Olhou para o relógio de parede com um aspecto cansado. 3:37 da manhã. Suspirou pesadamente, desviando o olhar para o restante da sala. O tapete claro, antes perfeitamente intacto, continha uma grande mancha escura e mal-cheirosa. As paredes, que costumavam ser de um bege encantador, apresentavam marcas de mãos sujas. O sofá, outrora arrumado e limpo, era agora ocupado por uma figura grande e desajeitada. Rodeado ao chão por latas de cerveja vazias, pacotes de salgadinho e cheirando levemente à álcool estava Naruto, profundamente adormecido. Parecia estar em meio à um chiqueiro. Bufou, um tanto irritada.

- Arg, o que diabos eu faço com esse porco do Naruto? – murmurou, quase que num reflexo para repreendê-lo.

Andou até o amigo inconsciente, recolhendo uma lata caída aos seus pés. Não é assim tão ruim, ponderou em pensamento, afinal não é todo dia que se faz 21 anos. Sim, hoje, dia 10 de outubro, Uzumaki Naruto completou 21 anos de vida. Claro que, para data tão importante, ele exigira uma festa digna. Na própria casa do aniversariante, convidando dezenas de amigos, ele realizara uma grande festa, com direito à DJ e pista de dança. Agora, passada a comemoração, o loiro encontrava-se completamente exausto, bêbado e apagado no sofá, satisfeito consigo mesmo. Um sorriso débil apareceu, repentinamente, na face do Uzumaki. Devia estar sonhando com Hinata, que por sorte partira antes de presenciar o estado deplorável de seu namorado no momento. Sakura sorriu diante da constatação.

A festa, realmente, foi incrível. Iniciou-se às 10:00 da noite, com os convidados surgindo rapidamente. Muitos convidados, como Naruto queria. Todos estavam ali, desde seus antigos colegas de escola até os atuais companheiros de trabalho. Todos, inclusive o mais marcante e talvez mais importante amigo para Naruto. Uchiha Sasuke. Discretamente, ele presenteara o ambiente com sua presença depois de tanta insistência do Uzumaki. Trajava uma roupa escura e simples, que combinava com seus olhos e cabelos negros, dando-lhe um ar ainda mais sexy. Na maior parte do tempo, ficara encostado casualmente à uma das paredes, bebendo algo e observando o movimento ao redor.

Às 11:30 da noite, cantaram o parabéns. De acordo com Naruto, o bolo era a melhor parte da festa. Afirmação essa da qual discordou após desaparecer com Hinata, em algum canto, enquanto todos estavam distraídos. Por volta da 00:30 a reunião realmente começou a esquentar. Com músicas mais agitadas e convidados ligeiramente alterados pelo álcool, a pista de dança encheu-se rapidamente. Ino e TenTen foram as primeiras a preenchê-la, de modo que Sakura não tardou a imitá-las. Talvez fosse a bebida, ou quem sabe o ambiente descontraído, mas decidira que naquela noite iria liberar-se. Juntamente com as amigas, dançara de forma louca, remexendo-se sensualmente de acordo com o ritmo da música. Enquanto movia-se, sentiu um par de olhos ônix examinando-a, perscrutando cada curva de seu corpo enquanto requebrava ao som envolvente. Queimavam sobre sua pele, causando-lhe um arrepio prazeroso. Resolveu ignorá-los.

Porém, cerca de 1:30 da madrugada, o Uchiha simplesmente desaparecera. Num momento estava sob o campo de visão das esmeraldas de Sakura e no outro, não. Um tanto contristada, a rosada deduzira que ele havia sumido com Karin – que também não se encontrava presente – e estava se atracando com ela em algum canto. Resignada, aceitou aquele fato. Afinal, Uchiha Sasuke era seu passado. Apenas passado.

Agora, ao fim da festa, os convidados haviam partido e a casa estava em completa desordem, de modo que Sakura resolveu dar uma ajuda a Naruto e organizar uma pequena parte.

Àquela altura, ao menos a sala já estava livre de resíduos alimentícios. Hm, Gaara e Ino eram outros dois que haviam desaparecido no transcorrer da festa, ratificou. Não duvidava nada que aqueles dois haviam arranjado algum lugar para saciar suas vontades ali mesmo. Só por precaução, resolveu verificar o quarto de Naruto. Vira-os indo embora, mas o local que utilizaram devia estar desagradavelmente desorganizado. Subiu as escadas, seguindo para o segundo andar que para seu alívio estava um pouco mais ajeitado que o primeiro.

A porta do quarto de Naruto estava entreaberta, comprovando que alguém estivera ali. Abriu-a, preparando-se mentalmente para a bagunça que encontraria. Para sua surpresa, deparou-se com a cama de casal perfeitamente arrumada, os lençóis claros ainda cobrindo-a como antes da festa. Isso era bom. Percorreu o olhar ao restante do quarto, detendo-se na sacada. Não esperava ver aquilo ali. Não mesmo.

Ainda devia estar alterada pelo álcool, pensou. Ele não poderia estar ali. Afinal, por que estaria? Por que diabos Uchiha Sasuke estaria ali, às 3:39 da manhã, parado na sacada do quarto de seu melhor amigo?

Mesmo ouvindo-a entrar, não se manifestou. Continuou onde estava, imerso em seus pensamentos. Queria ver como ela reagiria. O que diria. O que faria estando a sós com ele depois de tanto tempo.

Ainda paralisada pela surpresa, Sakura observou-o mais atentamente. De costas para ela, ele inclinava-se sobre a grade da sacada, apoiando os cotovelos ali. Usava sapatos comuns, calça jeans preta e camisa pólo, acompanhada de uma jaqueta escura. Simples e sexy. Ainda perplexa, subiu o olhar pelas costas definidas, e então pelos cabelos negros e desalinhados que cobriam parte de seu pescoço. Definitivamente era ele. Sasuke.

- Pensei que já tinha ido embora – quebrou o silêncio, aturdida. Não poderia fraquejar. Não poderia destruir a barreira de proteção que criou para si mesma por causa daquele homem.

- Não. Apenas subi para... pensar – a voz rouca ainda provocava um turbilhão de sensações em seu interior.

- Assim, de repente, e ainda invadindo o quarto de Naruto? – mesmo lutando contra aquele impulso, aproximou-se sem notar, buscando inconscientemente mais daquela deslumbrante voz.

- Hn, como se aquele dobe se importasse.

Agora que estava ao seu lado, podia examiná-lo melhor. Seu rosto, de pele extremamente alva, era iluminado pelo luar. Seu aroma envolvente, o mesmo de anos atrás, ainda a entontecia. Não poderia olhá-lo nos olhos. Simplesmente não poderia. Se o fizesse, perderia-se naquelas imensas lagoas negras que sempre absorviam-na por completo. Lagoas essas que, apesar da maravilhosa paisagem oferecida pelas estrelas e pela lua ofuscante no céu, miravam uma singela árvore de cerejeira no jardim de Naruto.

- Você sumiu de repente. Achei que... – hesitou, desviando o rosto ao sentir as bochechas mais quentes. Por que tinha que ser sempre tão sincera? – Achei que estava em algum canto, aos amassos com Karin.

Por um momento, os orbes ônix miraram a figura ao seu lado. O simples vestido de cor verde-água que usava, em conjunto com as sandálias de salto fino, davam-lhe um ar incrivelmente modesto e sedutor. Natural. Perfeito. Ao falar, ela desviou o rosto, com as bochechas em chamas. Imperceptivelmente, um pequeno sorriso de canto surgiu nos lábios de Sasuke. Era divertido vê-la corar ao falar com ele sobre tais assuntos, mesmo depois de tanto tempo. Sua face adquiria um tom rubro, destacando os olhos incrivelmente verdes e dando-lhe um ar doce e infantil. Linda, sem ao menos ter consciência disso.

- Já lhe disse que não tenho nada com Karin.

Ao ouvir tal resposta, algo manifestou-se dentro de Sakura. Uma labareda, uma chama que não deveria existir. Esperança? Não. Já havia trucidado todas. Não havia? Resistiu à vontade de dirigir a vista aos orbes negros ao seu lado. Eles a engoliriam novamente se o fizesse.

O silêncio então prevaleceu longo e incômodo. Ensurdecedor.

Deveria resistir. Deveria fazer como sempre pensou que faria, com a mesma facilidade que imaginara em sua mente. Ignorá-lo. Dizer-lhe que era tarde, que deveria ir embora. Por que era tão fácil pensar e tão difícil agir? Para seu desespero, sentiu os orbes negros fitarem-na, queimando sua pele ao examinar sua face. Tão próximos...

Ela não aquentaria. Aquela presença imponente, bem ao seu lado... Aquela necessidade que deveria estar morta... Não suportaria. Precisava fitar seus olhos. Precisava se perder novamente naquela infinita escuridão.

Olhou-os. Negros, muito mais negros que o céu sobre suas cabeças. Extremamente profundos. Fitando-a intensamente, penetrando sua alma. Os olhos de Sasuke, assim como sempre fizeram no passado, hipnotizaram-na. O mundo à sua volta desapareceu, deixando apenas aquele par de ônix à sua frente. Era fácil perder o fôlego e a razão ao fitá-los. Como uma arma infalível e mortal, o negror daquele olhar absorveu-a por completo, expulsando o ar de seus pulmões. Parecia impossível deixar de olhá-lo, deixar de observar aquele brilho tão desconcertantemente negro.

Deveria resistir, lembra-se? Resistir ao dono desses olhos, acusou sua mente. É. Deveria fazer isso. Precisava sair dali, precisava fugir antes que desmoronasse.

O máximo que seu afetado controle permitiu-lhe fazer foi desviar o olhar das lagoas negras nas quais estava mergulhada. Baixou os olhos para o pescoço do Uchiha, recompondo-se. A pele alva, aveludada, era mostrada pelos botões abertos de sua camisa. Lembrava-se de tocar aquela pele. Tão macia... Merecia ser destacada. Por isso certa vez dera-lhe uma singela corrente para adornar o pescoço pálido. Corrente que, para seu absoluto espanto e desespero, continuava ali.

- V-Você ainda a tem – conseguiu proferir, os olhos verdes arregalados ao absorver-se em lembranças.

Seguindo o olhar da rosada, ele fitou em seu peito a corrente que ela lhe dera há alguns anos, presa ao pequeno pingente de um “S”.

- Eram bons aqueles tempos, não eram? – como sempre, ele adivinhara seus pensamentos – Aqueles tempos onde as coisas eram fáceis, onde eu podia te abraçar e te beijar quando bem entendesse.

Que palavras eram aquelas? Assim, tão repentinamente. Não podia fraquejar. Não podia...

Suas esmeraldas estavam completamente confusas. Esmeraldas que antigamente costumavam ser alegres estavam agora aflitas e desnorteadas. Ele não gostava de vê-las assim. Queria presenciar novamente o brilho vívido no verde que invadira seus sonhos durante tantas noites.

Ah, os sonhos... Incontáveis sonhos com a dona daquelas esmeraldas, de todas as maneiras possíveis. Apenas ao lembrar sentia uma corrente elétrica transpassar sua coluna. Aquilo não poderia permanecer apenas em seus sonhos. Queria que fosse verdade, queria que se realizasse. Precisava daquilo. Depois de tanto tempo, precisava sentir novamente aquela cerejeira. Precisava amá-la.

Sem dar chance para oposição, puxou-a pelo braço num ímpeto e colou seus lábios aos dela, como tantas outras vezes fizera. Era nostálgico. Sentir aquilo novamente, aqueles lábios macios, aquele sabor indescritível, para ambos, aquilo era perfeito.

Ternamente, ele a beijou, num lento e lascivo jogo de línguas. Ela, completamente desnorteada pelo arrepio que percorreu-lhe da cabeça aos pés, tentou resistir. Batalhou contra seus sentimentos, contra seu desejo, contra seu amor. Uma batalha que, antes mesmo de começar, estava há muito perdida. Era impossível. Completamente impossível não ceder àquele beijo. Rendeu-se aos lábios suaves do Uchiha, atordoada pelo turbilhão de sentimentos que agitava seu interior.

Contra a vontade, ele afastou-se dela, ainda de olhos fechados. Queria mais. Precisava de mais. Precisava senti-la novamente.

- Por favor, Sakura. Apenas mais uma vez – disse, tomando-lhe a nuca em beijos.

- N-Não... Sasuke...

- Pela última vez. Seja minha, ao menos essa noite.

- N-Não... N-Naruto está...

- Naruto está totalmente bêbado e desmaiado. Duvido que vá acordar antes das duas da tarde – mordiscou o lóbulo se sua orelha, fazendo-a soltar um gemido baixo – Por favor.

Controle. Resistência. Razão. Todos estavam completamente perdidos. Haviam sido roubados pelo homem que dava-lhe tão deliciosas carícias. Já sabia, desde o começo. Sabia que não conseguiria resistir. Lutar era inútil. Os sentimentos por Uchiha Sasuke provaram ser, mais uma vez, indestrutíveis. Queria aquele homem. Precisava daquele homem. Levou uma das mãos aos desalinhados cabelos cor de ébano, cedendo aos seus carinhos. Vagamente, sentiu-se sendo levantada e carregada até a cama por braços fortes. Mesmo que fosse pela última vez, iria sentir aquele homem. Iria amá-lo novamente. Assim como sempre amou.

Owari.