Passei horas tentando escrever esse texto, porque é difícil pra caramba.

Nunca fui boa com palavras, nunca serei.

É apenas um texto explicativo, como uma nota de suicídio. Talvez seja uma nota de suicídio.

Sabe todas aquelas histórias que contei?Você pode se lembrar de todas, como também pode não se lembrar de nenhuma sequer.

A única coisa que quero que saiba é que elas não foram verdadeiras.

Não foram, nunca serão.

Você deve estar se perguntando: nossa, por que você mentiu?

Porque não tenho nada a oferecer; além de tímida, não suporto contato físico.

Quer saber? A quem estou querendo enganar? Eu adoro quando me abraçam; adoro quando acariciam minha cabeça, ou quando me puxam pelo pulso.

Eu minto sobre não gostar, porque não quero que as pessoas pensem que sou carente, que converso com minha cachorra e que, de noite, abraço a mim mesma como se fosse um amigo, ou amiga, falando boa noite.

É vergonhoso demais.

Mentiras são minha escapatória pra prender alguém em um diálogo por mais de dois minutos.

Eu não tenho nada de interessante pra falar; e, se tiver, vou ter vergonha de comentar.

Minha garganta seca, eu abro a boca, mas só sai vento.

Eu sou tímida.Fazer amigos pra mim, nunca foi fácil.

Eu chegava nas pessoas, falava “oi”.Dizia meu nome, e perguntava o dela.Mas não passava disso.

Quando faço amigos, não perco a mania.Sempre que o silêncio paira, eu invento alguma coisa e começo a contar algo que não aconteceu.

Eu sempre faço isso, e sempre fiz.Não julgo ninguém por não confiar em mim.Não julgo ninguém mesmo.

Sabe aquela menina popular, que todos gostam? Eu não julgo ela. Eu gosto dela, acho ela legal.Essa garota merece aplausos por ser quem ela é; por estar rodeada de amigos e ter o apoio deles sempre que precisa.Ela pode ser chata, metida, mas todos gostam dela.

Ela é diferente de mim.

Eu não sofro bullying; ninguém nunca fez graça da qual eu não ri, ou não liguei. Eu sempre ignorei, sempre vou ignorar.

É fácil pra qualquer um falar que você tem problemas psicológicos, ou que você precisa de ajuda.Eles não sabem como me sinto.

Minha mãe, acha que comecei a me isolar porque ela se separou do meu pai.

Mas não é isso, nunca foi.

Aconteceu que, na época em que eles se separaram, eu comecei a duvidar da minha capacidade como gente, como um ser humano.

Comecei a me perguntar: como é que eu vivo? Porque eu tenho pessoas que falam comigo? Porque eu não tenho a capacidade de ser alguém?

Percebi que, não importava a forma que me viam, nunca gostavam.

Na aula de música, adquiri uma personalidade fria; mas todos só falavam: nossa, como ela é séria.Fica encarando a gente, dá um medo.

No balé, eu nem era notada.Tentava, mas nunca conseguia.

No coral, simplesmente e menina quieta e certinha que lia livros.

Na escola, uma menina escandalosa e alegre, sempre sorridente, não importa o que acontecesse.

Mesmo com ataques de raiva, eu sorria.

Era como se minha felicidade fosse tentar trazer felicidade.

Se alguém está triste, eu me sinto mal por essa pessoa. Eu sinto que meu trabalho de trazer a felicidade está sendo inútil, que eu sou inútil no trabalho que me dei.

Minha mãe diz que fiquei abalada, que não quis que ela e meu pai tivessem esse destino.

Tudo baboseira!Eu não dou a mínima.

Se minha mãe não ama mais meu pai, ok.

Se meu pai não ama mais minha mãe, ok.

Só não fica dando desculpa, e falando que fiquei com problemas por causa disso.

Foi só uma triste coincidência eu ter ficado com baixa autoestima na época em que meus pais se desentenderam.

Sabe, que queria ter problemas reais pelo qual reclamar.

Não sei.

Talvez seja por isso que quero ter uma doença mortal, ou um transtorno mental, ou uma faca atravessada no estômago.

Porque os problemas que enfrento são insignificantes.Eu sou insignificante por pensar que meus problemas são maiores do que qualquer outra pessoa.

Eu tento ter significado.

Mas é impossível quando você não acredita em si mesma a ponto de pensar em se matar.

Já tentei me machucar, mas nunca consegui de verdade.

Então eu penso: cara, se eu não consigo nem ME machucar por machucar os outros,o que eu estou fazendo aqui?

Não sofro bullying, não sofro de agressões sexuais, não tenho motivos pra reclamar e mesmo assim tenho coragem de chorar porque me acho feia?Gorda? Irritante?

Por favor!

Arranje mais motivos!

Mas nunca funciona, e eu sempre volto a ficar triste por algo do qual não tem importância nenhuma.

Se eu for contar quantas vezes já tentei acabar com essa tortura de viver...

Já ingeri duas caixas inteiras de remédio pra dormir; 24 pílulas ao total, 12 em cada.

Já me sentei na janela e olhei pra baixo, pensando se eu sentiria dor ao cair.

Já esterilizei uma faca e diversas vezes tentei fundi-la na barriga, na cintura e até no pescoço.

Já quebrei vários copos e guardei os cacos de vidro pra me cortar mais tarde.

Já tomei diversos remédios, de diferentes efeitos, esperando que alguma coisa acontecesse e eu morresse.

Mas nunca funciona.

Nunca é o bastante.

Chego a pensar que sou imortal, até lembrar de que existem vários outros métodos de se sumir.

E vou tentar mais um hoje...

Se não der certo, vai ser mais um fracasso na minha vida.

Se der, eu só queria deixar meu adeus.

Queria apenas que soubessem como me senti antes de ingerir o que vou ingerir.

Queria apenas que soubessem que mais uma pessoa sem importância se foi, e que ela não vai voltar tão cedo.

Desculpa, mãe, pai.

Vó, tia, tio.

Primos.

Sei que não vai fazer muita diferença se vivo, ou se morro.

Sei que vocês vão se esquecer de mim, que vou ser apenas cinco ou seis fotos antigas guardadas numa caixa de madeira dentro da gaveta na cômoda.

Sei que ninguém vai sentir minha falta e que mesmo falando que se importam, é tudo mentira.

Não vem de dentro.

A preocupação é apenas seu medo de presenciar o suicídio de alguém com quem você convive e não poder fazer nada a respeito.

É apenas um sentimento vazio que só pode ser preenchido com a resolução do que te preocupa.

Tchau.