra coisa que eu não entendo: como alguém pode ter tão pouco senso de moda? É pelo menos um mínimo senso do que combina ou não, ou do que é bonito ou não.

Mas aquela meia roxa horrorosa me seguiu, chamando toda a atenção para mim. Ou quase toda, porque grande parte estava no cabelo escandalosamente vermelho da garota Weasley.

A senhora me chamou diversas vezes e eu fingi que não ouvi, mas...

– Ei, garoto! Olhe para mim, pois estou falando com você!

Já era... Agora toda a rua tinha parado para olhar para mim e, com certeza, Weasley teria me visto.

Qual não foi a minha surpresa quando...

– Eu estou chamando há séculos, ora... - a senhorinha se aproximava de mim, usando uma bengala muito maior que ela. Eu suspirei, irritado.

Aturar velhinhas chatas, lerdas e, eu poderia acrescentar com certeza, mandona, diante de várias pessoas quietas que esperavam por saber o que estava acontecendo, e com a irmãzinha Weasley olhando diretamente para mim... É, era tudo o que eu estava precisando.

– Me desculpe, senhora, mas eu estou atrasado.

– Atrasado uma ova! – ela disse e eu quase tive medo dela. – Não é possível, mas que gente mal educada! Por acaso, o senhor não está vendo que a menina está precisando de ajuda?

Ela apontou para o outro lado da rua, justamente para quem eu não queria que apontasse.

– Como eu disse, - eu repeti, como se falasse com um surdo – Eu não tenho tempo agora, eu tenho um compromisso.

E a velhinha ousada segurou meu braço.

– Eu tenho certeza que esse compromisso aí pode esperar. – e começou a me puxar pela rua.

– Não! – eu ouvi Weasley dizer do outro lado da rua. – Não é preciso incomodar ninguém...

Certamente, ela tinha me visto. E, como eu, não deveria querer nenhum tipo de aproximação.

– E você, fique quieta aí, menina! – a senhora disse para ela.

Merlin, mas que vovó mais brava! Certamente, seria uma digna vovó Malfoy, se eu não estivesse tão bravo também.

Chegando quase em frente à Weasley, eu achei melhor resolver tudo logo. Se ela precisava de ajuda – provavelmente, sendo a pobretona que era, deveria estar perdida em Veneza – eu, como o conhecedor das cidades italianas que era, a ajudaria de bom grado.

– Pronto, aqui está. – a senhora disse e soltou meu braço.

A Weasley tinha a cabeça abaixada, provavelmente fugindo do meu olhar, como sempre fizera em Hogwarts.

Um senhor ao lado dela começou a explicar:

– Eu estava dizendo para essa linda moça que nós não podíamos leva-la até lá... Sabe, subir aquelas escadas todas... Nós não estamos mais na flor da idade como vocês, não é? E ela precisa de ajuda, não pode ir sozinha...

Eu não estava entendendo nada e decidi resolver logo tudo de uma vez.

– Para onde ela quer ir? – eu perguntei. – Eu conheço muito bem o lugar. Ela quer ir a Basilica di San Marco ou ao Palazzo Ducale? Eu posso informar como fazer para chegar ao seu destino, então...

– Você não está vendo que ela é cega?

Eu quase ri, diante de tamanho absurdo.

Claro que não... A Weasley não era cega! Ela nunca foi cega... Ela até jogava Quadribol em Hogwarts, como poderia...?

– Me desculpem. – ela disse, olhando para algum lugar, não sei aonde. – Eu não quero incomodar. Eu posso me virar muito bem sozinha e...

– Se o senhor não puder ajudar, nós agradecemos da mesma forma, mas não vamos sair daqui até encontrar alguém que possa leva-la, senhorita. – o senhor alto afirmou, antes que a velhinha começasse novamente a fazer um escândalo:

– Mas nós já encontramos alguém para leva-la, ué! Está aqui! – ela bateu em meu peito. – Você também está cego, Heitor?

Eu observava a garota Weasley olhar para o nada, parecendo incomodada com aquela situação. Ela realmente parecia não ser cega.

Mas acidentes acontecem... Ela poderia ter sofrido um trauma e... PLUFT! Ficou cega. Simples assim.

Tudo o que eu queria era sair dali. E a solução para isso estava quase se formando na minha cabeça.

Obviamente, a Weasley não podia me ver. Ela não fazia ideia de quem eu era! E estava precisando de alguém que a acompanhasse. Eu, é claro! E assim que nós saíssemos das vistas daqueles dois velhinhos malucos, eu poderia deixa-la em algum lugar – seguro, é claro, eu também não era um homem tão mal assim – e voltar para o frio e confortável hotel.

– Tudo bem. – eu disse. – Creio que o meu compromisso já tenha se perdido à uma hora dessas... Então, posso acompanha-la em seu passeio, senhorita...

Eu pude ver a surpresa em seu rosto, quando ela o ergueu, buscando por minha voz:

– Weasley. Meu nome é Gina Weasley, senhor.

– Draco Malfoy. – eu respondi e os olhos castanhos da Weasley arregalaram como duas bolas de tênis.

Tá bom. Eu não disse isso. Mas eu quase disse, rindo internamente ao imaginar a sua reação.

– Eu sou... – foi na verdade, o que eu disse, e fiquei procurando por um nome que combinasse com um cara simpático e inteligente. – Alex Villard.

Era o nome que estava escrito num anúncio de e-books no outdoor ao lado.

A garota sorriu, e pareceu alguém normal por um instante. Quero dizer, alguém não cego.

E após mil e uma saudações e recomendações dos velhos, estávamos fora dali, andando em direção à Scuola de St. Rocco, não muito longe dali.

Ela apoiava o braço no meu, o que não era exatamente confortável, já que ela era uma Weasley. Porém, nada que eu não pudesse aguentar.

Eu a orientava pelo caminho, indicando degraus, postes, mudanças no relevo... Por um instante, fiquei me perguntando por que eu não me aproveitava da situação para me vingar dela. E de todos aqueles cabeças-vermelhas-sardentas-amiguinhas-do-Potter.

Mas depois me lembrei que ela era cega. E que eu não seria capaz de fazer isso com alguém... Assim... Deficiente.

– Obrigada por me acompanhar. – ela quebrou o silêncio. – Sabe, eu não costumo andar sozinha por aí... Eu vim para a Itália com uma amiga, que sempre me acompanha para todos os lugares, mas ela teve que ir e então... Aqui estou eu, tentando me aventurar por aí...

Eu me surpreendi com o tom leve e claro da sua voz. O jeito que ela falava fazia parecer... Quase interessante.

Você não precisa me contar sobre a sua vida, se não quiser. Eu ia dizer, para que ela parasse de falar, mas achei melhor aproveitar para saber mais.

– Você está na Itália há muito tempo?

– Faz cinco meses. Estou estudando aqui. Faço o curso de Belas Artes da Accademia, em Dorsoduro.

A pronúncia dela não era de todo mal.

Eu fiquei me perguntando como aquela família de pobretões poderia sustentar um curso de Artes em Veneza. Talvez houvesse algum desconto para cegos. Como confirmei logo depois...

– Eu consegui uma bolsa pelo Instituto de Deficientes Visuais de Londres. – ela me contou, sem que eu perguntasse nada. – Estou achando o curso maravilhoso. Eu faço apenas a parte de esculturas, que é a que sempre me fascinou e também... É a que eu tenho maiores condições de manuseio.

Claro que ela não poderia pintar. Bom, talvez até pudesse ser uma excelente pintora, como vários pintores incríveis que não enxergavam, porém ela teria que ser dotada de um excelente talento artístico, o que eu duvidava que fosse o caso da Weasley.

– E você? – ela perguntou. – Você mora aqui?

Eu teria que ser rápido. Eu seria inglês, com certeza... Mesmo com o meu sotaque italiano excelente...

– Eu também sou de Londres. – eu disse. – Mas estou morando na Itália faz um tempo. É muito melhor para os negócios.

– É? Eu não faço ideia... Sempre achei que Londres fosse um lugar ótimo para isso...

– Não para o ramo das joias! Não há lugar mais perfeito do que aqui.

– Para a arte também é o lugar certo! – ela disse, com segurança, e eu comecei a achar que ela falava com confiança demais para... Alguém como ela.

– É, Veneza é um lugar muito bom mesmo para as artes. Mas eu diria que Florença é ainda melhor.

– Será? – ela perguntou, e seus olhos pareciam... Estranhos.

Ela não estava perguntando, estava duvidando! Duvidando justo de mim, um verdadeiro estudioso e... Claro, eu podia ainda afirmar: um conhecedor da arte!

Mas como ela poderia saber?

– Sem dúvida, Florença é um grande centro das artes na Itália. – eu disse. – Para começar, nós temos o Museu Uffizi, que é o maior museu da Itália, e possui as obras de Botticelli, Michelangelo, Rafael e...

– Leonardo da Vinci.

– Isso mesmo. Temos também a Catedral de Santa Maria Del Fiore, que é a quarta maior igreja da Europa, com os “Portões do Paraíso” de Michelangelo.

– Os “Portões do Paraíso” são do Michelangelo? – ela perguntou, virando o rosto em minha direção e, se não fossem pelos olhos meio desfocados, eu quase acreditaria que toda aquela história de cegueira era uma mentira.

– Sim, é uma obra dele.

– Que engraçado... – ela comentou. – Sempre achei que os portões tinham sido apelidados de “Portões do Paraiso” pelo Michelangelo, e não que era uma obra dele...

Eu comecei a sentir uma pequena irritação surgir dentro de mim. Como ela poderia achar qualquer coisa, pobretona do jeito que era?

– Seja lá quem foi que te disse isso não era uma boa fonte de informações.

– Na verdade, eu li sobre isso. No mesmo lugar em que eu li sobre a Basílica de Santa Maria dela Salute, com as obras de Tiziano, e... Bem, na verdade, o que eu acho mais interessante sobre ela é o fato de ter sido construída para proteger Veneza do mal da peste.

Ok. Agora aquela garota estava começando a encher o saco.

– Como você pode comparar aquela igreja com... A Santa Croce, por exemplo?

– Eu não estou comparando. Só estou dizendo que eu acho que é um monumento artístico excepcional.

– E que faria de Veneza um melhor centro de artes do que Florença? – eu indaguei e ela parou de andar, puxando meu braço junto.

Então eu parei e a observei tatear dentro da sua bolsa, em busca de um papel dobrado, que ela abriu e me entregou.

Era um anúncio da Bienal de Veneza, com a descrição das obras que seriam expostas.

– Alguns alunos da Accademia tiveram suas obras escolhidas para a exposição. – ela disse. – Sabe, quando eu digo que Veneza é a cidade certa para as artes, não estou falando de melhores obras, ou as mais consideradas, ou mesmo as melhores escolas de arte. Estou falando da abertura para novos artistas mostrarem o seu trabalho. Afinal, de que adianta saber tanto sobre os artistas e sobre suas obras, de que adianta nos depararmos com a sublimidade delas, se não vamos usar toda essa sabedoria para nada?

Eu não sabia bem dizer qual era o problema. Talvez fosse aquele sol forte e todo aquele calor que me fazia enjoar. Ou talvez fosse aquele cabelo vermelho que estivesse me dando tanta dor de cabeça.

Ou aqueles argumentos absurdos dela... É, provavelmente era isso.

E eu teria respondido. Eu teria respondido alguma coisa que a deixaria sem palavras caso aquele amigo esquisito dela não tivesse interrompido.

– Ei, Gina!

Eu olhei para trás e vi um garoto de cachecol acenando. Que idiota, ela era cega! Jamais poderia vê-lo!

– Aquele é meu amigo, Vincent. – ela me disse, voltando a segurar meu braço, enquanto Vincent vinha até nós.

Sei venuto! – ele disse e a abraçou.

Non smetto mai di venire!

Então, ela sabia italiano…

Questo è Alex Villard. – ela me apresentou, e eu quase esqueci que esse era o meu nome agora.

Come stai?

Bene, e tu? – eu apertei a sua mão.

Lui è um grande conoscitore delle arti.

Come interessante! Volete venire con noi?

Ele estava me convidando para acompanha-los, e eu inventei uma desculpa rápida. Ainda estava irritado com toda aquela situação.

Até que a garota se voltou para mim e sorriu para o nada:

– Obrigada pela ajuda. Agora posso seguir com ele.

– Claro.

– Desculpa se eu fui muito... Chata com essa conversa. Não era a minha intenção dizer tantas coisas, na verdade, mas... – ela esticou o folheto da Bienal para mim. – Pode ficar com ele. Uma de minhas esculturas estará em exposição.

O quê?

Ela se afastou, e eu me deparei com seu cabelo vermelho esvoaçante quando ela tirou o chapéu.

– Ah, acabo de me lembrar que Veneza também é o melhor ramo para as joias! É por isso que você está aqui, e não em Florença, não é?

E saiu rindo e andando, com muita segurança para uma pessoa cega.

Lui è um grande conoscitore delle arti. Ela tinha dito.

Quem era aquela garota mesmo?

Uma Weasley... Não, não uma Weasley. Ela era a Weasley.

Foi assim que eu a conheci.

E foi assim que o meu dia estranho terminou, porque tudo o que eu fiz foi voltar para o hotel, tomar uma ducha gelada, ligar o ar condicionado, acionar o blackout e dormir.

Mas antes de dormir, tomei duas doses de sonífero, pois aquela voz insistia sem parar em minha cabeça:

Ele é um grande conhecedor das artes.


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Notas finais do capítulo

Comentários são bem vindos e muito importantes, pois são eles que permitem que os escritores pensem sobre sua escrita e sobre os caminhos da história...

Obrigada por me permitirem compartilhar minhas palavras com vocês!



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