Os dois garotos estavam mais uma vez ali, parados, no quarto de Afrodite, encarando a deusa do amor. Naquele dia Luca estava decidido a conseguir alguma coisa, um mísero progresso, fosse o que fosse. Aaron, por sua vez, ficava cada vez mais aborrecido por não ter conseguido nada ainda.

-Mas não tem nenhuma técnica especial, nenhuma palavra mágica, abracadabra, sei lá? – perguntava Aaron, impaciente e irritado pela primeira tentativa frustrada do dia.

-Bom, funciona melhor se você tiver calma – Afrodite rolou os olhos – E isso é algo que você não está tendo no momento.

Luca estava de olhos fechados, desligado da discussão. Ele pensava nela, tentando sentir novamente aquele calorzinho que se espalhava por seu corpo, mas não conseguia. Até porque Afrodite e Aaron faziam muito barulho reclamando.

Tudo o que Luca conseguiu foi desaparecer e aparecer novamente no mesmo lugar diversas vezes, provocando risos em Aaron. Até que uma vez, depois de aparecer sentado em cima do armário de Afrodite, ele ficou lá em cima, com os olhos fechados e ignorando as vozes dos outros dois. Flashes de Sharon começaram a passar pela mente do garoto, fazendo ele sentir leves repuxos no estômago e seus pelos se arrepiarem. De repente ele começou a sentir sua cabeça girando, e teve plena certeza de estava se teletransportando, só esperava que fosse para Sharon. Na verdade, ele não estava de todo errado.

Quando sentiu seus pés tocarem o chão novamente, Luca abriu os olhos, e notou que estava num ambiente escuro e abafado. Tateando o que imaginava serem as paredes do cômodo até encontrar um interruptor. Quando ele conseguiu acender a luz e finalmente iluminar aquele lugar, não reconheceu a princípio, mas duas ou três fotos de Sharon com diferentes idades em cima de uma cômoda foram o suficiente para adivinhar onde estava: no quarto dela.

Ele olhou em volta, encontrando a cama arrumada dela, exceto por umas roupas dobradas em cima do móvel, um guarda roupa uma escrivaninha lotada de papéis e a cômoda com as fotos, vidros de perfume, entre outros. E, o que mais o encantou, tudo ali tinha o cheiro doce de Sharon. Ele fechou os olhos, extasiado com lembranças da garota, mas logo começou a analisar o quarto. As fotos... Luca cuidadosamente pegou uma delas, a mais recente, e guardou no bolso do jeans. Após isso, Luca olhou para aquela cama, e sorriu. Ele lembrava-se bem da última vez em que estivera ali. Ela estava triste, muito triste por algo que ele mal lembrava, mas o fato é que ela começou a chorar. Ele, como melhor amigo e perfeito cavalheiro, abraçou-a, sentindo os soluços da garota enquanto esta molhava com lágrimas a camisa dele. Acabaram deitados na cama, com ela deitada com cima do peito dele, com lágrimas secas no rosto e finalmente dormindo. Ele, pelo contrário, estava acordado, observando-a. Luca começou a perceber naquela noite que já sentia algo mais por ela, mas ainda demoraria um bocado até ele ter certeza do que era.

Quantos anos teriam naquela época? Ele não sabia. Talvez treze, catorze... Não importava.

Luca continuou olhado em redor, aproximando-se da escrivaninha bagunçada. Lá havia vários desenhos, folhas em branco, poemas... E até que ela escrevia bem. No entanto, o que mais chamou a atenção do garoto foram três bolinhas de papel amassadas ali no canto da escrivaninha. Curioso, o ruivo desamassou bolinha por bolinha, e se surpreendeu ao ver que eram rascunhos do bilhete que ela havia deixando com a mãe dele. O primeiro estava assim:

“Luca, eu e minha família vamos viajar, e eu não queria ir sem falarmos a respeito do que aconteceu hoje mais cedo... Aquele beijo foi... eu não sei, mas eu g”

O segundo estava parecido com o primeiro, estava assim:

“Luca, meu pai chamou eu e minha mãe para viajar, mas eu acho que antes nós deveríamos falar sobre o beijo, eu queria lhe encontrar antes de ir, porque”

Luca se divertia com as tentativas frustradas dela ao escrever aqueles bilhetes, e quase podia vê-la tendo um surto de impaciência por tentar escrever várias vezes a mesma coisa. Ele sabia que assim como a mãe dela, Sharon era perfeccionista. No entanto, a última tentativa de bilhete da garota o surpreendeu:

“Luca, eu queria te ver antes que eu viaje, pois meu pai avisou que vamos viajar logo, e... precisamos falar sobre o que aconteceu. Ou você pode simplesmente me dar outro beijo de despedida, eu não reclamaria. Eu... quero fazer de novo, porque”

Um sorriso bobo estava estampado no rosto de Luca ao ler aquele último papel. Então... ela queria beijá-lo de novo!

Poderia ela sentir o mesmo que ele?

Bom, de uma forma ou de outra, aquilo deixou o garoto ainda mais motivado a encontrar sua melhor amiga, agora mais do que nunca ele precisava contar para ela o que sentia, precisava...

Ele precisava dela.

Luca estalou os dedos, sentiu aquele familiar repuxo no estômago e logo notou que estava sem chão novamente. Alguns segundos se passaram, ele estava entorpecido de felicidade, então perdeu completamente a noção do tempo e do espaço. Só com as vozes de Afrodite e Aaron ecoando em algum lugar de sua mente ele percebeu que estava de volta ao quarto cor-de-rosa da deusa do amor.

-Aonde você foi? – Aaron voou em cima de Luca, chacoalhando o ruivo pelos ombros, mas este estava desorientado demais para responder – Você a encontrou? Sabe onde ela está? Por que demorou tanto?

-Hã? – foi tudo que Luca respondeu, franzindo o cenho. Aaron estava quase gritando com ele, mas Afrodite interrompeu o moreno e afastou os dois garotos, perguntando bem mais docemente do que Aaron jamais faria:

-Luca, querido, onde você esteve? – ela acariciava os fios ruivos de Luca, sorrindo. Era óbvia a preferência que ela tinha por ele, e aquilo deixava Aaron um tanto enciumado.

-Eu... – Luca até pensou em dizer, mas ao olhar para a expressão quase assassina do outro, mentiu – Não sei.

-Como assim você foi para um lugar qualquer, passou quase uma hora lá e não sabe onde estava? – Aaron indagou, visivelmente desacreditando no que Luca disse.

-Eu realmente não sei. Fiquei dando umas voltas por lá, tentando reconhecer o lugar, mas não sei onde estava.

A história de Luca era tão descaradamente falsa que a própria Afrodite percebeu a mentira. No entanto, antes que Aaron pudesse retrucar, ela falou:

-Se ele disse que não sabe, é porque não sabe, Aaron. Agora dá um tempo, ele já conseguiu muito mais que você, se duvidar ele está muito mais interessado do que você jamais esteve.

-Interessado em quê? Em encontrar minha namorada ou... interessado nela? – Aaron perguntou, com os olhos semicerrados, fuzilando o ruivo com o olhar. Afrodite achou melhor não responder aquela pergunta, e Luca permaneceu calado. Ele sabia exatamente a resposta para aquilo, mas nem ferrando que falaria em voz alta. Recebendo então apenas o silêncio como resposta, Aaron aproximou-se de Luca e puxou o garoto pela gola da camisa, deixando seus rostos tão próximos quanto estariam se fossem se beijar. Mas, bom, aquela atitude estava longe de ser carinhosa.

-Eu espero realmente que você fique longe da Sharon, seu... – o moreno falou baixo, fazendo sua voz sair rouca e causando arrepios em Luca – Ela é minha namorada, minha garota, e não é um idiota como você que vai tirá-la de mim.

-Até parece que você a ama – Luca teve a audácia de sorrir com sarcasmo – pare de fingir que está realmente interessado nela, e não no corpo dela. Você e eu sabemos que só está interessado em transar com ela.

O olhar de Aaron pareceu surpreso por um momento, mas um sorriso de escárnio apareceu em seu rosto. Ainda segurando Luca pela gola da camisa, ele falou:

-E daí? De uma forma ou de outra, não estou tão longe de conseguir isso também. Você quer ouvir as coisas que nós já fizemos? – Luca estava ficando vermelho, podia sentir que estava saindo do controle à medida que aquelas palavras saiam da boca do outro – Porque eu adoraria dizer o quanto ela é boa chup...

As palavras de Aaron foram interrompidas pelo soco que Luca desferiu na boca dele. O ruivo estava vermelho de tanta raiva, e estava se controlando para não avançar em cima de Aaron, que havia cambaleado para trás devido ao impacto e agora estava olhando com perplexidade o sangue dourado que escorria de seu lábio inferior.

Nesse momento que Afrodite viu o que se passava ali – a deusa do amor estava muito compenetrada em decidir a cor do esmalte que mais combinava com sua roupa – e resolveu interferir. Ela puxou Aaron pelo colarinho para fora do quarto, não sem que antes ele gritasse alguns palavrões para Luca, jurando que iria se vingar. Mas felizmente, a porta foi fechada na cara dele, que desistiu de xingar e saiu dali pisando fundo.

Quando finalmente tiveram paz, Afrodite aproximou-se de Luca, e repreendeu-o, dizendo:

-Você não devia ter irritado ele, Luca. Agora você está realmente encrencado.

-Ah, Afrodite! Você não ouviu as besteiras que ele estava falando... – ele suspirou – De qualquer forma, eu tenho algo para resolver. Vou para casa, descansar um pouco, e logo estarei aqui novamente, certo?

A deusa do amor assentiu, observando enquanto Luca estalava os dedos e sumia dali.

Ele é um garoto adorável, ela pensou. Mas não sei se dessa vez é tão bom assim saber que ela vai partir o coração dele...